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QUESTÕES ACERCA DOS ESPAÇOS PRIVADOS COM ACESSO PÚBLICO

CAPÍTULO 1:O USO MISTO NA CIDADE CONTEMPORÂNEA

1.4 QUESTÕES ACERCA DOS ESPAÇOS PRIVADOS COM ACESSO PÚBLICO

Os conceitos de público e privado serãodefinidos pelo advogado Emilio Puime (2013), veremos como Hertzberger apresenta essa relação (público x privado)e Jan Gehl (1987), caracteriza as atividades humanas ao ar livre.

Os espaços públicos podem ser totalmente livres para acesso como nas ruas e praças, porém alguns locais mesmo considerados públicos tem restrição de acesso, como é o caso de prédios como prefeituras e escolas. Segundo Puime3(2013, p. 02):

O espaço público é aquele de uso comum e posse de todos. Nestes locais desenvolvemos atividades coletivas, como o convívio de diversos grupos que chamamos de sociedade urbana. Existem (pelo menos) dois tipos de espaços públicos: Os espaços públicos livres (em que é pleno o direito de ir e vir) definidos de circulação (ruas e avenidas) espaços de lazer e conservação (praças, praias e parques). Ainda, existem os espaços públicos com restrição ao acesso e à circulação, nestes a presença é controlada e restrita a determinadas pessoas, como edifícios públicos (Prefeituras, Fóruns, residências oficiais de governantes), instituições de ensino, hospitais, entre outros. A manutenção dos espaços públicos é de responsabilidade do município, estado ou união.

Já na esfera dos espaços privados, alguns possuem características que o tornam semi-públicos, como é o caso dos pavimentos térreos dos edifícios de uso misto, onde existe uma “permissão” de acesso, em função de seu caráter comercial. Sobre esses espaços, Puime (2013, p. 02) define:

Os espaços privados são de propriedade privada (pessoas ou empresas), ou seja, casas, lojas comerciais, escolas particulares, Shopping Centers. Os responsáveis pela manutenção e preservação locais são os proprietários.

Os locais acessíveis ao público (que são locais privados), ou seja, em que é facultado às pessoas, o acesso mediante o preenchimento de certas condições, tais como, pagamento de ingresso e/ou despesas pela utilização do local e/ou serviços.

3Emílio Puime é advogado atuante nas áreas de Direito Civil, Consumidor, Contratual, Trabalhista e

Assim, não se confunde lugar público com espaço acessível ao público (ou aberto ao público). Exemplificando, os Shoppings Centers e bancos são estabelecimentos comerciais privados, acessíveis ao público em determinado horário.

Portanto, os locais acessíveis ao público não ferem o direito de ir e vir, ao impedir o acesso fora dos horários determinados, quando proíbem crianças e animais em seus espaços. Tampouco, fere o direito de ir e vir, impedindo o acesso de pessoas que estão provocando tumulto ou pânico, portando-se de modo

inconveniente ou desrespeitoso e perturbando o trabalho e o sossego alheio.

De forma resumida, o advogado define conceitos que atualmente parecem gerar certa confusão, especialmente no caso dos espaços privados de acesso público quando de propriedade dos condomínios verticais mistos. Neles, como se verá mais a seguir, a visão sobre esses espaços do público externo e dos moradores dos residenciais é bem diferente.

Essa relação “público x privado” é apresentada por Hertzberger sob o ponto de vista do grau de acesso aos espaços. Para ele, “pública é uma área acessível a todos a qualquer momento” e “privada é uma área cujo acesso é determinado por um pequeno grupo ou por uma pessoa”, porém:

Os conceitos de “público” e “privado” podem ser vistos e compreendidos em termos relativos como uma série de qualidades espaciais que, diferindo gradualmente, referem-se ao acesso, à responsabilidade, à relação entre a propriedade privada e a supervisão de unidades especiais específicas (HERTZBERGER, 1999, p. 13).

Em um de seus projetos, fica evidente o cuidado com essa transição, em “Moradias Haarlemmer Houttuinen (100-109)” Localizado em Amsterdã, na Holanda, existe uma:

...rua de convivência acessível apenas para os carros dos próprios moradores e para veículos de entregas; o fato de estar fechada ao tráfego motorizado e também sua largura de sete metros – um perfil inusitadamente estreito para os padrões modernos – criaram uma situação capaz de evocar a cidade antiga (HERTZBERGER, 1999, p. 50) (Figuras 29 e 30).

