• Nenhum resultado encontrado

Embora seja uma discussão em constante transformação e com uma natural perspectiva de continuidade nos próximos dias, meses ou anos, é importante relembrar que há contínuas divergências sobre o que é rádio ou não. Há diversas percepções, como constatado aqui, sobre o papel do rádio, enquanto tecnologia, plataforma, construção cultural ou linguagem. Para que o presente trabalho, que tem como o foco o jornalismo nas rádios on-line, se desenvolva, é necessário que tratemos aqui o que se entende como rádio. Essa abordagem é relevante ainda que parte dessas reflexões já tenham sido parcialmente feitas nas abordagens sobre convergência e mudança do rádio.

Dentro dessa lógica, cabe relembrar a reflexão que Kischinhevsky (2012) faz sobre o papel das tecnologias de informação na transformação do rádio. Lemos se pergunta se hoje falar em “rádio” não poderia ser entendido apenas como metáfora. “Será que podemos chamar de ‘rádio’ arquivos MP3, com formato de emissão radiofônica, gravados por qualquer pessoa e disponibilizados na internet por meio de blogs e sistemas RSS para transmiti-los a um grupo de assinantes? (LEMOS, 2005)”.

Kischinhevsky (2008) propõs considerar o rádio de forma ampla, tanto como meio de comunicação massivo, possibilitando transmissão e emissão de discursos, trilha

musical e efeitos sonoros que tenham sentido atribuído socialmente, seja por ondas hertzianas e/ou redes digitais, como satélite, cabo, telefonia móvel, etc, como um dispositivo técnico pelo qual os conteúdos de som podem ser recebidos (fontes, computadores, celulares) linearmente ou sob demanda.

Ferraretto (2007, p. 8) sugere ser “rádio aquilo ao qual o ouvinte atribui essa caracterização, aquilo que ele necessita, identifica e utiliza como tal”. As duas ideias são, de certa forma complementares e vêm sendo parte de uma soma maior na construção teórica. É crescente, entre autores brasileiros, a reafirmação do rádio também como linguagem, como aposta Kischinhevsky (2011, p. 8), é “uma linguagem comunicacional específica, que usa a voz (em especial na forma da fala), a música, os efeitos sonoros e o silêncio, independentemente do suporte tecnológico ao qual está vinculada”. No entanto, apenas essa combinação da linguagem poderia ser encontrada em outras plataformas.

No entanto, com o advento das tecnologias, novos formatos em áudio são designados como transmissão de rádio como as emissoras pessoais e podcast, lembra Prata (2009). Por rádio pessoal, assume-se aqui, a ideia da autora de serviços de escuta pessoal de música ou composição de playlists personalizadas. Hoje, são comuns esses serviços, e obrigam, inclusive a reconfiguração de rádios que baseavam toda, ou boa parte de sua programação, em listas. Serviços que emergem rapidamente e aumentam exponencialmente o número de usuários entregam listas personalizadas, sugestões de escuta de músicas, informações sobre artistas, novos repertórios e algoritmos que articulam a escuta de acordo com os acessos. Segundo dados recentes, o Spotify, maior serviço do gênero, conta com mais de 75 milhões de usuários, enquanto o segundo colocado, o Deezer, já soma mais de 20 milhões de usuários26.

Ao abordar esses novos serviços, tanto na característica quanto na perspectiva teórica e histórica, Bufarah Junior (2015, p. 12) lembra que

É importante registrar que nem todo áudio distribuído pela internet pode ser considerado rádio. Temos uma infinidade de serviços baseados em áudio, mas que operam como jukebox on-line. Embora muitas empresas tentem aproveitar referências como rádio X ou Y fm para tentar capturar os usuários. Importante destacar que a tecnologia não pode ser considerada boa ou má, mas seus usos que a definirão. Com isso, não devemos ver as possibilidades tecnológicas como adversárias que devem ser abatidas,

26 Disponível em: http://brasileconomico.ig.com.br/negocios/2015-06-29/servicos-de-streaming-de- musica-crescem-e-ganham-destaque-no-brasil.html. Acesso em: 15 out. 2015.

mas sim, tecnologias que precisam ser incorporadas aos cotidianos das empresas de comunicação.

Nair Prata (2009) afirmou em sua tese de doutorado que não podemos qualificar esses arquivos como uma emissora, mas como uma possibilidade de guardar e recuperar músicas. A ausência de interlocução, de proposição de comunicação que não se dê apenas por reatividade impede a configuração do que consideraríamos rádio.

Discussão semelhante, mas ainda mais profunda, se dá no debate sobre o podcasting como rádio ou não. Herschmann e Kischinhevsky refletem sobre essa plataforma e o impacto que ela tem, interpretando a inserção dela inclusive na quebra do oligopólio estabelecido entre as emissoras hertzianas, baseadas em um outro modelo de consumo de informação.

