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QUILOMBOS NO BRASIL

No documento Universidade do Estado do Rio de Janeiro (páginas 79-83)

3 COMUNIDADES QUILOMBOLAS E A REPARTIÇÃO DE BENEFÍCIOS DA

3.3 QUILOMBOS NO BRASIL

Os quilombos surgiram quando escravos negros, no período colonial brasileiro, fugiam de fazendas e constituíam resistência à escravatura. Palmares é o

símbolo-mor dos quilombos, com líderes famosos como Ganga Zumba e Zumbi. Em Palmares, terra era considerada como sinônimo de liberdade, patrimônio onde se fincam aspirações de despossuídos de espaço para plantar e viver, onde os negros libertários fortaleciam-se, causavam apreensão e temor (BRASIL, 2007b).

Mas os quilombos nunca conseguiram um completo isolamento da sociedade escravista. Haviam perseguições repressivas aos quilombos, que duraram até a abolição da escravatura, em 1888. Eram comuns as expedições punitivas, enviadas para destruir os quilombos e recapturar os escravos. Novos problemas surgiram com o fim da escravidão, pois, muitos territórios quilombolas foram incorporados pelo governo e oligarquias. Um exemplo foi o ocorrido com as comunidades quilombolas de Oriximiná, no Pará, cujas terras, ricas em castanhais, onde os quilombolas viviam e retiravam o seu sustento, foram incorporadas. Com isso, as unidades familiares dos quilombos inseriram-se nas “relações de patronagem” com os “proprietários dos castanhais” (OLIVEIRA et al, 2010).

Conforme a prática de caráter privativista (do tipo compra, venda e arrenda) crescia e se firmava, os quilombolas entravam em uma relação de endividamento com os patrões, no exercício do extrativismo da castanha, o que contrastava com sua existência como camponeses. Surgiram diversos conflitos que culminaram com o rompimento das relações de patronagem, período que coincidiu com a descoberta de jazidas de bauxita gigantescas na região, levando a incorporação da Mineração Rio do Norte, na década de 1970, que acabou ocupando e adquirindo grandes áreas do município e dos quilombolas, gerando novos conflitos de interesse, que se estendeu nos anos seguintes com a criação da Reserva Biológica do Trombetas, em 1979, e da Floresta Nacional Saracá-Taquera, em 1989 (OLIVEIRA et al, 2010).

Com isso, as comunidades quilombolas se viram ameaçadas pela existência de um novo uso desigual de poder. Observa-se que a criação das unidades de conservação desconsiderou não apenas os direitos, mas a própria existência secular dos quilombolas nessas áreas, o que causou muitos prejuízos. Com isso, os quilombos da região estabeleceram entre si uma relação associativa para a ação política comum com base na autoidentificação étnica de “remanescentes de quilombos”, fundando a “Associação de Comunidades Remanescentes de Quilombos do Município de Oriximiná” (ARQMO), em 1989, para atuar em oposição aos interesses políticos e econômicos, na busca pelo reconhecimento e pelo direito às terras que ocupam por várias gerações (OLIVEIRA et al, 2010).

Segundo a Fundação Cultural Palmares (FCP), entidade vinculada ao Ministério da Cultura, existem, atualmente, 2.962 comunidades quilombolas credenciadas pela Fundação, no território brasileiro (FCP, 2017). Estas comunidades se encontram distribuídas em todo o território nacional, e apresentam alta endogenia, baixa imigração e cooperação com a diversidade ecológica, tudo isso com o acúmulo dos saberes adquiridos ao longo dos anos (ANDRADE, 2016).

Segundo publicação do Ministério da Educação (BRASIL, 2007b, p.3), os Quilombos Contemporâneos (também chamados de comunidades remanescentes de quilombos, terras de preto, terras de santo ou santíssimo) podem ser definidos como “comunidades negras rurais habitadas por descendentes de africanos escravizados, que mantêm laços de parentesco e vivem, em sua maioria, de culturas de subsistência, em terra doada, comprada ou ocupada secularmente pelo grupo”.

