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Rádio Mulher: A Voz Feminina Ecoando na Mata Sul

TABELA 3 FAMÍLIAS QUE DOMINAM A COMUNICAÇÃO NO BRASIL

3. A CONDIÇÃO FEMININA NA ZONA DA MATA SUL DE PERNAMBUCO

3.3. Rádio Mulher: A Voz Feminina Ecoando na Mata Sul

Veículo de comunicação imediato, o rádio se apresentava como ideal para o estabelecimento de uma comunicação direta e democrática entre o movimento feminista e a população de uma região onde, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 1995, quase 60% das mulheres eram analfabetas. Uma mídia de

fácil acesso e com poder de penetração em todas as instâncias sociais. Além disso, a mobilidade e a interatividade características do rádio permitiam que as mulheres acompanhassem a programação sem deixar suas atividades diárias, seja no espaço doméstico, seja no local de trabalho.

Com base nessas informações, os grupos de mulheres de Água Preta, Joaquim Nabuco, Catende e Palmares e o Centro das Mulheres do Cabo realizaram entre 1995 e 1997 cinco oficinas, envolvendo 60 mulheres dos municípios. Os encontros originaram um plano de comunicação com foco no rádio, cujo objetivo era estimular a troca de informações entre as mulheres e a divulgação dos seus direitos para a população. O projeto foi apresentado à Fundação MacArthur61, que aprovou a iniciativa e, em março de 1997, vai ao ar, pela primeira vez, o Rádio Mulher: um programa radiofônico do Centro das Mulheres do Cabo, produzido em parceria com os grupos de mulheres locais. Veiculado inicialmente pela Rádio Cultura dos Palmares (AM), aos sábados, o programa nasceu para difundir informações qualificadas sobre temas relacionados à saúde, aos direitos reprodutivos e à cidadania feminina.

O diferencial do Rádio Mulher, que permanece até hoje, é a resistência ao sexismo presente nas redações dos órgãos de imprensa, explicitado pela discreta participação de mulheres na direção de programas e cargos de decisão desses veículos62, o que é expressivamente combatido por Quevedo (1996), ao analisar o capítulo La Mulher y Los Medios de Difusíon, contido na Plataforma de Ação da IV Conferência Internacional da Mulher de Pequim (1995).

Produção, parte técnica, apresentação, locução, direção, tudo no Rádio Mulher é realizado por mulheres, entre as quais uma jornalista contratada pelo Centro das

Mulheres do Cabo e algumas líderes dos grupos emergentes da Zona da Mata Sul. Por causa dessa característica, o programa passou a integrar a Rede Brasileira de Mulheres no Rádio63, em 1999.

Ainda a partir daquele ano, o Rádio Mulher passa a ser exibido ao vivo, o que, de acordo com os relatórios técnicos do projeto, gerou maior empatia com o público, que se manifestou enviando cartas e recados para o programa. Antes da mudança, o Centro das Mulheres do Cabo promoveu uma série de oficinas de qualificação técnica e linguagem radiofônica com representantes dos grupos de mulheres da região. Além de fontes, elas passaram a ser produtoras do programa.

A participação das mulheres no rádio cada vez mais se intensificava e um salto maior foi dado em março de 2001, quando o Rádio Mulher estreou, por meio dos 100,9 MHz da rádio comercial Quilombo FM, em Palmares. Com uma hora de duração e três vezes por semana (segundas, terças e quintas, das 11h às 12h), o programa, no seu primeiro ano de exibição no novo formato, foi considerado um “fenômeno de público”.

Hoje, o Rádio Mulher64 vai ao ar de segunda a sexta-feira, das 11h ao meio-dia, e lidera a audiência da rádio no horário da manhã, atingindo 200 mil ouvintes de 50 municípios da Zona da Mata Sul de Pernambuco e de Alagoas. Mantém seu foco temático na divulgação de informações sobre saúde e é produzido e apresentado por três representantes de grupos de mulheres da Mata Sul, duas das quais moradoras de Água Preta e uma de Joaquim Nabuco.

62 Nos últimos anos, as redações absorveram mais mulheres. Em Pernambuco, há mulheres em cargos de

direção nos veículos, embora isso não implique dizer que elas tenham incorporado “o olhar que transforma”, nem que pautem suas práticas jornalísticas pela eqüidade de gênero.

