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Para entendermos o significado do termo “quilombo” nos reportamos à definição prescrita no Art. 3º das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Escolar Quilombola na Educação Básica que consta na Resolução nº 8, de 20 de novembro de 2012 do Conselho Nacional de Educação e diz o seguinte: “são os grupos étnico-raciais definidos por auto-atribuição, com trajetória histórica própria, dotados de relações territoriais específicas, com presunção de ancestralidade negra relacionada com a resistência à opressão histórica”.

No imaginário coletivo, a concepção que temos de quilombo ainda está associada a uma mentalidade colonial, onde se acreditava se tratar de um agrupamento de escravos fugidos. Nessa ótica, o quilombo também era entendido como algo do passado que teria desaparecido do país junto ao sistema escravocrata, em 1888. O isolamento das comunidades quilombolas durante parte do século passado foi uma estratégia intencional para garantir a sobrevivência do grupo, de suas tradições, territórios, cultura e identidade étnica. Talvez daí essa falsa ideia tenha se sustentado (PROGRAMA BRASIL QUILOMBOLA, 2004).

Aos quilombos constituídos no período escravocrata, muitos outros foram surgindo após a abolição. Como dito anteriormente, organizar-se em grupo era o único meio de assegurar a existência, pois a Lei Áurea não considerou os mecanismos de redistribuição de terras para os quilombolas. O reaparecimento dos quilombos é resultado da ação dos movimentos negros e passados mais de cem anos tiveram assegurados o direito à terra a partir da Constituição Federal, no Artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), o qual assegura o seguinte: “Aos quilombolas que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos”. Munanga e Gomes (2006, p. 71) trazem a seguinte definição de quilombo:

a palavra kilombo é originária da língua umbundo, falada pelo povo ovimbundo, que se refere a esse tipo de instituição sociopolítica minilar conhecida na África central, mais especificamente na área formada pela atual República Democrática do Congo (antigo Zaire) e Angola.

Os quilombos brasileiro e africano se assemelham muito no que diz respeito à oposição escravocrata, pela implantação de outra forma de vida e de uma estrutura política onde todos os oprimidos possam se encontrar (MUNANGA; GOMES, 2006). Portanto, a ideia errônea de que quilombo significa refúgio de escravos fugidos não se sustenta. É preciso desmistificar essa imagem estereotipada relacionada à existência dos quilombos. Os quilombolas, como eram conhecidos os homens e mulheres, viviam em clima de fraternidade e liberdade com laços de solidariedade. Não aceitavam viver no regime de escravidão e por isso se rebelavam contra esse sistema.

Segundo informações contidas em cópia de um abaixo assinado42 fornecido pela diretora do colégio, a reconstrução da identidade da comunidade quilombola passa pela elevação da autoestima dos estudantes e moradores. Com base em pesquisa documental e oral foi constatado que a comunidade fora formada por operários negros e operárias negras que estiveram na construção da estrada de ferro Tram Road de Nazaré (no Recôncavo Sul e Sudoeste da Bahia), de um trem que realmente existiu, iniciou em 1901 e chegou na cidade em 1927.

Em 2008, com o reconhecimento do colégio como escola quilombola, docentes, discentes, gestores e comunidade começaram a se questionar sobre o que é uma escola quilombola, uma educação quilombola? Essas indagações foram o motivo da história da educação do colégio dentro do quilombo urbano43.

42 Recebemos da gestora da escola uma cópia do abaixo assinado na ocasião da primeira visita do pesquisador. Nele está contido um breve relato que historiciza o surgimento da comunidade quilombola, assim como explicita os motivos pelos quais fora solicitada a mudança do nome do colégio.

