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Buscando retratar um perfil de leitoras fãs de Romances no Brasil, criei um questionário online com 46 perguntas divididas em três partes: a primeira, com 12 perguntas, sobre dados demográficos, como idade e escolaridade; a segunda sobre dados de leitura, com 17 perguntas envolvendo preferência de gêneros e subgêneros, lugares e suportes de leitura preferidos; e, por último, 17 perguntas sobre as relações com outras leitoras, espaços online visitados, participação em eventos e produção literária. O questionário foi construído com base no IBGE para a formulação das perguntas demográficas, a partir da mais recente pesquisa realizada pelo Instituo Pró-livro “Retratos da Leitura no Brasil” de 2016, além de buscar na Amazon (www.amazom.com.br) e Goodreads (www.goodreads.com) por gêneros e subgêneros na construção de opções para as perguntas realizadas. O intuito foi poder contrapor os dados brasileiros gerais com a realidade das fãs respondentes, de forma a possibilitar uma visão geral do fandom no país. Além, é claro, de outras perguntas realizadas conforme os objetivos específicos desta pesquisa, como dados referentes às mediações do fandom de Romance.

De todas as perguntas, a maioria era de assinalar uma ou mais opções, sendo apenas 5 dissertativas, focadas na busca do entendimento do que as respondentes entendiam como ser fã de romance, na popularidade do gênero, além de definir autoras e espaços online mais famosos. Ao final, deixei espaço de intervenção, ao perguntar: “Achou que faltou alguma coisa no questionário referente ao universo dos romances? Comente aqui.”, além de possibilitar ao respondente deixar seu e-mail para contato para feedback da pesquisa. Ao total de três meses obtive resposta de 803 pessoas. Porém, foram eliminadas 80 respostas por não atenderem ao propósito do questionário, isto é, aqueles que afirmaram não se considerarem fãs (10) e aqueles que não tinham certeza (39), assinalando “não” e “talvez”, além daqueles (31) em que se pode comprovar pelas respostas que não sabiam diferenciar o gênero Romance do formato ao citar

43 como autores preferidos que fogem do gênero aqui abordado, mas escritores de romance em geral. Assim, 723 formaram o total de respondentes qualificáveis para análise.

Nem todas as 46 perguntas foram respondidas pois não eram todas obrigatórias. As perguntas dissertativas foram as que menos tiveram respostas, sendo a menos respondida a qual pedia para explicar porque a respondente se considera fã, obtendo 317 respostas no total. O questionário ficou online por três meses, de 03 de agosto a 2 de outubro de 2018, sendo lançado durante o começo da Bienal Internacional do Livro em São Paulo, no dia 03 de agosto. De forma presencial, distribuí no evento um papel com o link do questionário para pessoas em filas de autógrafos e sentadas em espaço para bate-papo envolvendo autoras de Romance, num total de 1.200 papeis distribuídos. A programação da Bienal no primeiro final de semana do evento teve diversas atrações envolvendo o gênero. Ao mesmo tempo, compartilhei em meu perfil pessoal do Twitter e Facebook o questionário, assim como postei uma foto com o papel mostrando que estava distribuindo-o, aproveitando as hashtags da Bienal para espalhá-lo. Curiosamente, como as fãs são acostumadas a receber senhas e verem blogueiras distribuindo marcadores de páginas com seus links, quando era avistada distribuindo o papel, muitas ficavam curiosas e esperando sua vez. Não houve resistência em recebê-lo. O papel distribuído na Bienal dizia: “Você gosta de ler Romances? Se sim, responda este questionário sobre os fãs de Romance no Brasil! Você estará ajudando na pesquisa de uma tese de Doutorado sobre o assunto”. Além do link para o questionário em seguida, havia um QR Code para facilitar o acesso. Os compartilhamentos online tiveram um texto próximo, com pequenas alterações dizendo diretamente que era para minha tese de doutorado, ou então acrescentando ao lado da palavra Romance outras como “romântico” e “erótico”, se estava compartilhando em grupo voltado a um subgênero específico.

Nos dias seguintes, tive a ajuda de algumas blogueiras e booktubers no compartilhamento online diretos de suas redes sociais, impulsionando o volume de respostas. Também divulguei em dois grupos brasileiros no Goodreads: “Goodreads Brasil” e “Clube de leitores em português”; e, em cerca de 30 grupos do Facebook voltados para o gênero ou afins: grupos abertos e privados que levam no nome Romance e que pude comprovar se tratar do gênero e não o formato, grupos de subgêneros (erótico e de época, principalmente), grupos dedicados a autoras (Julia Quinn, Nana Pauvolih), grupos dedicados ao compartilhamento de títulos através de tradução ilegal, grupos dedicados a marcadores de páginas, clubes do livro, literatura feminina, Funko Pop e cultura nerd feminina. A maioria dos grupos solicitei participar para poder divulgar o questionário, pois não era membro

44 Como o início da divulgação foi off-line, durante a programação de Romance da Bienal, acreditei que estaria claro o tipo de romance a que me referia. Porém, entre as primeiras 100 respostas foi ficando claro quando alguns respondentes citaram autores favoritos, como Machado de Assis, que não se caracterizam pelo gênero estudado aqui, mas sim, pelo formato. Portanto, acrescentei ao texto introdutório do questionário uma rápida explicação sobre Romance conforme a Romance Writers of America. Outro momento foi perceber pelos compartilhamentos das blogueiras de acrescentar ao lado de “romance” a palavra “romântico”, o que me levou a fazer o mesmo também.

