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A influência da ideia de planejamento econômico demonstrou ter adquirido força no círculo do governo Vargas, o que certamente contribuiu para que o setor industrial reforçasse suas expectativas diante de uma atuação do Estado voltada para o beneficiamento direto e indireto da indústria. Com o suicídio do presidente Getúlio Vargas em 1954, o horizonte parecia pulverizar-se em um imenso vazio cujo futuro se lançara, pois, diante da forte comoção popular, até mesmo a oposição via-se em terreno movediço. A posse do vice-presidente João Café Filho como representante máximo do

249 TEIXEIRA, Francisco Lima Cruz; SOUSA, Sílvio Vanderlei Araújo. ―Desenvolvimento Regional e Aglomerações Produtivas na Bahia: uma visão a partir do emprego e dos territórios de identidade‖. BNB- ETENE, Revista Econômica do Nordeste, Documentos Técnico-Científicos. Fortaleza, vol.42, n.04, out- dez, 2011. No caso específico do economista sueco Gunnar Myrdal, a revista da CNI chegou a fazer uma análise do programa de desenvolvimento apresentado por Myrdal no livro An International Economy. Cf. Desenvolvimento & Conjuntura. O Problema do Desenvolvimento Econômico. Rio de Janeiro: CNI. out.,1957. p.83-85.

Executivo foi acompanhada pela redistribuição dos principais cargos administrativos, entregues agora às forças antigetulistas, representada, sobretudo, pela União Democrática Nacional (UDN).

Com o pleito presidencial confirmado para outubro de 1955, a oposição esperava obter a legitimidade do voto popular para comandar o país. O embate eleitoral contou com Juarez Távora, do Partido Democrata Cristão com o apoio maciço da UDN, e Adhemar de Barros, ex-governador de São Paulo pelo Partido Social Progressista. Do outro lado, a aliança entre o Partido Trabalhista Brasileiro e o Partido Social Democrático apostava no legado varguista para conquistar o apoio do eleitorado, lançando para isso a chapa composta pelo popular ex-governador de Minas Gerais, Juscelino Kubitscheck (JK), e, como vice, João Goulart, cuja imagem ainda remetia à popular medida de aumento de 100% do salário mínimo como ministro no governo Vargas.

Ao final, embora o pleito tenha sido ganho por Kubitscheck, que recebeu 36% dos votos, a UDN mobilizou-se para impedir a posse de JK, sob a alegação de que o candidato não atingira maioria dos votos. As manobras golpistas, que contaram com anuência de Café Filho e do presidente da Câmara dos Deputados, Carlos Luz, apenas foram definitivamente anuladas quando, já em janeiro de 1956, o Tribunal Superior Eleitoral proclamou como oficial a vitória eleitoral de Kubitscheck, realizando então seu empossamento.

Interessa-nos, nesse imbróglio político-partidário, o papel do empresariado industrial na luta pela posse de JK. Ora, tendo em vista esse cenário de crise que antecede a posse de Kubitscheck, reveste-se de significado a II Reunião Plenária da Indústria, realizada em Porto Alegre sob a organização da CNI, no ano de 1955, evento que produziu, como já visto no capítulo anterior, a Carta de Princípios da Indústria. Conforme ressaltou Maria Trevisan, o encontro realizado em novembro de 1955 pela CNI antecipava a posse de JK prevista para 31 de janeiro de 1956, visando formular ao novo governo da nação os pontos de vista da Indústria Nacional através da Carta de Princípios, documento que em resumo contém a política da Indústria Nacional.250 O comprometimento de Kubitscheck com as aspirações do empresariado industrial já havia se mostrado ao longo da campanha do político mineiro. Todavia, asseverar esse compromisso no momento de crise conferiu o apoio em definitivo da CNI à posse do

novo presidente eleito. O que estava, portanto, em jogo, era assegurar as condições que viriam possibilitar a implantação de indústrias de base, conforme foi pontuado na Carta de Princípios da Indústria, entregue a JK. Garantir a posse de Kubitscheck mostrou o meio de atingir esse fim. De acordo com Trevisan:

A legitimação do tema indústrias de base se inscreve, assim, no bojo de uma complexa ofensiva desencadeada pelo empresariado, no interior da qual se situa a intenção de criar as condições necessárias para a sua implementação. É nesse contexto que adquire significado a vitória da plataforma juscelinista e a mobilização imediata da elite industrial, procurando salvaguardá-la da crise política.251