43 As comunidades dos quilombos urbanos buscam o reconhecimento de sua identidade e a segurança jurídica de seu direito à propriedade para romper o ciclo da segregação espacial, prática naturalizada que nega aos setores socialmente diferenciados como negros, índios e pobres, o direito de viver em determinados espaços urbanos, principalmente aqueles bem localizados e dotados de infraestrutura. A segregação espacial é um meio de reafirmar a hierarquia de valores que estrutura a sociedade brasileira e impede o acesso de determinados grupos aos benefícios e oportunidades da urbanização. Os quilombos urbanos são formados, principalmente, por grupos que viviam ao redor de grandes cidades e foram englobados pelo crescimento urbano dos municípios, além de populações que habitavam áreas valorizadas nas cidades e que, a partir do século XX, foram obrigados a se deslocar para áreas de periferia para dar lugar a projetos de revitalização e embelezamento. Esses grupos têm em comum o vínculo com a ancestralidade negra, ainda que o quilombo também seja um local para acolhida de brancos empobrecidos com os quais estabelecem vínculos de solidariedade. A opressão histórica e a resistência atual frente à especulação imobiliária e projetos de desenvolvimento urbano que implicam na redução do território ou no deslocamento desses grupos étnicos também são fatores de unidade e reivindicações entre estas

Em 2010, o colégio recebe o Selo Educação para a Igualdade Racial concedido pelas Secretarias de Políticas de Ações Afirmativas e Políticas de Promoção da Igualdade Racial do governo federal. Para a implementação da Lei 10.639/03, a escola trabalhou nos anos de 2009 e 2010 as seguintes metas: promoção da identidade quilombola para a escola e comunidade; valorização da ancestralidade da população negra; melhoria da autoestima da comunidade; conhecimento e estudo da história de lutas do povo negro na Bahia e no Brasil e do continente africano. Para isto, buscou junto à Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia – UESB e à Secretaria de Educação da Bahia, por meio do Instituto Anísio Teixeira – IAT, apoio na questão pedagógica, investindo na elaboração de um PPP condizente com a realidade da comunidade e com a promoção da igualdade racial.

Conforme dados do PPP, a comunidade do Barro Preto, onde se localiza o colégio, conta com saneamento básico em 90% das casas residenciais e rede elétrica. A renda das famílias é de menos de um salário mínimo. Há na comunidade um total de 1.600 casas, totalizando 5.000 moradores, com oito ruas, algumas calçadas em parte. Nesta comunidade, fazem-se presentes organizações religiosas como CEBs, Comunidade Maria de Nazaré, Senhor do Bonfim e Padre Molina, Primeira Igreja Batista, Assembleia de Deus e Igreja Pentecostal Casa de Oração. Há também a presença de terreiros de Matriz africana conforme informado em entrevista pela diretora da escola.

Em relação aos aspectos sociais da comunidade, o PPP destaca:

O Barro Preto sofre com todos os estereótipos e preconceitos construídos ao longo dos anos e sustentados pelas mídias. Os moradores são socialmente marginalizados. Não estão nos moldes “sociais” aceitáveis. A falta de fontes simbólicas positivas do povo negro contribui para uma baixa autoestima que traz várias consequências: pouca higiene pessoal; desvalorização do seu meio ambiente; indicies elevados de violência; agressão contra a mulher; pedofilia; prostituição; tráfico de drogas e consequentemente manutenção dos estigmas sociais (PPP, 2013).

O Artigo 9º das Diretrizes Nacionais para a Educação Quilombola assim define escola quilombola: escolas que atendem estudantes oriundos de territórios quilombolas e que estejam localizadas em território quilombola. O colégio se enquadra nessa categoria e, após o reconhecimento, reforça o orgulho de pertencer a uma comunidade quilombola. Vale destacar um trecho do abaixo assinado mencionado anteriormente que diz: “a escola chega ao

populações. Texto extraído na íntegra do artigo “Quilombos urbanos no Brasil: desafios e expectativas” Boletim Quilombol@, n. 18, jan./fev. 2007. Disponível em: http://www.koinonia.org.br/oq/noticias- detalhes.asp?cod=6877. Acesso em: 10 fev. 2014.

quilombo em 1964, mas chega para os negros contando uma versão branca da nossa história onde o negro não passa de um escravo dócil e submisso às vontades do colonizador”. Um fato interessante é que os funcionários da escola são oriundos da comunidade, isto ajuda na participação e valorização da cultura negra.

Mesmo com as dificuldades que se apresentam, o colégio e a comunidade de Barro Preto se unem para fortalecer ainda mais os traços de identidade e ancestralidade do povo negro pautando-se em uma educação que valorize o legado africano e o respeito à diferença.

Na próxima seção explanaremos a respeito das participantes da pesquisa, apresentando cada uma com base nas informações fornecidas pelas mesmas no momento da entrevista.