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Nação, raça e miscigenação no Brasil moderno : uma análise hermenêutica dos ensaístas da formação da nacionalidade brasileira, 1888-1928

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(1)1 2. UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO. 3. CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS. 4. PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SOCIOLOGIA. 5. DOUTORADO EM SOCIOLOGIA. 6 7 8 9 10. Tese de Doutorado. 11 12 13 14. Nação, raça e miscigenação no Brasil moderno:. 15. uma análise hermenêutica dos Ensaístas da formação da. 16. nacionalidade brasileira, 1888-1928. 17 18 19 20. JEAN CARLO DE CARVALHO COSTA. 21 22 23 24 25. Recife, Agosto de 2003.

(2) 2 1. JEAN CARLO DE CARVALHO COSTA. 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15. Nação, raça e miscigenação no Brasil moderno:. 16. uma análise hermenêutica dos Ensaístas da formação da. 17. nacionalidade brasileira, 1888-1928. 18 19 20 21 22. Tese apresentada ao programa de. 23. Pós-graduação. 24. Universidade Federal de Pernambuco, sob a. 25. orientação da Professora Drª Silke Weber,. 26. para a obtenção do título de. 27. Sociologia.. 28 29 30 31 32 33 34 35 36. em. Recife, Agosto de 2003. Sociologia. da. Doutor em.

(3) 3 1. Nação, raça e miscigenação no Brasil moderno:. 2. uma análise hermenêutica dos Ensaístas da formação da. 3. nacionalidade brasileira, 1888-1928. 4 5 6 7. Tese submetida em 26/08/2003 à banca examinadora composta por:. 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30 31 32 33 34 35. Profª. Drª Silke Weber (orientadora) Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) Profº. Dr. Jessé José Freire Souza Instituto Universitário de Pesquisa do Rio de Janeiro (IUPERJ)/UNB (1º Examinador Externo) Profº. Dr. Antônio Motta Universidade Federal de Pernambuco (PGA-UFPE) (2º Examinador Externo) Profª. Drª Eliane Veras Soares Universidade Federal de Pernambuco (PGS-UFPE) (3º Examinador Interno) Profª. Drª Cynthia Carvalho Hamlin Universidade Federal de Pernambuco (PGS-UFPE) (4º Examinador Interno) Profº. Dr. Rogério Proença Universidade Federal de Sergipe (PGS-UFSE) (1ºSuplente Externo) Profº. Dr. Jonatas Ferreira Universidade Federal de Pernambuco (PGS-UFPE) (2º Suplente Interno). 36 37 38. Recife, Agosto de 2003.

(4) 4 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26. A Carla, minha esposa, por tudo,. 27. Aos meus pais, José e Helena, e. 28. A minha orientadora, pelo exemplo na vida e na Universidade.. 29 30.

(5) 5 1. “Há um quadro de Klee que se chama Ângelus Novus.. 2. Representa um anjo que parece querer afastar-se de algo. 3. que ele encara fixamente. Seus olhos estão escancarados,. 4. sua boca dilatada, suas asas abertas. O anjo da história. 5. deve ter esse aspecto. Seu rosto está dirigido para o. 6. passado. Onde nós vemos uma cadeia de acontecimentos,. 7. ele vê uma catástrofe única, que acumula. 8. incansavelmente ruína sobre ruína e as dispersa a nossos. 9. pés. Ele gostaria de deter-se para acordar os mortos e. 10. juntar os fragmentos. Mas uma tempestade sopra do. 11. paraíso e prende-se em suas asas com tanta força que ele. 12. não pode mais fechá-las. Essa tempestade o impele. 13. irresistivelmente para o futuro, ao qual ele vira as costas,. 14. enquanto o amontoado de ruínas cresce até o céu. Essa. 15. tempestade é o que chamamos progresso”. 16 17 18 19 20. Walter Benjamim, Sobre o conceito de história. 21. “Os símbolos dominantes da nossa identidade derivam,. 22. não só do nosso presente e do nosso passado, como. 23. também das nossas expectativas do futuro. Faz parte da. 24. nossa identidade estar aberta a surpresa, a novos. 25. encontros. Aquilo a que chamo a identidade de uma. 26. comunidade ou de um indivíduo é também uma identidade. 27. prospectiva. A identidade está em suspenso. Assim, o. 28. elemento utópico é, em última análise, um componente da. 29. identidade. Aquilo que chamamos a nós próprios é também. 30. aquilo que esperamos e aquilo que, não obstante, não. 31. somos ”. 32 33. Paul Ricoeur, Ideologia e utopia.

