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2 OS ESTUDOS DESCRITIVOS E CIENTÍFICOS DO ADVÉRBIO

2.2 QUESTÕES DESCRITIVAS

Nosso último gramático a trazer algumas considerações a respeito dos advérbios é Perini (2005)6, pelo seu empenho em expor os estudos gramaticais a partir das pesquisas advindas da linguística e propor a explicitar os problemas e oferecer soluções para a maioria dos casos nela existentes, assim afirma que o

6. 6 Deixamos de lado os estudos críticos da Bomfim (1988), além de outros gramáticos contemporâneos como Ataliba Teixeira de Castilho, com a sua Nova Gramatica da Língua Portuguesa por questão de espaço e tempo.

mais importante é suscitar discussão — discussão de problemas reais da análise da língua, baseada em fatos observáveis do português padrão atual. Meu objetivo é contribuir para uma reorientação radical dos estudos de língua portuguesa: do exame das gramáticas para o exame dos fatos da língua - sem desprezar o exame das gramáticas, mas submetendo-as a um crítico rigoroso (2005, p. 15).

Em geral, esse objetivo passa por alguns problemas em relação ao número de fenômenos da língua que a gramática cobre em comparação a linguística. Isso é evidente ao descrever os itens classificados como advérbios, em que as descrições circulam por critérios semânticos e sintáticos com certo nível de irregularidades, porém, sem os detalhes mais profundos advindos da gramática descritiva, a conclusão sobre esta classe se torna duvidosa. Diante desses impasses, Perini (2005) propõe uma maneira nova de descrever a estrutura do português a partir de princípios teóricos mais rígidos, apontando, também, os acertos e equívocos da GT.

Existe uma classe dos advérbios? Questiona Perini (2005) ao observar que a categoria tradicional dos advérbios possui uma série de classes que se diferenciam muito no comportamento sintático, embora a prioridade da GT é definir tal classe a partir dos traços semânticos (modificar outros itens e a si mesmo), ocasionando um elemento circular na sua definição clássica. Já que se define uma classe pela função que exerce, temos uma classe multifuncional para classificar como tal. O gramático ilustra as potencialidades funcionais dos advérbios separando em alguns grupos, evidenciando não só as inconsistências semânticas, mas também sintáticas, os seguintes itens classificados como advérbios não, rapidamente,

completamente, muito, francamente7 e subclassificados semanticamente como de negação, de

modo e de intensidade, ao analisar tais palavras o autor nos mostra que as funções sintáticas

também são diversas. Como veremos, essas palavras, de acordo com o gramático, ocupam pelo menos seis funções, e alguns podem ocupar mais funções como podem ver nos traços funcionais8 elencados:

1. Negação verbal:

a) Seu tio [+NV]não apareceu na estação.

7. 7 Perini (2005, p. 87) afirma que na ―literatura lingüística moderna, elementos como francamente são considerados à parte, como um elemento anexo à oração, talvez mesmo externo a ela; denominam-se ‘advérbios de oração‘‖. 8. 8 O significado das abreviações funcionais: AA = adjunto adverbial; AC = adjunto circunstancial; Ant = anteposição;

2. Intensificador:

a) Almeida é [+Int+AC]muito magro;

b) Almeida estava [+Int+AA]completamente bêbado;

c) Essa proposta é [+Int,+AO,+Atr]francamente ilegal.

3. Adjunto circunstancial:

a) Ela ri [+Int+AC] muito.

4. Atributo:

a) Terminamos a pintura [+Atr] rapidamente.

b) Ela me revelou tudo [+Int,+AO,+Atr] francamente.

5. Adjunto adverbial:

a) Ela decorou o apartamento [+Int+AA] completamente.

6. Adjunto oracional:

a) Acho que ele nos enganou, [+Int+AO+Atr] francamente.

Seguindo a observação de Perini (2005), a classificação tradicional não analisa essas diferenças encontradas nos itens em relação ao comportamento gramatical. Tampouco observa que os itens pertencentes às subclassificações (de modo, de intensidade etc.) se mostram incoerentes as classificações sintáticas vistas acima, exemplo dos advérbios de modo (rapidamente, completamente e francamente) que, segundo o autor, são sintaticamente diferentes. Além de alguns compartilharem traços encontrados em outras classes (o traço [+AC] encontrado nos adjetivos que exercem a função de adjuntos circunstancias) demonstrando que não é uma classe com todos os itens exclusivos.

