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2. Os Estudos atuais do rádio

2.1. O cenário do futuro do rádio, no passado não-muito-distante dos anos 2000

2.1.2. O Rádio Digital

A reflexão sobre as mudanças nos modelos de radiodifusão aberta acaba redundando, com o passar dos anos, na discussão sobre o modelo de radiodifusão sonora digital. Em dois capítulos de livros distintos, Nélia Del Bianco é esclarecedora ao falar sobre o momento difuso vivido na virada do século, em que possíveis recursos digitais eram considerados como fatos futuros.

[...]é possível prever que a introdução do rádio digital no Brasil irá condicionar, ou até mesmo aprofundar, algumas mudanças em curso experimentadas pelas grandes emissoras desde a implementação da FM e a consolidação das redes via satélite, entre elas: a) a profissionalização da programação com forte tendência à segmentação; b) a modernização dos métodos de gerenciamento; e c) a diversificação do negócio do rádio. (BIANCO, 2004, p.318)

Especialmente sobre a diversificação do negócio do rádio, somos obrigados a concordar que de previsão, isso passou a ser uma necessidade. A autora indica uma série de

possibilidades, como informação distribuída via imagens e textos escritos, além do sonoro, multiprogramação de conteúdo, etc.. A base da constatação da autora é a transformação do sinal sonoro em bits digitais: com a mudança do modelo de transmissão, é possível agregar outros serviços. Daí, ela discorre sobre o desaparecimento da audiência massiva e a diversificação da oferta de canais, desde que seja atendida a tríade legislação – radiodifusores – acessibilidade do consumidor (BIANCO, 2001, p.27-28). Os outros serviços, apesar da possibilidade, passariam a ser oferecidos? Para isso, seria necessário criar uma demanda por parte do público. Mas, com a crescente mobilidade do acesso à internet, qual a relevância destacada para esses serviços hoje, ligados a um aparelho receptor de rádio? Afinal, boa parte deles está cada vez mais difundida entre usuários de telefone celular. Dentre as inúmeras possibilidades da época, essa é justamente a que não foi cogitada em profundidade: a fusão completa do rádio dentro do ambiente de rede digital. Anos mais tarde, em artigo para o livro O novo rádio, a autora retoma o assunto,

Em um ambiente multimídia, os produtores terão de diversificar a forma de apresentação dos conteúdos e integrá-los a novos formatos de distribuição digitais, como celular e aparelhos MP3, entre outros. Ao conviver com outros serviços de áudio, terão de se integrar a cadeias de serviços de informação, entretenimento e comércio eletrônico, o que representará uma nova sinergia em busca de parcerias e alianças estratégicas com provedores de conteúdo, para desenvolver serviços complementares e agregar valor à programação do rádio. (BIANCO, 2010a: p.102)

A autora aponta ainda a necessidade de pensar em novas estruturas programáticas, o que se torna uma questão de sobrevivência do rádio digital frente à grande oferta de produtos sonoros (BIANCO, 2010a: p.104). A afirmação parece completar pensamento que encontramos em outro texto da autora, de certa forma contemporâneo a essas novas indagações, quando Bianco considera a viabilidade e necessidade da digitalização do sinal de radiodifusão sonora:

A resposta ao questionamento está no fato de que não digitalizar significa deixar de participar do código comum que é a base da convergência. Esse aspecto é um pouco diferente de estar presente em outros suportes. Indica ter em si os dispositivos tecnológicos que permitam abertura para a convergência com outros meios dentro da mesma linguagem e, de algum modo, apropriando-se das vantagens advindas dessa condição a exemplo da melhoria da qualidade de som, novos usos e funcionalidades para o aparelho receptor de rádio, incluindo dados associados que possam fornecer mais riqueza a programação. (BIANCO, 2010b, p. 561)

Nélia Del Bianco considera hoje que as dificuldades da definição do padrão digital devem redundar em políticas públicas que visem atender a maior parte dos atores

políticos envolvidos no processo de transição, a saber, governo, emissores, indústria de equipamentos, comunitários, sociedade civil10.

Ao falar sobre a migração para a radiodifusão digital, Kischinhevsky afirma que o processo levaria a grandes investimentos, e os pequenos atores seriam os primeiros a sofrer com a migração. Em primeiro lugar, devido a entraves políticos e econômicos, a quase certa digitalização do rádio tomará tempo para se tornar efetiva, apesar desse ser um caminho necessário. É claro que, em termos apenas de estruturas empresariais, há que se levar em consideração as mudanças que se desenham. No entanto, ao olhar para práticas e usos da audiência, parece natural também esperar uma adaptação dos serviços, para abarcar tanto os costumes seculares como outros que podem advir dessa mutação. Assim, parece mais plausível considerar desejável tal ambiente, ou mesmo outro em que se configurem usos complementares ao meio sonoro.

Outro ponto de importante reflexão é a aposta nos altos custos de implantação do sistema digital, o que eliminaria os atores de pequeno porte. No espaço de concorrência extrema, esse é o primeiro cenário que se desenha: é uma forma de atender ao lobby dos grandes empresários, indiretamente. Por outro lado, não podemos esquecer outros caminhos: talvez seja possível imaginar as grandes empresas direcionando os olhares para os novos espaços e deixando brechas onde os pequenos emissores e os comunitários se encaixarão. Afinal, são esses os que melhor dialogam com públicos restritos, uma vez que a tendência da grande empresa de comunicação é olhar para um grande retorno financeiro – mesmo em um hipotético cenário de segmentação extrema. Esses atores são muito relevantes quando pensamos que a oferta – de programação, conteúdos e serviços – deve ser diversificada no rádio digital especialmente para atrair ouvintes, derrubando a barreira do preço dos receptores. Como afirma Tome “[...] a atração de ouvintes-consumidores pode ser intensificada com a introdução de novos formatos de conteúdo – o qual, portanto, parece ser a principal alternativa para superar o intertravamento do custo versus escala.” (2010, pp.84-85). Seriam, provavelmente, esses pequenos atores os que poderiam oferecer novos formatos de conteúdo, ao lado dos investimentos pesados dos conglomerados de comunicação. Outros

10

Assim como a radiodifusão audiovisual digital, a radiodifusão sonora digital deverá manter os critérios de gratuidade a abrangência estipulados pela Legislação. Isso dificulta bastante a escolha de um padrão de rádio que, atendendo ao lobby dos radiodifusores, não signifique redistribuição de concessões. Um primeiro caminho fortemente cogitado, que levava à escolha do padrão norte-americano iBiquity, parece ter sido deixado de lado: no momento, o governo brasileiro olha com mais atenção para o padrão europeu DRM. Felizmente, parece ter entrado na conta também a questão dos pequenos emissores e as rádios comunitárias – que, mesmo com toda sua deficiência, cumprem papel importante no cenário da comunicação de massa brasileira hoje.

cenários de indústrias de conteúdo apontam para isso há algum tempo, e é inevitável olhar para os acontecimentos da Indústria Fonográfica como exemplo11.