(6) 6 1. AGRADECIMENTOS. 2 3 4 5. • A professora Silke Weber, pelo apoio constante e sempre instigante confiança. 6. demonstrada ao longo do trabalho. Além disso, pela sua “paixão bomfimniana”. 7. por encontrar-se em infinita disponibilidade ao novo e às “ousadias” de alguns. 8. de seus alunos.. 9 10 11 12 13 14. • Aos Professores Cynthia Hamlin, Marcus Carvalho e Terry Mulhal, pela disponibilidade e por valiosos apontamentos sugeridos ao corpo do trabalho. • Aos professores Jorge Ventura e Paulo Henrique Martins pelo apoio e incentivo proporcionados no início deste percurso. • Ao professor Leoncio Camino por, não de modo tão direto quanto nos “tempos da Iniciação Científica”, contribuir para o que hoje existe.. 15. • Aos meus pais, pela necessária (im) paciência destinadas às minhas ausências.. 16. • As companheiras de doutoramento e, agora, para sempre amigas, Andréa Brito e. 17. Dalva Mota, por tornarem Recife ainda mais aconchegante.. 18. • Aos amigos Aécio Matos e Marcondes Secundino, por nos presentear com uma. 19. Recife desconhecida, apoiando o início de nossa “aterrisagem” em terras de. 20. “pernambucanidade”.. 21. • Um agradecimento especial aos meus mais que irmãos Rosenberg e Ana Lúcia.. 22. Esse período efetivou enormes transformações em nossas vidas e, sem dúvida, a. 23. solidez gradativa dessa relação foi de todas talvez a mais importante.. 24. • Ao valioso irmão Geraldo Gomes que, mesmo encontrando-se fisicamente. 25. distante há algum tempo, inversamente, parece estar em definitivo,. 26. presentificando-se em nossas vidas, especialmente ao compartilhar as alegrias e. 27. as dores de uma árdua escolha acadêmica.. 28. • Agradeço especialmente aos membros do grupo de estudo sobre teoria social e. 29. identidade do PPGS, cuja participação foi fundamental nos dois primeiros anos. 30. de elaboração da idéia que norteia o trabalho. O intercâmbio de idéias. 31. estabelecido no curto espaço de tempo que nos restava nas manhãs de sexta se.

(7) 7 1. faz presente em várias partes do texto. Orgulho-me de perceber os efeitos que o. 2. desejo, a disciplina e o profissionalismo presentes em Andréa, Carla,. 3. Marcondes, Aécio, Remo, Tereza e Silke, estão contidos, hoje, neste trabalho e. 4. no amanhã da vida acadêmica.. 5. • Aos agora mais preciosos Flávio e Leda, mais que meus tios, dois “lugares”. 6. onde aprendi a conhecer e a cultivar mais um aconchego que pude, nos dois. 7. primeiros anos de doutoramento, chamar de “lar”.. 8 9. • Aos meus sogros Célia e Renato, e Regina, minha cunhada, por seu acolhimento e apoio em um instante de transição importante.. 10. • Especialmente, a Carla, pelo compartilhamento irrestristo em mais esse. 11. momento vivido. Desde que ela presentificou-se em meu cotidiano, impossível é. 12. não perceber a sua decisiva importância no que hoje existe, e não estou. 13. referindo-me apenas a esse trabalho. Há um trecho de uma canção de Caetano. 14. Veloso que diz: “E se não houvesse o amor, e se não houvesse o sofrer, e se não. 15. houvesse o chorar, e se não houvesse essa dor”; às vezes, pergunto a mim. 16. mesmo: e se não houvesse Carla.... 17. • Uma menção sincera deve ser “objetificada” neste trabalho aos maiores. 18. inspiradores de vida, os mestres da boa música e da literatura. Na música,. 19. principalmente os jazzistas, pois nos últimos anos são os que mais me. 20. conduzem, Ella Fitzgerald, Carmem McRae, Nina Simone, que há pouco nos. 21. deixou, são as minhas “vozes femininas” preferidas; ao lado delas, Ellington,. 22. Gillespie, Miles Davis, Parker, Coltrane, Monk, Mingus etc. nos mostram um. 23. confortante “não-sentido”; na literatura, impossível ressaltar todos, contudo,. 24. lembro os recentemente marcantes, usufruídos nos interstícios da Tese, os russos. 25. Dostoiévski, Turguêniev e Tyniánov, a inglesa Virginia Woolf e o italiano. 26. Pirandello. Indubitavelmente, não há “ponto nodal” na vida dissociado da. 27. música e da literatura, e dos irmãos que nelas encontram-se (Rosenberg,. 28. Geraldo, Marcus Eugênio, Nilton Formiga, Aécio etc.).. 29. • A CAPES..

