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3. COMUNICAÇÃO MEDIADA E RÁDIO DE FRONTEIRA

3.1 Rádio: sentidos e percepções

“O papel do rádio precisa ser analisado sob o ponto de vista do contexto da época em que está inserido” (HAUSSEN, 2004, p.52). No Brasil, o rádio teve seu auge na sociedade dos anos 40, quando o país vivia um processo de grande transformação, tornando-se de fato urbanizado e industrializado. Hoje, extrapola muito mais os seus limites, seguindo uma tendência impulsionada pelas mudanças da época. O país como um todo está impregnado de um comportamento emergente que conduz à abertura de mercados e fronteiras, mas também procura demarcar seu espaço e suas convicções no cenário político e econômico. Ao mesmo tempo em que quer a parceria, deseja a autonomia e a auto-suficiência em algum tipo de tecnologia ou produto, para ter poder de negociação.

A identidade do rádio na era eletrônica não se localiza mais na forma como é difundido, mas na especificidade de seu discurso sonoro, invisível, enunciado por diversos meios em tempo real (MEDITSCH, 1997). Se o rádio hoje ultrapassa fronteiras territoriais, além das ondas curtas, é porque o desenvolvimento tecnológico lhe permitiu e as concepções acerca do seu formato, seus propósitos e conceitos também foram se adequando ao contexto e às idéias. Por conseqüência, vemos proliferar o número de emissoras em todo o país com os mais diversos propósitos e características. No papel de donos de emissoras, temos desde empresários, líderes comunitários a políticos e religiosos. Haussen (2004, p.60) lembra que “nesses oitenta anos, o rádio sempre esteve presente em todas as manifestações da vida do País”. Acompanhou causas políticas e sociais, anunciou o início e o fim da Guerra, posses, renúncias e suicídios de presidentes, cobriu eleições e eventos, e traçou um panorama dos principais acontecimentos nacionais e internacionais. O rádio ganhou várias vozes e foi definindo novas funções conforme os contornos da sociedade.

Atualmente, além de ser um veículo de comunicação é uma empresa para os mais variados fins. Transmitir informação, música e entretenimento, evangelizar, veicular conteúdos de facções políticas, atender a interesses pessoais de seus proprietários, vender produtos, educar, promover formas de interação com os ouvintes, estimular a cidadania, enfim um leque de funções que extrapola os princípios da tradição radiofônica e dá uma idéia exata de sua reformulação.

Mas, no fundo, o rádio está construído sobre uma base muito profunda, encravada no terreno da sociedade, e que o manterá firme ainda por muito tempo: é o seu compromisso com o local e o quotidiano, a sua proximidade com o ouvinte e a capacidade de dialogar com ele. O rádio não existe sem o ouvinte. Se no jornalismo impresso dizem que o repórter é a alma da redação, a alma do rádio é o locutor na sua relação com o ouvinte. Mas nada disso se concretiza se o local não for acionado. Só que hoje, o local no rádio tem uma dimensão glocal, propiciado pelas novas tecnologias. Haussen (2004, p.61) afirma que “o novo panorama desenhado pelas possibilidades tecnológicas, como a internet, deve alterar a ecologia dos meios de comunicação, o que não significa o fim do rádio atual”. Também Meditsch (2001, p. 41), referindo-se às novas tecnologias, afirma que “para as próximas décadas [...] não são esperados grandes abalos na relação atualmente existente entre o rádio e seu público, ou pelo menos nada que se compare ao impacto causado com a chegada da televisão”.

Mesmo com a convergência dos meios e da internet, o rádio continua evidenciando suas principais qualidades como meio de comunicação, difusão e expressão e como tal, segundo Balsebre (2005, p.327) “tem duas metas importantes: a reconstituição e recriação do mundo real e a criação de um mundo imaginário e fantástico, produtor de sonhos para espectadores, perfeitamente despertos”. A linguagem do rádio não é apenas verbal, mas um conjunto de signos que têm expressão. Para que uma mensagem tenha eficácia no seu processo de recepção é necessário que haja equilíbrio entre informação estética e semântica, pois ambas representam, de forma abrangente e completa, a produção de significado e sua interpretação. Assim, quando estes elementos entram em cena, os sentidos do ouvinte são aguçados pelo rádio. Conforme Haye (2005, p. 349), “o rádio deve alimentar sua vocação de constituir-se em um meio de caráter multisensorial”.

A linguagem do rádio ultrapassa os limites do real porque recria a realidade para poder representá-la com mais veracidade: “A fala do locutor ao microfone é percebida pelo ouvinte

75 2005, p. 331). Essa identificação é fruto da familiaridade com o código e a associação de idéias produzidas pelos ouvintes. Mesmo que a linguagem no rádio seja uma representação da realidade, ela produz no ouvinte a sensação de estar vivendo aquilo que está ouvindo, como uma intensa e emocionante viagem que conduz ao real: Nesta direção de pensamento Ricardo Haye (2005, p. 353) completa: “O som radiofônico oferece a iconicidade acústica do mundo, desperta a evocação e leva ao reconhecimento da realidade” (HAYE, 2005, p.253).