Podcasting representa inovações quanto ao processo comunicacional. Relativamente barato, exigindo apenas acesso à internet em banda larga, computadores pessoais comuns e equipamentos de gravação disponíveis em qualquer kit multimídia caseiro, o podcasting abala o oligopólio da produção radiofônica mantido pelas emissoras estabelecidas no dial por meio de concessões públicas. Agora, organizações não-governamentais, instituições de ensino, corporações, grupos políticos, religiosos e pessoas físicas em geral podem gerar conteúdos em mídia sonora para veiculação na rede mundial de computadores. E têm se dedicado a isso com afinco, buscando espetacularizar suas ações e, assim, obter visibilidade para agendas políticas, expressar visões de mundo ou, simplesmente, afirmar gostos pessoais. (KISCHINHEVSKY, 2009, p. 232).

Prata (2009, p. 77) acrescenta que “para ser rádio, falta ao podcast a essencial emissão no tempo real do ouvinte e da sociedade no qual está inserido”. Para a autora, é importante relembrar que o podcast não pode ser configurado como radiofonia. Deve ser entendido apenas “como uma moderna tecnologia em arquivo de áudio.... Baixar um podcast não significa, em hipótese alguma, ter uma emissora de rádio no computador, já que esta novidade tecnológica não pode ser definida desta forma” (PRATA, 2009, p. 78). Segundo Prata, o podcast é só uma possibilidade, embora possa ser encontrada no novo rádio, no que abordamos anteriormente como rádio expandido, ou fora dele.

Entende-se aqui que o podcast está entranhado na nova configuração do rádio, e embora seja assíncrono, se aproxima do rádio em várias instâncias. Embora entenda-se que seja, também, uma possibilidade, é uma ferramenta, um caminho para inovação em linguagem, em produto, em processo e até no contexto da definição os novos produtores de mídia

sonora. Como analisa Kischinhevsky (2009, p. 233):

O usufruto destas novas ferramentas forma uma teia de sociabilidades, por meio da qual a rede de relações de um indivíduo pode ser consideravelmente ampliada. Isso ocorre graças ao retorno de ouvintes-interagentes em relação aos conteúdos veiculados e também em função da divulgação de perfis em portais, diretórios e comunidades virtuais.

Embora ainda não haja levantamentos precisos sobre qual o consumo e produção de podcasts no Brasil ou mundo, já existem alguns dados que mostram o aumento da adesão a essa proposta. Um dos mais conhecidos do Brasil, o Nerdcast, contava, em 2013, com cerca de 300 mil downloads por programa27. Outro podcast, esse americano, o Serial, ficou conhecido mundialmente por repopularizar a ideia de contar histórias através de plataformas sonoras, após muito tempo decorrido da era de ouro do rádio, quando novelas e textos literários tinham espaço garantido. A narrativa, empreendida pela jornalista, Sarah Koenig, propõe relatar detalhes de uma investigação encerrada há muitos anos. O podcast contava, em 2014, com mais de 1,5 milhão de ouvintes28. Podemos estar falando do que será a grande aposta das mídias sonoras em um futuro de curto, médio ou longo prazo.

Ainda que não possamos, ao menos por ora neste trabalho, classificar o podcast como rádio, individualmente, não se pode menosprezar – e deve-se sempre levar em conta - a iconicidade do crescimento dessa plataforma enquanto se discute como sustentar o rádio tradicional em um novo contexto. Como diz Herreros (2007, p. 104):

Os audioblogs ou radioblogs e podcasts transformam o processo comunicativo. Se supera o modelo de hierarquização da rádio tradicional e o modelo paralelo ou de encontro da ciberradio e se dá o salto para um modelo em que o processo comunicativo cresce desde abaixo até acima29.

Os usuários dos podcasts podem inscrever-se para que os conteúdos, que vão se

27 Disponível em: http://revistagalileu.globo.com/Revista/noticia/2013/12/jovem-nerd.html. Acesso em: 15 out. 2015.

28 Disponível em: http://on.ig.com.br/som/2014-11-27/com-15-milhao-de-ouvintes-serial-e-o-podcast- mais-quente-do-momento.html. Acesso em: 15 out. 2015.

incorporando ao longo das diversas atualizações, cheguem até eles. Esta opção multiplica de forma enorme as possibilidades de crescimento dos podcast. A partir daí, tem-se o interesse de cada promotor dessa ferramenta para que se incremente o número de inscrições.

Essas definições convergem para o presente trabalho, que aborda o jornalismo em rádios on-line. O próprio universo dos podcasts e dos serviços de streaming ou rádio pessoais, customizáveis de acordo com os interesses dos usuários e por algoritmos que levam em conta os acessos e cliques, merecem uma análise muito mais fundamentada e, embora não sejam considerados por diferentes autores como radiodifusão, essa configuração pode mudar rapidamente. Como o objetivo do presente trabalho circula em torno das rádios on-line, é pertinente definir o que considerarmos rádio on-line nesse contexto do presente trabalho, e ele passa por emissão contínua ou assíncrona com comunicação, fazendo uso dos elementos citados antes, como música, fala, efeitos sonoros e silêncio, tendo na oralidade sua essência. Como destacado, anteriormente, rádio pode ser entendido, ainda, sob a ótica da tecnologia, história e linguagem, ou, de forma mais completa, como modalidade cultural (MEDITSCH, 2010).