A política econômica adotada no Governo Kubitscheck foi encarnada no ambicioso Plano de Metas, cujos esforços direcionavam-se no sentido de estabelecer em definitivo a integração da pirâmide industrial no país252. O ambiente, portanto, em que a CNI deu início à publicação da revista Desenvolvimento & Conjuntura, em 1957, não poderia ser de maiores expectativas. O Plano de Metas ofereceu uma resposta ao problema da economia brasileira, em vias de saturação do modelo de crescimento pela substituição das importações, partindo da percepção da necessidade de investimentos em cinco setores: energia, transportes, alimentação, indústria de base e educação – deve-se salientar que a previsão era de que somente os setores de energia, transportes e indústria de base consumissem 93,6% dos investimentos253. Carlos Lessa, em estudo sobre a política econômica no governo JK, argumenta que:

A conclusão do Plano de Metas, de certa forma, coincide com a finalização do longo processo de diversificação industrial atravessado pela economia brasileira no contexto do modelo de desenvolvimento por substituição das importações. A industrialização induzida pelo estrangulamento externo, que caracteriza o modelo, iniciada na depressão de 29, teve seu coroamento e sublimação na segunda metade do último decênio. Neste período, sob o esquema do Plano de Metas, foram superadas as anteriores taxas de crescimento da

251

Idem. p.64-65. Itálico do original.

252 Até a primeira metade dos anos 50, o Brasil contava apenas com indústrias de produção de bens não- duráveis e, embora uma parcela da produção de bens duráveis fosse realizada no Brasil, a dependência das importações nesse setor mostrava-se flagrante. A integração da pirâmide industrial visava relacionar a base industrial (indústrias de produção de bens de consumo não-duráveis), o setor industrial intermediário (departamento de consumo de bens duráveis) e o ápice da pirâmide (departamento de produção de bens e insumos básicos).

253 Cf. ORESTEIN, Luiz; SOCHACZEWSKI, Antônio Cláudio. In: ABREU, Marcelo de Paiva (Org.). A

Ordem do Progresso: cem anos de política econômica republicana 1889-1989. Rio de Janeiro: Campus,

economia. No período 57/61 o PIB cresceu 7,9% aa contra 5,2% aa no quinquênio precedente. Tal resultado decorreu do esforço concentrado de inversões na montagem de um sistema industrial integrado em termos verticais, onde se fizessem presentes, com peso, setores produtores de bens de capital e de insumos básicos. Se bem que esta estrutura industrial ainda apresente algumas desconexões, o principal foi realizado. Em termos qualitativos, o Brasil abre a década dos 60 com um perfil industrial de economia madura.254

Ora, enquanto o Plano atribuía prioridade à edificação dos estágios mais elevados da pirâmide industrial, nada se referia ao problema da péssima distribuição de renda no país e suas disparidades regionais. Receberiam investimentos diretos do governo os setores de energia e transportes, além de atividades da indústria básica voltadas para a siderurgia e o refino de petróleo. Incentivos foram concedidos visando a expansão e a diversificação do setor produtor de equipamentos e insumos.255 Ainda segundo Lessa, o sistema financeiro do país estava orientado basicamente para atender a uma economia mercantil, o que somado ao fato que o setor público era desprovido de meios eficazes de captação de recursos, poder-se-ia concluir que ―o financiamento do Plano implicaria a intensificação dos desequilíbrios já presentes no panorama econômico‖.256

A política econômica adotada a partir de 1956 certamente contou com os aplausos do empresariado industrial. Todavia, o tema do Nordeste, como problema a ser contemplado, persistia nos debates em torno do desenvolvimento econômico. A questão regional não tardou a entrar na agenda do governo JK e, dentre os grupos de pressão que reclamavam maior atenção ao tema, o empresariado industrial mostrou-se atuante.

O problema regional interpelou Kubitscheck ainda em sua campanha presidencial. Em agosto de 1955 o Recife sediou o Congresso de Salvação do Nordeste, planejado pela prefeitura da cidade e organizado e presidido pelo secretário geral da Comissão de Desenvolvimento Econômico de Pernambuco (CODEPE), Souza Barros.257 O Congresso, que se estendeu entre os dias 20 e 27 daquele mês, contou com