O rádio utilizado nas campanhas políticas e ideológicas por Hitler, na Alemanha; Vargas, no Brasil; Mussolini, na Itália e Roosevelt, nos Estados Unidos, são alguns dos exemplos já nas primeiras décadas do século 20, de como a mídia pode ser utilizada para influenciar a sociedade. Aí reside uma idéia muito forte em relação ao papel dos meios de comunicação junto ao público. Considerando que há a possibilidade de exercer algum tipo de poder, não significa dizer que necessariamente há manipulação. Com as tecnologias da informação mais desenvolvidas, o público tem ao seu dispor um universo infinito de informações que pode buscar e trocar, interferindo nelas, transformando-as, adaptando-as a sua realidade. E o caráter dessas informações está ligado a dois elementos muito importantes: a liberdade de escolha e a capacidade de difusão das mensagens em tempo real.

Pela língua, que não se constitui apenas de um sistema de signos que serve à comunicação, o rádio produz efeitos de sentido. O tom de voz, o ritmo, as pausas, as entonações, a naturalidade da comunicação são os elementos determinantes na criação desses efeitos. O radio-ouvinte que ouve seu nome no outro lado do aparelho, supondo que milhares de pessoas podem estar na audiência ao mesmo tempo, sente-se valorizado, importante e querido, desde que o tema em torno de seu nome seja algo agradável. Brecht (2007) afirma que o rádio seria o mais admirável se deixasse de apenas emitir, mas também receber. Assim, o ouvinte não apenas escutaria, mas falaria; não ficaria isolado, mas presente numa relação. A missão do rádio é possibilitar o intercâmbio, não importa o seu formato, se AM, FM ou na web.

O rádio FM, por exemplo, a partir da década de 70, reproduziu um modelo de programação centrado na música-ambiente ou vitrolão. Logo depois adotou uma postura diferenciada definindo-se pelo estilo jovem, segmentando-se e conquistando esse público que finalmente vê no veículo um espaço para si como ouvinte e também como consumidor. As emissoras, para se remodelarem, fizeram investimentos em programação e ao mesmo tempo desenvolvem uma linguagem própria para o estilo FM, que instituiu também o modelo econômico em que o locutor é comunicador e operador de som ao mesmo tempo.

Hoje, as emissoras FM transmitem com qualidade e fidelidade não mais apenas música e informações curtas, mas todo o tipo de programa. Enquanto no princípio a marca do rádio FM era essencialmente a música, hoje dependendo do lugar onde está instalada, faz uma programação que vai do jornalismo à transmissão do futebol, além da música. Diríamos que, em muitos municípios que não contam com uma emissora AM, ela assume tal função, sendo geralmente uma emissora popular para agradar a gostos variados.

Nos anos 80 houve um verdadeiro “boom” do rádio FM no país, foi o período em que aconteceram mais concessões, contemplando cidades que antes não contavam com nenhuma emissora de rádio. Atualmente, essas emissoras buscam um público diferenciado e segmentado. Algumas delas chegaram a se especializar em jornalismo 24 horas. A maioria permanece ininterruptamente no ar, amparada pela tecnologia que substitui em boa parte da noite ou da madrugada a presença de um locutor. A programação, neste caso, é gerada por softwares que inclusive acionam a hora e a temperatura, além do conteúdo previamente programado.

Em muitas cidades, onde o dono da emissora AM também tem um canal de FM, está ocorrendo transmissão simultânea da programação, principalmente quando se trata de notícia e futebol, cujo conteúdo tem origem em emissoras de rede. A propósito, o início das emissoras em rede nacional se deu em 1989 com a implantação do Sistema Bandsat AM, possível por meio de um sistema de transmissão via satélite, em estéreo e com alta qualidade, da Empresa Brasileira de Telecomunicações, Embratel.

Quem observa há algum tempo as emissoras de rádio tem percebido que elas se aproximam no modo como formatam suas programações, ou seja, ambas estão segmentando- se mais em função do fluxo natural do mercado e do público que acaba impondo demandas. Portanto, as indicações são para não mais dividir rádios em AM e FM basicamente, mas em emissoras de caráter regional, estadual, nacional e local.

Segundo dados da Agência Nacional de Telecomunicações, Anatel, de agosto de 2007, o quadro de emissoras FM no Brasil constitui-se de 1455 licenciadas e 1206 aguardando licenciamento. Dentro da categoria FM enquadram-se as RadCom – de Radiodifusão Comunitária. O número de RadCom licenciadas chega a 2.466 contra 398 esperando licenciamento. O segmento das comunitárias desenvolve-se bastante em cidades do interior que ainda não contam com nenhuma emissora de rádio e também em centros urbanos de médio e grande porte, dando conta da informação voltada para bairros e pequenas

77 O rádio em cidades do interior se aproxima da realidade do rádio em regiões de fronteira, justamente pelo aspecto do trabalho específico com a notícia local, tendo o papel de articular ações nessa realidade.