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“Uma coisa que não está 3

acontecendo é o desaparecimento 4

das fronteiras. Ao contrário, elas 5

parecem ser erguidas em cada 6

nova esquina de cada bairro 7

decadente de nosso mundo.” 8

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Jonathan Friedman

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De modo geral, ainda que seja possível construir uma relação enorme de

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razões para caracterizar as transformações pelas quais tem passado o mundo

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contemporâneo, três podem ser consideradas as mais importantes, as quais inclusive

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rompem diretamente com os princípios estruturados da modernidade mencionados na

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sessão anterior (Cf. Kumar, 1988) e, além disso, algumas delas têm-se tornado ainda mais

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presentes a partir dos desdobramentos ocorridos no recente embate entre Ocidente e

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Oriente, no qual a “a nação americana” configura-se, mais uma vez, como protagonista.

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Inicialmente, é possível identificar certas conseqüências não previstas

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derivadas do processo de colonização que se instalou mais fervorosamente com a era

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imperialista, produto do “princípio da expansão” do qual nos falou Krishan Kumar. De

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fato, Octavio Ianni ressalta importantes mudanças pelas quais passou o “processo

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colonizador” ao longo do século XX (Cf. Ianni, 1996). A princípio, verifica-se a

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hegemonia européia na Ásia e na África, não se podendo fazer frente, em nenhuma

hipótese, à superioridade dos europeus; contudo, pouco mais de sessenta anos depois,

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especialmente no período que compreende os de 1945 e 1960, período do Pós-Guerra,

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cerca de quarenta países revoltaram-se contra o colonialismo e obtiveram a sua

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independência, ou seja, de modo sucinto, pode-se dizer que:

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“O sistema colonial euro-americano entrou em colapso, de súbito e de

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modo completo, no curtíssimo período de mais ou menos um terço de

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século. Isso começou com o sucesso dos movimentos de

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descolonização no final das décadas de quarenta e cinqüenta, em que

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primeiro a Índia, depois a China foram libertadas do regime colonial

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direto ou indireto. Ao longo da década de cinqüenta, a maioria das

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colônias européias da África lutava pela libertação. Em 1959, Cuba

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derrubou o regime americano e, no final dos anos sessenta, a maior

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parte do Caribe, da Ásia e da África estava livre do controle político

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europeu, ainda que muitos tenham continuado a manter relações

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econômicas com o Ocidente. Ademais, a derrota dos americanos no

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Vietnã assinalou o mais impressionante evento de descolonização dos

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anos setenta. Mas a derrota similar da URSS no Afeganistão pouco

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depois foi, embora menos ruidosa, mais importante, visto que o

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fracasso soviético nessa guerra colonial exauriu o moral e o capital de

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um sistema soviético já combalido. Eis um exemplo notável em que o

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fracasso em colonizar levou diretamente a um colapso do próprio

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regime colonizador” (Lemert, 2000, pp. 54-55).

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Neste sentido, parece derivar daí a idéia de que os anos de 1990 não

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trouxeram apenas o fim da chamada Guerra Fria, mas sim trouxe conseqüências ainda

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mais profundas a partir do rompimento com princípios, valores e normas que, de certo

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modo, alicerçam a própria modernidade. Contudo, o que de fato é tratado como o mais

importante é que a história do regime colonial, da qual o Brasil é um dos grandes

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protagonistas “colonizados”, na América Latina, iniciado meio milênio antes, no começo

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da década de 1490, chegava então ao fim, ao menos como sistema político formal do

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mundo. Ou seja, o fim da própria Guerra Fria e o colapso do regime soviético findou a

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própria “Instituição Colonização”, destruindo a “base” econômica da modernidade e

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trazendo à baila a necessidade de rediscussão de princípios como, por exemplo, a idéia de

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universalismo, haja vista que o fim do processo de colonização implica não apenas

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desagregação política e econômica, mas é acompanhado de diversas outras implicações,

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especialmente, sociais e culturais.