O termo “remanescente de quilombo” remete à noção de resíduo de algo que já se foi e de que sobraram apenas algumas lembranças. Os quilombolas utilizam este termo para designar um legado, uma herança cultural e material que lhes confere uma referência presencial quanto ao sentimento de ser e pertencer a um lugar e um grupo específico (OLIVEIRA et al, 2010).

Oliveira et al (2010) cita uma contextualização interessante deste tema, dada por O’Dwyer:

Contemporaneamente, portanto, o termo não se refere a resíduos ou resquícios arqueológicos de ocupação temporal ou de comprovação biológica. Também não se trata de grupos isolados ou de uma população estritamente homogênea. Da mesma forma, nem sempre foram constituídos a partir de movimentos insurrecionais ou rebelados, mas, sobretudo, consistem em grupos que desenvolveram práticas de resistência na manutenção e reprodução de seus modos de vida característicos num determinado lugar (O’DWYER, 2002, p.18).

O reconhecimento de um grupo como comunidade remanescente de quilombo é muito importante, em termos sociais e políticos, mas a certificação emitida pela Fundação Palmares não significa regularidade fundiária. Coube ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), através Decreto nº 4.887, de 2003, a competência, na esfera Federal, pela titulação dos territórios quilombolas. Ainda assim, esta Fundação cumpre um papel fundamental na

afirmação dos direitos especiais dessas comunidades, apoiando-as no

autorreconhecimento como afrodescendentes, além de muitas vezes favorecer o início de um processo de demarcação de território (ASSIS, 2016).

O Decreto nº 4887, de 20 de novembro de 2003, estabeleceu as normas para o procedimento de identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas pelos remanescentes das comunidades dos quilombos, cabendo ao INCRA a tarefa de coordenar o processo, com a participação direta dos titulares do direito (BRASIL, 2003; MAGALHÃES; SANTOS, 2015).

Muitos quilombos vivem uma situação indefinida, pois estas comunidades rurais negras são objetos de constantes invasões de terras por fazendeiros, pois, geralmente, seus ocupantes não possuem documentos comprobatórios de propriedade. Mas estas invasões correm até mesmo quando os possuem (BRASIL, 2007b).

A demarcação e titulação definitiva dos territórios quilombolas caminha lentamente, principalmente porque esses processos esbarram em obstáculos impostos por setores hegemônicos da sociedade, que possuem interesse nestas terras, para expansão de suas atividades, sejam elas produtivas ou não. E mesmo nos poucos casos em que ocorrem, essa conquista muitas vezes não é suficiente para manter ou ampliar o desenvolvimento socioeconômico das comunidades. Para isso, também são necessárias outras medidas como o financiamento de projetos, auxílios técnicos, incentivos à produção em bases sustentáveis, valorização cultural, entre outras medidas, isto é, que estas comunidades sejam inseridas em um planejamento de políticas públicas de longo prazo (SILVA, 2012).

Tanto a problemática das populações quilombolas, como da conservação da natureza, estão interligadas e deveriam estar inseridas no planejamento estratégico do país, através de uma vinculação entre os ministérios do Meio Ambiente, da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, do Desenvolvimento Agrário e da Cultura. Em geral, os problemas ambientais estão vinculados aos sociais e econômicos, portanto, torna-se fundamental a instituição de novos princípios de respeito às diferenças culturais, de gestão ambiental e de democracia participativa. É preciso uma nova racionalidade ambiental, que pressupõe uma também nova racionalidade produtiva, que inclua as camadas marginalizadas da sociedade (SILVA, 2012).

A proteção ambiental precisa ser tratada através de uma visão mais ampla, estratégica e política. Deve ser encarada como um investimento necessário não apenas para a preservação da natureza, mas principalmente como uma forma de desenvolvimento participativo e democrático, afinal, a intensa fragmentação dos

ambientes naturais, especialmente das florestas atlânticas, são questões preocupantes e que devem ter um tratamento urgente (SILVA, 2012).

No documento Universidade do Estado do Rio de Janeiro (páginas 79-83)