63 Articulação que reúne mulheres de rádios comerciais e comunitárias em mais de dez Estados

brasileiros.

64 A partir de janeiro de 2005, uma versão do Rádio Mulher, produzida por uma jovem radialista e uma

jornalista do Centro das Mulheres, está indo ao ar diariamente, no Cabo de Santo Agostinho, das 9h às 10h da manhã, pela emissora comunitária Calheta FM, 105,9.

De acordo com uma pesquisa quantitativa realizada pela Promarketing, em 2002, o rádio aparece como o veículo de comunicação preferido por 65,48% dos 600 entrevistados residentes nas zonas urbana e rural dos municípios de Palmares, Joaquim Nabuco, Água Preta e Catende. A Rádio Quilombo FM65 foi considerada a mais ouvida por 49,92% dos pesquisados, seguida pela Cultura AM, com 31,3% da preferência.

O Rádio Mulher figura na pergunta aberta como o terceiro programa mais ouvido entre as 8h e as 22h. Mais de 55% dos entrevistados dos quatro municípios admitiram ouvi-lo. Vale salientar, ainda, que um dos resultados mais importantes do levantamento foi o impacto das mensagens do Rádio Mulher entre o público feminino: 64,58% das mulheres ouvidas disseram que uma informação divulgada pelo programa havia sido importante para sua vida. Entre os homens, 38,52% reconheceram a importância das notícias apresentadas pelo Rádio Mulher.

O programa tem um conselho, composto por dez representantes de organizações de mulheres de Palmares, Joaquim Nabuco e Água Preta e Catende, que tem a missão de analisar seus conteúdos veiculados, a linguagem e o formato. As conselheiras são a voz e os ouvidos do público. Coletam opiniões e sugestões em suas comunidades. O Rádio Mulher conta, ainda, com o suporte técnico de uma jornalista do Centro das Mulheres do Cabo, está inserido entre as linhas do programa de direitos reprodutivos e direitos sexuais dessa ONG e é apoiado pela Fundação Ford66 e pela agência de cooperação européia Intermón.

Além de informar a população quanto aos cuidados com a saúde, o Rádio Mulher chama atenção dos ouvintes para as desigualdades nas relações de gênero e convoca as mulheres para o exercício do controle social das políticas públicas. São

65 Emissora que transmite o Rádio Mulher desde março de 2001.

66 Fundação americana vinculada ao grupo americano de empresas Ford, que financia projetos sociais de

recorrentes, na sua linha editorial, assuntos como participação política feminina, cidadania, direitos reprodutivos e direitos sexuais e o enfrentamento da violência doméstica e sexual.

O Rádio Mulher segue alguns princípios e seus conteúdos são fundamentados na perspectiva feminista [...] com princípios que respeitam a pluralidade das pessoas [...]. A gente não banaliza a violência, o preconceituoso e o espetáculo da notícia. A gente tem uma preocupação em veicular informações bem qualificadas, bem apuradas e que atendam de fato à demanda do interesse social pelas transformações sociais. (Cristina Tavares)

O impacto do Rádio Mulher indica que as organizações de mulheres da Zona da Mata Sul, ao longo dos últimos anos, têm aprendido a dar maior notoriedade à causa que defendem. Entretanto, a conquista de um lugar de referência na comunicação local não foi fácil para o programa, que desde a fundação enfrentou preconceitos dentro e fora das emissoras onde foi apresentado. As mulheres ouvidas atestam que o respeito que o Rádio Mulher conquistou na Zona da Mata Sul advém de uma junção entre o profissionalismo da sua produção, a interlocução com os movimentos sociais e a penetração no público.

Agora a gente conseguiu uma evolução muito grande. Logo quando o programa começou a ser veiculado na rádio tinha muita dificuldade. Os locutores com preconceito com a gente e o diretor da rádio fechando o cerco com a gente. Tinha todo um motim. Depois, a gente foi mostrando força, levando a discussão para o campo político, deixando tudo claro no contrato. E hoje quando a gente fala qualquer coisa, eles dizem: “Amanhã já está pronto” [...]. O único programa que é feito só por mulheres é o nosso. E aí a gente chega na rádio e conversa com os outros locutores de lá e a gente passa coisas para eles que eles não sabem. E eles estão lá desde a fundação da rádio, há 15, 16 anos. (Felipa de Souza)