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Um segundo aspecto a ser ressaltado nesse processo de transição entre épocas

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diz respeito ao fato de que sempre foi possível indicar um único “centro imperial” no

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mundo, na maioria das vezes incomparável, tanto em termos econômicos e políticos

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quanto culturais, mas não nos dias de hoje. Ora, no mundo moderno, tivemos as potências

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ibéricas no XVI, o holandeses no XVII, os britânicos no XIX e, por volta da metade do

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século XX, os Estados Unidos da América. Contudo, é possível argumentar no sentido de

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essa hegemonia é questionável. Por um lado, alguns podem argumentar a defesa de que

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eles constituem o “centro do mundo”, remetendo-se aos critérios clássicos como, por

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exemplo, à sua superioridade econômica e ao seu poderio militar. Por outro lado, há

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ressalvas relativas aos dois argumentos, as quais derivam, primeiro, dos acontecimentos

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posteriores à “derrota do comunismo”, nos anos 1990 e, segundo, mais recentemente, a

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fatos sociais importantes, como os de “11 de setembro de 2001”, têm ratificado a sua

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fragilidade. Senão vejamos:

“Os Estados Unidos ainda são a maior economia capitalista do mundo

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em volume, e seu poderio militar não tem rival. Mas que poder restrito

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é esse! O tamanho de sua economia é limitado por suas dívidas

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econômica e social – dívidas tão graves que ninguém sabe bem como

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liquidá-las. Pouco depois da virada do milênio, é provável que o Japão

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ultrapasse os EUA em termos de PIB. No entanto, é verdade, nenhuma

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outra nação se equipara aos americanos em poderio militar. Mas de

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que serve essa sofisticação tecnológica em guerras como a travada

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contra o Iraque, em que depois o Kuwait foi ‘libertado’, mas o

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verdadeiro alvo, Sadam Hussein, permaneceu seguro no poder ? E o

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que pode fazer num mundo em que um monte de estrume tratado

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quimicamente é suficiente para destruir um prédio federal em

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Oklahoma?” 26 (Lemert, 2000, p. 55).

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Ou seja, é possível insistir, atualmente, de que não é possível crer que o futuro

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do sistema capitalista encontre-se vinculado ao destino de apenas uma nação

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modernizante. Nos dias de hoje há a ausência no mundo do centro que na economia

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mundial moderna era aquele baseado na colonização, ou seja, o sistema em que Estados

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centrais administravam a política mundial extraindo e explorando recursos naturais e

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humanos e, mais, definindo a idoneidade de determinadas condutas, especialmente as

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derivadas da Europa.

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Por fim, talvez a mais importante das razões sugeridas, haja vista que se

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encontra de forma intrínseca associada à emergência e a ressurgência de problemas raciais

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26Creio ser interessante ressaltar que essas observações foram realizadas há pelo menos um ano de os

Estados Unidos serem, mais uma vez, vítimas de um “atentado terrorista”, sendo o alvo dessa vez o complexo econômico situado na cidade de Nova York denominado de World Trade Center.

vinculados a nacionalismos e localismos que, inevitavelmente, permeiam cotidianamente

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a vida das pessoas. Ou seja, concomitante aos movimentos de descolonização vistos

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especialmente na segunda metade do século XX, identifica-se nesse período uma

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crescente oposição à própria idéia de um mundo cultural “unificado” e “universal”,

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baseado em valores e em uma ordem social euroamericanos, ordem essa protótipo do

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pensamento originário da modernidade. Neste sentido, a cultura presuntiva com base na

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qual os centros euroamericanos construíram sucessiva e coletivamente princípios

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interpretativos para explicar a dinâmica mundial (vide as teorias antropológicas de fins do

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século XIX inspiradas especialmente no evolucionismo darwiniano) chega a um ponto de

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colapso e de incertezas:

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“O paradoxo está em que a desagregação dos blocos geopolíticos,