254 LESSA, Carlos. 1982. p.85. 255 Ibidem, p.28.

256 Idem. 257

A Comissão Organizadora e Executiva do evento contava ainda com Carlos Daniel Magalhães (deputado), Luiz Beltrão (jornalista), Arnaldo Maciel (deputado), Bartolomeu Nery da Fonseca (industriário), Miguel Arraes (deputado), Guimarães Sobrinho (vereador), Dias da Silva (vereador), Francisco Julião (deputado), Clodomir Morais (deputado), Inácio Mariano Valadares Filho (deputado), Maria Elisa Veigas de Medeiros (deputada), Sebastião Simões (sindicato dos químicos de Pernambuco),

dez comissões especializadas, distribuídas pelos temas: 1) energia elétrica, 2) secas, 3) terra, 4) indústria e comércio, 5) agricultura, 6) minérios, 7) transporte, 8) saúde, educação e cultura e 9) trabalho na cidade e no campo. O tema ―indústria e comércio‖ foi dividido em duas comissões, ambas presididas pelo industrial Bartolomeu Nery da Fonseca, que também representava o Departamento Técnico da Federação das Indústrias do Estado de Pernambuco, a FIEPE.

Ao final do evento foi elaborado o documento intitulado ―Carta de Salvação do Nordeste e Principais Pontos das Resoluções Finais‖ (conferir em Anexo ‗C‘), onde se apresentavam de forma sucinta as debilidades econômicas da região, como no trecho: ―As atividades industriais estão cada dia mais sufocadas. Falta-lhes adequado estímulo financeiro e tecnológico. O potencial hidrelétrico de Paulo Afonso ainda não proporciona os níveis de produtividade necessários ao desenvolvimento da Região.‖ O discurso materializado no documento busca apresentar-se não como oriundo de um lugar de fala vinculado ao interesse individual ou grupal, mas se busca legitimar no plano abstrato de uma ―consciência pública‖, a qual se teria formado em virtude das flagrantes condições que solapavam o Nordeste brasileiro: ―Tal consciência conduz à compreensão de que os problemas do Nordeste são problemas do Brasil e que ao governo Federal cabe a maior parcela de responsabilidade por sua solução.‖ Neste aspecto, a cobrança sobre o governo Federal possui ao menos dois diferentes sentidos. O primeiro, mais explícito, é que se tratava de um recado aos candidatos à presidência. O segundo demonstra que a reivindicação de uma política de intervenção regional não se fazia ―com o pires na mão‖ sob a imagem dos flagelos das secas. Deve-se salientar que o Congresso contou em sua Comissão de Honra com todos os governadores dos estados que compunham o Polígono das Secas, mas também se encontravam ali representantes do setor bancário e industrial. Não parece exagero, portanto, deduzir que aquela ―consciência pública‖ passava também pelas mentes destes últimos personagens. O Nordeste que se apresentou no documento, reclamando medidas urgentes, não era aquele entendido pelo DNOCS em seu afã de construir açudes e poços, mas um Nordeste cuja capacidade econômica latente deveria ser melhor aproveitada pelo capital privado, ampliando o mercado regional pela via da industrialização.

Paulo Cavalcanti (jornalista), Glauco Veiga (professor), Júlio Amaral (jornalista), Homero Salgado (sindicato dos ferroviários de Pernambuco) e Césio Regueira Costa (professor).

O Congresso de Salvação do Nordeste conclui pela necessidade inelutável de se eliminarem os entraves ao desenvolvimento regional. Assim, convoca o governo e a iniciativa privada, a substituir por empresas nacionais as concessionárias estrangeiras de serviços públicos, inequivocadamente incapazes de cumprir os seus encargos para com a coletividade.

Para incrementar a industrialização e obter o bem estar das populações regionais, o que só se tornará possível com a ampliação do mercado interno, outros entraves deverão ser afastadas, como os efeitos das secas periódicas e o regime da grande propriedade improdutiva.258

O Congresso de Salvação repercutiu no ano seguinte sobre I Congresso Nacional de Assembleias Legislativas, organizado em São Paulo. Na ocasião, a representação pernambucana apresentou a tese do deputado Barreto Guimarães, do Partido Social Trabalhista, intitulada ―O sentido nacional dos problemas do Nordeste brasileiro‖, a qual reforçava os argumentos já levantados na Carta de Salvação do Nordeste259.

A reverberação adquirida pelo tema regional ajuda a compreender a criação, em dezembro de 1956, do Grupo de Trabalho para o Desenvolvimento do Nordeste (GTDN), grupo que seria dirigido pelo BNB e manteria vínculos diretos com o Conselho de Desenvolvimento da Presidência da República.260 Com a inclusão do Nordeste como temática específica na agenda do governo federal, Kubitschek não apenas sinalizava positivamente aos reclamos, mas ampliava as expectativas em torno de uma industrialização mais expansiva à região, o que convergia, como já observado, com os interesses da CNI.