Essas duas questões me levaram a entender que não há tanta clareza quanto eu imaginava em relação ao gênero mesmo nos espaços dedicados ao Romance. No momento exploratório inicial da pesquisa, o termo “romance” surgiu-me como um gênero mesmo, diferenciado do formato, aparentemente claro para o mercado e fãs, porém não presente na bibliografia literária brasileira. Além disso, enquanto percebi nos Estados Unidos uma preocupação em construir e manter o gênero bem delineado através de falas de escritoras e profissionais de editoras, no Brasil pude observar a preocupação de representar bem o gênero através das capas dos livros. Entretanto, mesmo com as perguntas realizadas, e a grande pista com os subgêneros, houve confusão. Com a minha participação mais direta com as blogueiras parceiras, ficou claro perceber que elas sim têm muito mais domínio do que o restante do fandom, pois estão mais próximas das lógicas de produção do mercado.

Outro problema foi a questão da bolha pessoal (CARLOMAGNO, 2018). Como a divulgação foi a partir de divulgação num evento específico e em minhas redes sociais, de amigos e conhecidos, os dados demográficos demarcam um perfil muito aproximado ao meu: mulher, branca, classe média, na faixa dos 30 anos, heterossexual, sem filhos, com alto nível educacional. A Bienal, embora seja um dos eventos literários principais do fandom, é um evento com ingresso para a entrada. Na edição em que fui os valores foram de R$ 20 durante a semana e R$ 25 durante os finais de semana, havendo meia-entrada para estudantes e idosos. Embora tenha tido muitas respostas e ter conseguido retratar uma faceta do perfil das fãs de Romance, acredito que para um perfil brasileiro geral e que abarque a questão de classes sociais, seria necessário buscar em outros espaços, especialmente os que sejam sem ingresso ou gratuito, e outros grupos para poder realizar tal intento. Porém, não foi possível durante esta pesquisa, e nem meu intento, uma vez que o epicentro foi exatamente das parcerias entre fãs e editoras, ou seja, de um local específico, o que talvez já demarque essa especificidade de quem está participando mais online diretamente com essas pessoas e empresas.

45 Além disso, tive duas situações problemáticas durante as divulgações nos grupos de Facebook: num dos grupos de distribuição de títulos traduzidos ilegalmente e em outro voltado para Literatura Feminina. No primeiro, um dos comentários sugeria que meu post fosse apagado pois era acusada de estar ligada com alguma entidade literária e estaria buscando identificar e desmontar o grupo. Expliquei que não estava ligada à nenhuma instituição com esse intuito, que a tradução ilegal não era destaque em minha pesquisa e compartilhei link para meu blog pessoal (www.gcarlos.wordpress.com) onde poderia ser encontrada minhas pesquisas e minha dissertação que teve como objeto a prática ilegal de scanlation e expliquei que mesmo neste caso meu objetivo não era acabar com os grupos de tradução. A preocupação em encontrar e expulsar delatores dos grupos com biblioteca de traduções ilegais é muito forte. Não obtive mais resposta e o post não foi apagado. O outro caso ocorreu quando pedi para uma das administradoras se podia divulgar a enquete de forma geral no grupo, pois conforme as regras havia um post original para fazê-lo, porém achei que iria ficar escondido e buscava mais visibilidade para a divulgação do meu questionário. Ela negou o pedido, e questionou a pertinência do gênero naquele espaço, afirmando que era uma literatura não-feminista, ou melhor, machista. Tentei argumentar que não se podia generalizar e haviam casos e casos, mas ela não aceitou. A conversa foi cordial, mas decidi não postar no grupo. Porém, esse clube do livro existe em diferentes capitais, e nos outros grupos que postei, ninguém comentou nada.

A seguir apresento as bases teóricas da pesquisa, iniciando pela visão geral da literatura enquanto cultura erudita, de massa e pop, e do entendimento do livro como mídia, para em seguida focar na literatura produzida por mulheres e na conceitualização do Romance.

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3 A LITERATURA DE MULHER E O ROMANCE

Neste capítulo apresento a discussão sobre a literatura escrita por mulheres, que recebe nomes como “literatura feminina”, “ficção de mulher” (women’s fiction) ou mesmo chick lit, para em seguida trazer um breve panorama histórico do gênero Romance, explicar seus elementos narrativos, suas características e subgêneros e, por fim, a realidade do mercado literário do Romance no Brasil. Antes disso, entretanto, apresento duas premissas teóricas que norteiam minha visão sobre esse universo literário, isto é, de entender o Romance como uma literatura pop e de enxergar o livro como mídia, pois essas considerações permitem uma descrição melhor do contexto de consumo, produção e circulação do Romance, conforme pude observar nas saídas a campo e observações online.

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