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formados com a Segunda grande guerra mundial e a guerra fria, em

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conjugação com o desenvolvimento intensivo e extensivo do

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capitalismo pelo mundo, está promovendo a ressurgência da questão

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nacional. Quando se debilitam os estados nacionais preexistentes, que

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pareciam sólidos e consolidados, logo ocorrem ressurgências de

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nacionalismos, provincianismos, localismos, fundamentalismos,

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etnicismos e racismos. Juntamente com o vasto processo de

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globalização, desenvolve-se o de fragmentação. Ao mesmo tempo que

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se criam outras injunções e outros horizontes, em termos de

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transnacionalismo e cosmopolitismo, criam-se outras injunções e

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outros horizontes em termos de localismo, nacionalismo, racismo,

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fundamentalismos (Ianni, 1996, p. 12).

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De modo geral, as conseqüências destas transformações podem ser

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sintetizadas do seguinte modo. Atualmente, assistimos ao surgimento de novos espaços

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localizados de identificação política nas sociedades ocidentais; não raro noticia-se a (re)

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emergência de movimentos sociais nas nações norte-americanas e européias que

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expressam a ressurgência de solidariedades étnicas em oposição a nacionalidades, como

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base primária de identificação e de sentimentos comunitários; além disso, o ressurgimento

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de culturas tradicionalistas como base para a oposição às culturas “modernas”

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euroamericanas na forma de fundamentalismos religiosos é hodiernamente percebida.

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O que parece se evidenciar nesse processo é a suposta autenticidade do local

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contra a artificialidade do universalismo cosmopolita historicamente associado à cultura

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européia e à constituição de nacionalidades no continente europeu. Trata-se, de certo

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modo, do fenômeno da “reafirmação de particularidades” (Cf. Weber, 1992), fenômeno

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que expõe a tensão que marca o que a literatura analisada denomina de “mundo moderno”

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e que é o alicerce de todas as suas instituições, inclusive da própria ciência: a tensão

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existente entre razão e cultura (Cf. Estramiana, 1995). Entretanto, é necessário ressaltar

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que não se trata de uma “nostalgia da comunidade” no sentido colocado por Nisbet

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(1973); as conseqüências das transformações impingidas aos fundamentos da

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modernidade vistas acima geram implicações mais dinâmicas à história de uma nação e às

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interpretações que a ela são associadas ao longo do tempo. Ou seja, na verdade, este

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trabalho não tem uma preocupação específica em entender todas essas transformações

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contemporâneas, mas sim demonstrar como os seus efeitos sobre a história e sobre a

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própria teoria que a construiu também são afetadas, de tal modo que a própria constituição

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do que se entende por “modernidade” é transformada.

Neste sentido, o que se deve extrair dessa seção é que o fim do século XX

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parece nos apresentar a necessidade de se perceber a nova “lógica social” que surgiu a

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partir de um certo o “colapso dos fundamentos” que alicerçavam a vida humana e o

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pensamento social sobre ela, ou seja, “racionalidade”, “individualismo”, a idéia de

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“expansão” (globalização), “diferenciação social” etc., parecem ser categorias que devem

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ser pensadas, nos dias de hoje, a partir de princípios hermenêuticos, reflexivos e críticos,

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haja vista que agora nos é possível construir uma nova interpretação de nossa própria

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história, não apenas do ponto de vista dos conteúdos que a eles eram atribuídos de modo

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quase “divino”, mas sim também é possível pensá-los a partir de suas conseqüências,

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retornando a ela já envoltos em uma perspectiva crítica que possa extrair dela, a partir do

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“encontro” entre horizontes, novos conteúdos que, conseqüentemente, forjam uma

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“estrutura” interpretativa inovadora da realidade social, em particular a realidade nacional

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brasileira, haja vista que esse é o objeto de estudo específico deste trabalho.

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PARTE II :

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TEORIA SOCIAL, NAÇÃO, NACIONALIDADE E