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2.3. A Revelação do Espírito Santo como pessoa Divina

2.3.7. A pessoa divina do Espírito Santo no Mistério trinitário

2.3.7.1. A questão da «origem» do Espírito Santo

Depois desta introdução, o Papa ocupa-se em falar da «origem» do Espírito Santo, tendo em conta a tal questão do Filioque, que como sabemos constitui, ainda hoje, no entanto, um diferendo com as igrejas ortodoxas207

.

Antes de mais, o Papa eslavo começa por dizer que a Sagrada Escritura alude à processão do Espírito Santo, que procede do Pai e do Filho. Segundo S. João Paulo II, para muitos exegetas as palavras de Cristo no que se refere à promessa do Espírito Santo aos seus Apóstolos referem diretamente a missão temporal do Espírito Santo da parte do Pai (Cf. Jo 15, 26). No entanto, para o Papa eslavo é legítimo ver à luz dessas palavras a processão eterna e, portanto, a origem do Espírito Santo do Pai. De facto, tratando-se evidentemente de uma das Pessoas divinas da Santíssima Trindade, consubstancial ao Pai e ao Filho, o Papa refere que é preciso libertar a palavra “origem” de toda a referência, quer em sentido ativo quer passivo, da ordem do criado e temporal. Pois, em Deus tudo é eterno208. Como explica S. João Paulo II na seguinte passagem:

Trata-se, efectivamente, de uma «processão» de origem espiritual, como sucede (ainda que seja sempre de uma analogia muito imperfeita), na «produção» do pensamento e do amor, que permanecem na alma na unidade com a mente da que procedem chegando. «E neste sentido – escreve São Tomás – a fé católica admite processões em Deus» (Summa

Theologiae, I, q 29, a.1, aa. 3-4)209.

Quanto à processão e origem do Espírito Santo do Filho, o Papa eslavo esclarece que os textos neotestamentários, ainda que não falem dela abertamente, põem em relevo as relações estreitas entre o Pai e o Filho (Cf. Jo 14, 26; 16, 7). Também o Papa recorda que existem outras passagens evangélicas que expressam a relação entre o Espírito Santo e a Revelação realizada pelo Filho (Cf. Jo 16, 15). Esta relação aparece em primeiro plano e com singular relevo nos discursos de despedida (Jo 13 – 17) que, como vimos anteriormente, dizem de forma clara que não só o Pai, mas também o Filho “envia” o Espírito Santo do mesmo modo como o Filho foi enviado pelo Pai (Jo 20, 22). Juntamente com estas passagens evangélicas existem no Novo Testamento outros textos, como por exemplo, na Carta aos Gálatas e aos Romanos (Cf. Gal 4, 6; Rm 8, 2. 9; 15, 19), que

207

Cf. JOÃO PAULO II, Audiência Geral de 7 de Novembro 1990, in Insegnamenti di Giovanni

Paolo II, XIII, 2 (1990) 1015.

208

Cf. JOÃO PAULO II, Audiência Geral de 7 de Novembro 1990, 1016. 209

demostram que o Espírito Santo não é só o Espírito do Pai, mas também é Espírito do Filho210.

De facto, a questão da “origem” do Espírito Santo na vida trinitária do único Deus, passou por uma longa e complexa reflexão teológica baseada nas Escrituras. Como explica S. João Paulo II, a tentativa de penetrar mais profundamente no Mistério da vida íntima de Deus Trindade, feita por Santo Ambrósio na sua obra De Spiritu Sancto e por Santo Agostinho na sua obra De Trinitate, e por outros Padres e Doutores latinos e gregos, certamente preparou o caminho para a introdução no artigo pneumatológico do Símbolo Niceno-Constantipolitano a cláusula: “e procede do Pai e do Filho”211

. No entanto, a tradição Oriental manteve a fórmula pura e simples do I Concílio de Constantinopla (a. 381) que exprime a origem primeira do Pai em relação ao Espírito Santo. Deste modo, a afirmação do Filioque, que não figurava no Símbolo de Constantinopla do ano 381, tornou- se, nos séculos seguintes, ocasião de Cisma, apesar de esta doutrina não carecer de referências precisas nos grandes Padres e Doutores do Oriente e do Ocidente212. Tratou-se de um cisma levado a cabo durante a controvérsia de Fócio (a. 882), mas que viria ser consumado e estendido a quase todo o Oriente cristão como o Grande Cisma de 1054. Daí, como diz S. João Paulo II:

As Igrejas orientais separadas de Roma ainda hoje professam no símbolo da fé «no Espírito Santo que procede do Pai», sem mencionar o «Filioque», enquanto no Ocidente dizemos expressamente que o Espírito Santo «procede do Pai e do Filho»213.

Após o Grande Cisma de 1054, o Papa eslavo recorda que foram realizados vários Concílios no Segundo Milénio para tentar reconstruir a unidade entre Roma e Constantinopla e resolver a questão do Filioque. Inclusive, a processão do Espírito Santo foi objeto de clarificações especialmente nos Concílios IV de Latrão (a. 1215), II de Lião (a. 1374) e, finalmente, no Concílio de Florença (a. 1439). Neste último Concílio encontramos na declaração doutrinal o eco da tradição latina, que S. Tomás de Aquino tinha determinado teologicamente referindo-se a um texto de Sto Agostinho, segundo o qual afirmava que «o Pai e o Filho são o princípio do Espírito Santo»214

.

210

Cf. JOÃO PAULO II, Audiência Geral de 7 de Novembro 1990, in Insegnamenti di Giovanni

Paolo II, XIII, 2 (1990) 1016-1017.

211

Cf. JOÃO PAULO II, Audiência Geral de 7 de Novembro 1990, 1018. 212

Oriente: Efrém, Atanásio, Basilio Magno, Epifânio, Cirilo de Alexandria, Máximo, João Damasceno. Ocidente: Tertuliano, Hilario de Poitiers, Ambrosio de Milão, Agostinho de Hipona.

213

JOÃO PAULO II, Audiência Geral de 7 de Novembro 1990, in Insegnamenti di Giovanni Paolo

II, XIII, 2 (1990) 1018.

214

Assim, aparentemente superadas as dificuldades terminológicas e esclarecidas as intenções entre gregos e latinos na sexta sessão do Concílio de Florença (6 de Julho de 1439), foi possível estabelecer-se uma definição em comum de que o Espírito Santo procede eternamente do Pai e do Filho como um só princípio e por uma só inspiração215

. E aqui está – segundo S. João Paulo II – uma outra questão que é compreensível, que é o facto de que afirmar que o Espírito Santo procede do Pai pelo Filho significa que também «o Filho, como o Pai, é causa, segundo os gregos, princípio, segundo os latinos, da existência do Espírito Santo»216

. Por isso, o Papa afirma que ainda hoje este texto conciliar é uma base útil para o diálogo e o acordo entre os irmãos do Oriente e do Ocidente217

, porque existe uma legítima complementaridade entre ambas as tradições, que se não for exagerada, não afeta a identidade da fé na realidade do mesmo mistério confessado218. Como conclui o Papa eslavo no final da audiência de 7 de Novembro de 1990:

De facto, após o Concílio de Florença, no Ocidente se continuou a professar que o Espírito Santo «procede do Pai e do Filho», enquanto no Oriente se continuou a manter a originária fórmula conciliar de Constantinopla. Mas, desde o tempo do Concílio Vaticano II, realiza- se um frutífero diálogo ecuménico, que parece ter levado à conclusão de que a cláusula «Filioque» não constitui um obstáculo essencial para o desenvolvimento do diálogo em si, que todos desejamos e invocamos do Espírito Santo»219.