Os pavimentos térreos dos edifícios de uso misto funcionam como um prolongamento do espaço público. Geralmente possuem um comércio que vive essencialmente do contato com as pessoas que passam na rua e produzem um grande número de relações humanas entre o exterior e o interior dos edifícios. Essas atividades que ocorrem nos "espaços privados acessíveis ao público" são muito ricas do ponto de vista da vitalidade do espaço urbano e por isso é o foco de interesse dessa pesquisa.

Figura 29 - Moradias HaarlemmerHouttuinen

Fonte: HERTZBERGER, 1999 P. 33

Figura 30 - Moradias HaaelemmerHouttuinenFonte:

HERTZBERGER, 1999 P 34

Jan Gehl (1987) diz que o ambiente físico, construído, é um fator que influencia as atividades em graus variados e de muitas maneiras diferentes. Ele classifica as atividades ao ar livre em três categorias: As atividades necessárias (obrigatórias) como: "ir à escola ou ao trabalho, fazer compras, esperar por um ônibus ou uma pessoa, resolver tarefas, entregar a correspondência"; As atividades opcionais (opcionais, só participa se houver desejo de fazê-las) como: "fazer uma caminhada pra respirar um pouco de ar fresco, ficar por aí aproveitando a vida, sentar-se para tomar um banho de sol"; As atividades sociais (que dependem da presença de outras pessoas no espaço público, resultante das duas primeiras).Numa interpretação bem livre, uma atividade social ocorre toda vez que duas pessoas estão juntas no mesmo espaço. Ver e ouvir uns aos outros, encontrar-se, é em si uma forma de contato, uma atividade social. (GEHL,1987).

Para ele, é preciso priorizar "a vida entre os edifícios" por meio de um planejamento sensato de cidade e de áreas habitacionais, utilizando desenhos que possibilitem esse encontro entre as pessoas, as brincadeiras de crianças, o ver e ser visto. Com relação aos edifícios, os de uso misto, que contém uma diversidade de funções em suas áreas de caráter público privado, geralmente comércio, praças, bares etc., onde está sempre acontecendo alguma coisa, são fundamentais (na cidade de hoje) para garantir a presença das atividades opcionais e sociais (GEHL, 1987).

Apesar de reconhecer esse potencial das áreas de uso misto, é necessário falar que nem todos esses espaços são realmente de livre acesso, por ficarem condicionados ao consumo de algum tipo de produto ou serviço. Para Vargas:

Nem todos os edifícios considerados públicos, porém, são de fato interiores públicos. Muitas vezes não oferecem a possibilidade do anonimato e do não compromisso. Outros, embora com acesso livre, não são para todos, pois os códigos de comportamento são esperados, mesmo que não explicitamente solicitados. Um bom exemplo de existência de códigos são os shopping centers, mas mesmo os jardins públicos, no passado, como o próprio jardim da Luz, em São Paulo, possuíam regras de conduta a ser observadas (VARGAS, 2011, p. 99).

Em complemento a esse raciocínio, e mais precisamente com relação aos pavimentos térreos com acesso ao público, Rodrigues (2016, p.26), dá como hipótese para questão da segregação:

Que o espaço de usufruto público nos térreos dos empreendimentos privados promove integração entre os iguais e segregação entre os diferentes. Estabelecendo o uso do espaço para o perfil do público que pretende atender, ou seja, se o determinado empreendimento foi desenvolvido para o público de classe média, não é interessante que as classes inferiores frequentem seus térreos, apesar de serem supostamente de usufruto público e aberto para todos.

E completa:

Ao definir o local de implantação do empreendimento, os materiais que serão utilizados nos edifícios, o padrão das lojas para a área comercial e a quantidade de seguranças, por exemplo, o empreendimento pode ter uma barreira não construída, invisível, existente e persistente, segregando o espaço que deveria integrar (2016, p. 21).

Além do entedimento, acima, de que os espaços de uso público se verdadeiramente democráticos, criam espaços positivos para aliviar a tensão existente entre as pessoas na maioria das cidades em função do estilo de vida moderno, há também a questão da segurança, onde os espaços internos e externos podem se ver mutuamente (caracteristica das fachadas ativas) os locais se tornam mais seguros. Tanscheit (2016), em explanação sobre o livro “A Cidades ao Nível dos Olhos”, faz a seguinte afirmação:

A noção de segurança é perdida no momento em que uma localidade se torna vazia, não recebe iluminação, uso ou até mesmo a atenção adequada. Conectar os espaços entre o que é público e o que é privado pode ser um trunfo para evitar isso. (TANSCHEIT, 2016, p. 35).

1.5 INSTRUMENTOS URBANÍSTICOS E A ADOÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA CIDADE