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Capítulo 4 – Filosofia nova, Direito antigo

4.3 Questões em aberto (para uma teoria sistêmica)

No sistema luhmanniano a única possibilidade de evolução sistêmica é a irritação de um sistema por outro, combinada com a conversão da informação (que o irritou) para o seu próprio código binário, para que então (e só então) essa informação possa exercer sua função. É basicamente esse árduo caminho rumo à mudança que deu origem à críticas quanto ao conservadorismo do sistema luhmanniano. No caso do direito, para que um conteúdo político, moral ou econômico chegue ao sistema jurídico, considerando que este só opera com o código direito/ não-direito e que considera-se “direito” como as normas de direito positivo, teremos, por conseguinte, que qualquer alteração extra-jurídica terá de ser convertida em lei para “funcionar” no direito.

Um sistema complexo, contudo, deve comportar muito mais que isso. Ora, como então conceber a evolução do sistema social e, consequentemente, do sistema jurídico? Primeiramente, pode-se concordar com a premissa, que “se uma sociedade existe, não é para se dissolver” (Forsé, 1993, 12). Logo, o princípio de entropia serve aqui como um princípio de alcance geral (Forsé, 1993, p. 08), inclusive para os sistemas sociais. Na formulação de Boltzmann, isso significa que os sistemas tendem para o seu estado mais provável, ou seja, o estado de desordem máxima por ele suportada (Forsé, 1993, p.08). Por essa razão, Forsé compreende que “a estabilidade do sistema busca a maximização da sua entropia, e que qualquer outra situação é muito mais improvável” (Forsé 1993, 12).

No que toca aos sistemas sociais, a evolução ocorre a partir do conflito. Diz Le Moigne que “para evoluir, importa que a organização engendre conflitos, diferenças de potenciais entre normas, as quais alimentarão o motor informacional do Sistema Geral” (Moigne, 1996, p. 312). É o conflito que desordena o sistema

social – e por isso, a forma com a qual o direito lida com ele é determinante para a evolução do sistema ou, mais comumente, a manutenção dele.

A forma com que uma determinada sociedade aceita que se interprete e solucione seus conflitos é determinante para sua evolução/ manutenção. E a esse aspecto é muito oportuno o comentário de Le Moigne sobre a evolução criadora, que inspira a conceber soluções inesperadas, fora das trajetórias já tidas como ótimas. Diz ele:

A evolução é criadora e não apenas lógica. Ela é condição de uma criação, ou de uma concepção, de programas inesperados, que organizarão o desenho numa obra de arte, a composição numa sinfonia, a estrutura numa organização sem cessar renovada. O tempo torna-se, ou antes, volta a ser a condição da concepção evolutiva. É preciso tempo para conceber e reconceber a intricação dos programas pelos quais as intervenções dos sistemas assegurarão os seus projectos. A obsessão da preconcepção, do regulamento imanente, da única trajectória óptima, planeada antecipadamente tendo em vista um calendário, não nos é imposta pela ciência, mas por um modelo cultural que ignora a evolução criadora (Moigne, 1996, p. 310).

Ainda mais forte essa indicação nas ciências sociais, e no direito, como ciência social aplicada, em que se percebe com tanta facilidade o acaso – o imprevisível é uma oportunidade para a evolução criativa, para a busca de soluções novas, de trajetórias diferentes.

4.3.2 Sujeito – obstáculo ou matriz?

A opção de Luhmann pela transformação do sujeito em sistema e sua alocação dificultosa no sistema social não é uma opção isolada. Ela deu-se em no contexto da engenharia dos sistemas, no qual é o ‘elemento humano’ que se revela ser precisamente o componente falível. Assim “este elemento ou tem de ser eliminado de todo e substituído pelos equipamentos dos computadores, pela maquinaria autorregulável e coisas semelhantes, ou tem de ser tornado tão digno de

confiança quanto possível, isto é, mecanizado, conformista, controlado e padronizado” (Bertalanffy 2009, 29).

Pugliesi observa ainda a esse respeito que Luhmann erradica com a sua opção a ação social no sentido parsoniano, de forma a transformar o próprio sistema em um sujeito. Não obstante, “a grande questão é que a língua não é um dado, mas um construído – o que implica a presença constante de seres capazes de produzir variedade” (Pugliesi, 2008, p. 146). Dessa forma, a intenção de padronização, de homogeneidade que para os teóricos como Luhmann consistia em ideal, na realidade desnatura a construção do sistema, haja vista que se trata de um sistema comunicativo e que a lingua é construída pela interação entre os sujeitos de determinada sociedade.

A composição de cada sistema social é portanto única, por ser formada pela interação singular entre sujeitos também singulares. Para Morin, a individualidade do sujeito não está apenas na singularidade físico-química, mas em sua condição egocêntrica,

no fato de que ele é único para ele computando para si. (...) O sujeito é o ser computante que se situa, para ele, no centro do universo, que ele ocupa de forma exclusiva: Eu, só, posso dizer eu para mim. Essa noção de sujeito, aliás, não é apenas de competência filosófica ou linguística, mas também matemática. Assim, Hilbert tinha imaginado um operador que se exprimia sob a forma: Aquele que só e ao mesmo tempo um qualquer. Mas foi, sobretudo, a teoria dos jogos de von Neumann que me esclareceu, porque implica o jogador-ator egocêntrico. (Morin, 2010, pp. 323 - 324)

O projeto sistêmico, quando se refere a um sistema complexo tal qual a sociedade, não é absorvido por racionalidades estanques. Ele deve ser capaz, hipoteticamente, de fazer a “operação de integração de todos os elementos (como se faz em matemáticas) [o] que asseguraria uma análise efectiva de todas as interacções ou transações entre os indivíduos” (Forsé, 1993, p. 17). Ou seja, ainda