A segunda metade da década de 50, marcadamente o governo Kubitschek, se configurou como o período áureo do desenvolvimento econômico brasileiro, levando, como aponta a literatura, o adotado modelo de crescimento ao limite261. Entre 1956 e 1961, a taxa média de crescimento industrial atingiu o patamar de 11%262. Como se sabe, a implantação da indústria automobilística contribuiu fortemente com esse

258 Carta de Salvação do Nordeste. Recife, 1955.

259 GUIMARÃES, Barreto. O sentido nacional dos problemas do Nordeste brasileiro. Oficinas gráficas da Imprensa Oficial: Recife, 1956.

260 LISBOA, Josefa Bispo de. A Trajetória do Discurso do Desenvolvimento para o Nordeste: políticas públicas na (dis)simulação da esperança. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Geografia. Universidade Federal de Sergipe. Aracajú, 2007. p.121.

261 Cf. LESSA, Carlos 1982; IANNI, Octavio, 1977; ORESTEIN, Luiz; SOCHACZEWSKI, Antônio Cláudio. In: ABREU, Marcelo de Paiva, 1992;

percentual. Pois, além de salários e lucros para seus funcionários e acionistas, essa indústria alimentou uma cadeia produtiva que passava desde a indústria de base até a indústria de autopeças e a comercialização dos veículos. Diferente do segundo governo de Vargas, que preconizava uma industrialização marcadamente nacionalista, a política econômica adotada por Kubitschek alinhava uma industrialização forçada, impulsionada pelo Estado, o otimismo envolto na ideologia desenvolvimentista e a entrada em larga escala de capitais estrangeiros. Conforme bem salientou Bresser Pereira, durante a presidência de Kubitschek o governo se transformou, pela primeira vez na história do país, ―em um instrumento deliberado e efetivo do desenvolvimento industrial brasileiro.‖263

Conclui Pereira que a explicação básica, para o extraordinário desenvolvimento vivenciado no período, se encontra no estímulo proporcionado pelo governo à industrialização do país que, além de criar condições favoráveis aos investimentos privados nacionais e estrangeiros, ampliou os investimentos governamentais264.

Tendo em mente esse cenário político e econômico como pano de fundo, voltemos à revista Desenvolvimento & Conjuntura. Em editorial escrito para a edição de julho de 1957, começava o texto: ―A nação vive um período de acentuada expansão econômica: uma constelação de fatores favoráveis pôs em marcha forças econômicas e sociais que ampliaram aceleradamente a capacidade produtiva do país.‖265

O beneplácito ao governo federal, que responde por parte da responsabilidade sobre esses ―fatores favoráveis‖, aponta para sentidos que o texto apenas sutilmente sugere. Certamente o estreitamento de relações e projetos entre indústria e governo nunca atingira grau tão elevado, como demonstra a solenidade de posse do mineiro Lídio Lunardi na presidência da CNI, em dezembro de 1956. A sessão foi presidida pelo próprio Juscelino Kubitschek e contou com representantes do Legislativo e do Judiciário, como o presidente da Câmara dos Deputados, Ulisses Guimarães, e o presidente do Tribunal Superior Eleitoral, ministro Luiz Galloti.266 Essa relação afinada

263

Ibidem, p.48. 264 Ibidem, p.50.

265 Desenvolvimento & Conjuntura. Editorial. Rio de Janeiro: CNI, jul.1957. p.05.

266 Diário Oficial da União (D.O.U). ―Noticiário‖.04 de dezembro de 1956. Durante sua fala, o presidente Kubitschek justificou sua presença: ―O governo da República precisa estar sempre presente a todos os movimentos que, como este, visam ao aprimoramento de uma instituição que tem por finalidade desenvolver a indústria no Brasil‖. OLIVEIRA, Juscelino Kubitschek de. Discurso no Ato de Posse do Sr

Lídio Lunardi na Presidência da Confederação Nacional da Indústria. Rio de Janeiro, 04 de dezembro de

1956. Presidência da República, Coordenação-Geral de Documentação e Informações, Biblioteca da Presidência da República.

entre governo e CNI não poderia ser mais alvissareira ao empresariado industrial. O projeto de nação fomentado pela CNI, e verbalizado na Carta de Princípios da Indústria (1955), no qual a ideia de desenvolvimento pretendia modificar as estruturas de reprodução do capital em função das necessidades da indústria nacional, parecia finalmente receber acolhida nas diretrizes da política econômica do Catete. Desse modo, o editorial de Desenvolvimento & Conjuntura continua o texto:

