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I. VOZ DA AUTORA

2.4. Raízes de Maragogipinho

Maragogipinho é um distrito do município de Aratuípe, antigo aldeamento de Santo Antônio, organizado no século XVI para catequese dos índios. Atualmente, é considerado pela UNESCO como um dos maiores centros de produção artesanal de cerâmica da América Latina. O povoado não é muito distante de Salvador: 225 km pela BR 101, ou 71 km atravessando de ferry boat pela ilha de Itaparica.

Maragogipinho localiza-se próximo à Nazaré das Farinhas, cidade com a qual se comunica intensamente por via fluvial ou terrestre. Nos arredores, o cultivo da mandioca é abundante para a fabricação de farinha e seus derivados. A povoação iniciou-se à beira de um braço do rio Jaguaripe, oà ioà Ma agogipi ho , que conserva aspecto nativo, onde correm pequenos e serpenteantes cursosàd gua, beirados pelo mangue e pela mata. O lugar preserva características tipicamente rurais. Arruados irregulares, alguns já com calçamento, convergem para o largo da Igreja Matriz Nossa Senhora da Conceição, construída no ponto mais alto do

terreno no ano de 1710 e reformada em 1930. A maioria dos seus 3000 habitantes, segundo dados de 2010, vive do trabalho com o barro.

As vozes das crianças se fazem escutar junto com o insistente canto dos galos e o latido dos cachorros. Por onde se anda, veem-se vestígios da atividade cerâmica. Nas praças, em frente das olarias e das casas, mulheres dão polimento e realizam a pintura de peças de barro, antigos hábitos que ainda perduram no século XXI.

Segundo o oleiro Nelinho Mota, a atividade cerâmica começou no século XVIII inicialmente em Jaguaripe, pequena cidade próxima, fundada pelos jesuítas, à beira do rio Jaguaripe:

Dizem... Não tem uma historia real aqui, mas dizem que a origem da cerâmica vem dos jesuítas. Quando os jesuítas vieram para cá, já existiam os índios. Aqui era um lugar que tinha índios, tanto que há um lugarejo aqui em cima que se chama Santo Antônio dos Índios, lá tem uma igreja bem antiga, só em ruínas. Dizem que este trabalho não era diretamente daqui, não nasceu aqui, foi mais abaixo, em Jaguaripe, é uma cidadezinha histórica. Dizem que o trabalho com barro começou lá e terminou vindo para aqui.

Em crônicas do século XVIII, se encontram depoimentos sobre a importância da atividade oleira em Maragogipinho. Todas as evidências levam a acreditar que algumas das povoações existentes no Vale do Rio Jaguaripe são bem antigas, eram aldeias onde populações indígenas uniram-se a remanescentes de quilombos, na busca de condições favoráveis para a sobrevivência. Os índios já produziam a cerâmica na sua atividade cotidiana (Coimbra, 1980, p. 131).

Pereira (1957a, p. 12) afirma que os colonizadores, ao fundarem as primeiras olarias no Brasil, nada de novo trouxeram para a terra. A tradição de trabalho no barro já se encontrava firmada entre os indígenas muito antes de os portugueses aqui chegarem. Quando os jesuítas, movidos pela necessidade de provimento de louças, tijolos e telhas, começaram a instalar olarias junto aos colégios, empregaram, em larga escala, a mão de obra indígena, trabalhadores já familiarizados com as artes do barro e capazes de oferecer muito de si nesse ofício.

Nos engenhos de açúcar, a olaria também exercia uma função respeitável. André Antonil, em escritos de 1711, comenta essa importância:

Ter olaria no engenho, uns dizem, que escusa maiores gastos, porque sempre no engenho há necessidade de fôrmas, tijolo e telha. Porém, outros entendem o contrário, porque a fornalha da olaria gasta muita lenha de armar, e muita de caldear, e a de caldear há de ser de mangues, os quais tirados são a destruição do marisco, que é o remédio dos negros. (...) Tendo, porém, o senhor de engenho muita gente, lenha e mangues para mariscar de sobejo, poderá também ter olaria, e servirá esta oficina para grandeza, utilidade e comodidade do engenho (Antonil, 1997, p. 131).

No caso de Maragogipinho, juntaram-se à população local os descendentes dos imigrantes da península ibérica, ceramistas que possuíam indústria de louças e tijolos na vizinha cidade de Jaguaripe e entraram em decadência por conta de, entre outros fatores, problemas com o fisco. Foi em Maragogipinho que se confeccionou a louça artística e utilitária que a população da monocultura açucareira consumia.

Desse modo, a atividade oleira em Maragogipinho é bastante antiga e arraigada. Em 1888, Durval Vieira de Aguiar elogia a produção artística da comunidade e a descreve com uma nuança de prosperidade:

Descendo-se o rio, desde Nazaré, encontra-se à direita o canal que conduz ao Rioà d áldeia,à eà a tes,à aà i dust iosaà po oaç oà deà Maragogipinho, cheia de olarias, onde se fabricam as melhores vasinhas de barro de nosso mercado, como sejam: potes, talhas, bilhas, moringas, quartinhas, copos, panelas, caborés, etc., etc., especialmente as talhas de encomenda, pintadas e esculpidas, que são verdadeiros primores de arte. Escusa dizer que esse vasilhame, não vidrado, nos faculta as melhores resfriadeiras naturais até hoje conhecidas (Aguiar, apud Pereira, 1957a, p. 58).

A influência portuguesa na cerâmica faz-se notar já em fins do século XVII e início do XVIII, na introdução do torno ou a roda de oleiro, bem como do forno coberto, queimado à lenha, processos no tratamento do barro que se

estabeleceram e permanecem até os dias de hoje em Maragogipinho.

A pintura com tauá, argila fina de coloração avermelhada, e o grafismo das peças com tabatinga, argila branca, em que predominam motivos da natureza, remetem a culturas indígenas e representam a marca de distinção da cerâmica de Maragogipinho.

A água encanada, assim como outros avanços industriais e tecnológicos causaram profundas transformações à produção de arte cerâmica em Maragogipinho. Hoje em

Tabatinga em pó

dia, a técnica de pintura predominante é a realizada a frio, com tinta acrílica colorida. Além das peças utilitárias e religiosas, há representações de animais como o porco, que é fartamente produzido, em múltiplos tamanhos e cores.

O porco-cofre, o boi-bilha (bilha em forma de boi) e a baiana (moringa em forma de mulher) tornaram-se objetos emblemáticos da cerâmica de Maragogipinho.

Cipriano Algor só se lembrou das duas ameaças, a certa e a latente, quando varria o forno, é o que têm de bom as associações de ideias, umas vão puxando pelas outras, de carreirinha, a habilidade está em não deixar perder o fio da meada, em compreender que um caco no chão não é apenas o seu presente de caco no chão, é também o seu passado de quando o não era, é também o seu futuro de não saber o que virá a ser.

Maragogipinho em meados de 1970

III. Clamores do tempo: história dos ofícios

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