Sobre a noção de modificação, apesar de vaga, Perini tenta solucionar tal impasse afirmando que a

noção de ―modificação‖ é bastante obscura; como a interpreto, seria um misto de semântica e sintaxe. Semanticamente, modificação"significa que um advérbio teria seu significado amalgamado ao de um outro elemento, formando um todo semanticamente integrado; assim, digamos, corremos exprime uma ação, e corremos depressa exprime a mesma ação, crescida de algum ingrediente de significado. Tanto corremos quanto corremos depressa seriam unidades no plano semântico.(PERINI, 2005, p. 340) [grifos do autor]

Apesar de reconhecer que é vaga tal hipótese e poder aplicar com qualquer outra classe essa definição, aparentemente, a noção de modificação na sintaxe está relacionada ao conjunto de constituintes que se relacionam entre si. Assim como corremos se relaciona com depressa, mas, ainda assim, é vaga, pois a outros casos que Perini aponta que ocorrem com outras classes (Comi uma peixada – onde comi e uma peixada estão em construção, mas uma

peixada não é uma constituinte adverbial). Essa determinação se torna difícil, já que definindo

o advérbio como elemento modificador do verbo qualquer construção seria adverbial.

Não é garantia que o ―estar em construção‖ seja uma característica das funções sintáticas, como afirma Perini, também não há garantias de que um item lexical seja modificador, pois o que se julga é uma lista de palavras assim chamadas. Observamos o exemplo:

(1) Somente André percebeu a situação.

Verifica Perini que a palavra somente, considerada advérbio, modifica o substantivo, André. Por outro lado, a sentença:

(2) Ela escreve rápido.

O adjetivo rápido que está modificando um verbo, colocando uma pá de cal nas pretensiosas definições exatas sobre os elementos que ele modifica. A conclusão que Perini chega é que os elementos em construção com o verbo ou adjetivo etc. não são critérios para definir alguma classe, no possível, deve ser definido em critérios de função. Diante disso, a classe dos advérbios é uma lista de classes ou subclasses e essa lista ainda não foi até o momento, segundo o autor, sintetizada para termos um panorama maior.

Esse problema se estende ao Sintagma Adverbial, segundo Perini (2005), a simplicidade do conceito e as funções múltiplas correspondentes no AdvP seriam de atributo, adjunto adverbial, adjunto oracional, negação verbal, adjunto circunstancial. Cada uma delas se mostrando incoerentes na uniformidade de funções, tendo em vista a negação verbal, que desempenha outras funções não relacionadas como os outros constituintes do AdvP. Vejamos os exemplos (ididem, p. 120):

(3) a. Com franqueza, acho que eles nos enganaram. b. Ele se expressou com franqueza.

Em (3a), o sintagma com franqueza desempenha função de adjunto oracional, enquanto (3b) desempenha função de adjunto circunstancial. A critica de Perini aos conceitos gramáticas tradicionais se repete pela falta de uma abrangência suficiente para definir (não só) o Sintagma Adverbial (AdvP, do inglês Adverb phrase), já que até o momento, o que se tem é um conjunto de funções presentes no AdvP que podem ser formados até por preposição e

Sintagma Nominal (NP, do inglês Nominal Phrase) desempenhando função adverbial, por exemplo.

Por fim, Perini ao falar sobre a GT no seu percurso em relação aos advérbios, afirma que a GT não encontrara consonância a respeito das subcategorias e tipos nessa categoria, tampouco realizaram uma exaustiva bateria de testes para dar conta de tal heterogeneidade. Se atendo ao seu objetivo prescritivo das gramáticas normativas, em dois momentos percebemos o tipo de abordagem que figuraram tais estudos, primeiro, em uma época mais antiga se classificava por critérios mais intuitivos, no século XX em diante, por critérios mais explícitos, de cunho mais funcionais e propriedades semânticas, principalmente sobre as evidências em torno dos fenômenos ligados ao advérbio agindo como modificador do verbo. Hoje prevalece a ideia de emitir circunstância, ser invariável e modificar o constituinte referente mais próximo.