A estrutura econômica sofre modificações fundamentais: o setor industrial adquire importância crescente dentro do sistema e pôde absolver parcela apreciável de trabalhadores agrícolas de baixa produtividade, percebendo remuneração insuficiente, para transformá-los numa força de trabalho com elevado rendimento produtivo, dotada de padrão de vida urbano mais satisfatório. Males endêmicos foram extirpados em extensas áreas do território nacional e as oportunidades de educação sofreram auspicioso processo de democratização. Aumento continuado na disponibilidade de mercadorias e serviços, acompanhada de adaptações e transformações estruturais, eis o fenômeno de desenvolvimento econômico.267

Trata-se, esta edição, do primeiro número da revista da CNI, revestindo-se de importância por situar o discurso da entidade industrial no panorama político e econômico. Mais que isso, seu editorial definiu a linha mestra da orientação ideológica a ser seguida pelo periódico, iniciando o texto com o sugestivo título Bases de uma política para o desenvolvimento. Após uma breve apresentação, na qual foi apresentado o corpo técnico da revista (conferir Anexo ‗A‘), o texto foi subdividido em sete tópicos. Cabe-nos pontuar a perspectiva dos editores do periódico para, mais à frente, compreender no plano diacrônico os possíveis sentidos dos discursos presentes na revista.

I) A razão do desenvolvimento. Responde-se aqui por que o empenho sobre o desenvolvimento econômico deve ser prioridade nacional e também a quem cabe pensar esse caminho. Argumenta o texto que parte da população esclarecida do país ainda não dava a devida ênfase à tarefa do desenvolvimento econômico, alegando esta a existência de outros valores mais prioritários. Entretanto, traz o editorial, focar o desenvolvimento justifica-se por considerá-lo condição necessária para atingir condições mais humanas a maior parcela da população. Desse modo, ―intensifica-se o empenho das mais responsáveis elites na formulação acabada de um conjunto consistente de diretrizes

econômicas, em bases democráticas, que se traduzam em realizar os anseios das mais diversas coletividades nacionais.‖.268

Partindo de um auto-reconhecimento da revista Desenvolvimento & Conjuntura como materialização do pensamento da ‗elite responsável‘, conclui então o texto que ―A transição para a maturidade cultural demanda a implantação de estrutura econômica adequada. Eis a razão do desenvolvimento econômico‖.269

II) A conceituação do desenvolvimento. Desenvolvimento não significa aumento real na renda por habitante. Pois, se a renda nas regiões subdesenvolvidas cresce no mesmo ritmo ou inferior aquela das regiões industrializadas, alarga-se o hiato que separa as duas regiões. O desenvolvimento buscado é o crescimento da produção de riquezas em uma escala superior aquela gerada nas regiões desenvolvidas, capacitando a redução, e em futuro mais distante a anulação, das desigualdades econômicas entre regiões industrializadas e não-industrializadas.

III) A determinação da estrutura econômica adequada. Para atingir a meta do desenvolvimento, isto é, o crescimento continuado da renda real em nível acima daquele vigorado nas economias maduras, deve-se escolher previamente qual base produtiva parece mais viável a esse fim – explanação das atividades primárias ou industrialização. a) Atividade primária? A defesa do setor primário em detrimento à industrialização, de acordo com o texto, valia-se como argumento apenas aos beneficiados pela divisão internacional do trabalho. A teoria das vantagens comparativas (cada região deve concentrar a produção onde detém maiores vantagens em relação ao demais, fruto da geografia, da história, das instituições) é rechaçada diante de argumentos inspirados no instrumental cepalino. A inconveniência do exclusivismo primário, aponta a revista, mostra-se pela inexistência de um equivalente no poder de troca entre as regiões capaz de distribuir satisfatoriamente a riqueza mundial. No entanto,

às exportações primárias cabe o papel básico de provedora de divisas destinadas à compra dos bens de capital exigido pela industrialização. Esta, por seu turno, requer o incremento da produção agrícola, sem o qual seria impossível alimentar e vestir os núcleos urbanos que se aglomeram e expande em torno das fábricas.270

268 Ibidem, p.07. 269 Idem. 270 Ibidem, p.09.

b) Industrialização. Neste item, busca-se contrapor a afirmação de que o baixo poder aquisitivo do brasileiro, por isso fraca demanda, tornaria inviável a instalação de indústrias. As dimensões do mercado, traz a revista da CNI, estão determinadas