(8) 8 1 2. RESUMO. 3 4. Seguindo as reflexões contemporâneas, na Teoria Social, relativas à “questão nacional”, o. 5. objetivo desta tese é demonstrar o valor da idéia de nação na sociedade moderna e o. 6. modo como a noção de raça adquiriu importância nas inquietações relativas à formação. 7. da nacionalidade na “modernidade” de fins do século XIX. Neste sentido, concepções. 8. relativas às idéias de “nação” e “raça” na teoria social clássica (Max Weber e Marcel. 9. Mauss) e contemporânea (Norbert Elias, Ernest Gellner, Benedict Anderson e Anthony. 10. Smith) foram revisitadas, articulando-as conforme a interpretação selecionada. Por. 11. conseguinte, este estudo considera a nação, na esteira da teoria de Anthony Smith, um. 12. conceito “mítico-simbólico” de relativa importância na atualidade, e “raça” um dos. 13. símbolos essenciais que o compõem, exercendo centralidade fundante no seu. 14. entendimento. O trabalho dedica especial atenção ao enlace desses elementos no caso. 15. brasileiro; assim, situa-se no intervalo histórico que compreende o final do século XIX e o. 16. início do século XX, período de “epistemologização” das idéias de “raça” e “nação”,. 17. tendo em seu eixo analítico os principais Ensaios histórico-sociais produzidos pelos. 18. intérpretes do Brasil que tiveram como um dos objetivos articular “raça” e. 19. “nacionalidade”; são eles Sílvio Romero (1851-1914) e o seu “História da Literatura. 20. Brasileira” (2001 [1888]), Euclides da Cunha (1866-1909) e o clássico “Os Sertões”. 21. (2001 [1902]), Raimundo Nina Rodrigues (1862-1906) e a sua “tese da degeneração. 22. racial”, Manoel Bomfim (1868-1932), através de seu atualíssimo “América Latina - males. 23. de origem” (1993 [1905]) e de sua noção de “parasitismo”, Oliveira Vianna (1883-1951). 24. e a sua “tese do Arianismo” e, finalmente, Paulo Prado (1869-1943), em seu breve mas. 25. instigante “Retrato do Brasil” (1997 [1928]).. 26 27 28 29.

(9) 9 1 2. ABSTRACT. 3 4 5. Following the contemporary reflections in social theory concerning the “national. 6. question”, the aim of this thesis is to demonstrate the value of the idea of nation in. 7. modern society and the way in which the notion of race assumed importance in the. 8. questions related to nationality formation in the late 19th Century “modernity”. In that. 9. sense, conceptions relative to the ideas of “nation” and “race” in classical (Max Weber. 10. and Marcel Mauss) and contemporary (Norbert Elias, Ernest Gellner, Benedict Anderson. 11. e Anthony Smith) social theory were revisited, being articulated according to one of those. 12. given interpretations. Consequently, this study considers “nation”, following Anthony. 13. Smith’s theory, to be a “mythic-symbolic” concept of relative importance nowadays, and. 14. “race” to be one of its essential constitutive symbols, playing a central, foundational part. 15. in its understanding. The discussion dedicates special attention to the interplays between. 16. those elements in the Brazilian scenario; thus, it is located in the historical period that. 17. goes from the late 19th Century to the beginning of the 20th Century, a time of. 18. “epistemologisation” of the ideas of “race” and “nation”, and analyses the main socio-. 19. historical essays produced by Brazilian interpreters whose aims included the analysis of. 20. “race” and “nationality”; they are Silvio Romero (1851-1914) and his “History of. 21. Brazilian Literature” (2001 [1888]), Euclides da Cunha (1866-1909) and the classic “The. 22. Backlands” (2001 [1902]), Raimundo Nina Rodrigues (1862-1906) and his “thesis of. 23. racial degeneration”, Manoel Bomfim (1868-1932), through his still fresh “Latin America. 24. – problems of origin” (1993 [1905]) and his thesis of “parasitism”, Oliveira Vianna. 25. (1883-1951) and his “Aryanism thesis”, and, finally, Paulo Prado (1869-1943), in his brief. 26. but engaging “Portrait of Brazil” (1997 [1928]).. 27.

(10) 10 1. RÉSUMÉ. 2 3 4. En suivant les réflexions contemporaines de la Théorie Sociale concernantes la “question. 5. nationale”, cette thèse a comme but démontrer/prouver la valeur de l’idée de nation dans. 6. la société moderne et la forme à travers laquelle la notion de race a pris de l’importance à. 7. partir des inquiétudes relatives à la formation de la nationalité dans la “modernité” des. 8. fins du XIX e siècle. Dans ce sens, des conceptions relatives aux idées de “nation” et de. 9. “race” dans la théorie sociale classique (Max Weber et Marcel Mauss) et contemporaine. 10. (Norbert Elias, Ernest Gellner, Benedict Anderson et Anthony Smith) ont été revisitées,. 11. selon l’interprétation choisie. Par conséquent, cette étude considère la nation. 12. conformément la théorie de Anthony Smith: un concept “mythique-symbolique” de. 13. relative importance dans nos jours; la “race” est considérée comme un des symboles. 14. essentiels qui composent ce concept, exerçant une centralité fondante dans sa. 15. compréhension. Le travail donne attention spéciale à la combinaison de ces éléments. 16. brésiliens; ainsi, il se situe dans l’intervalle historique qui comprend la fin du XIX e siècle. 17. et le début du XX e siècle, période d’ “épistémologisation” des idées de “race” et de. 18. “nation”, ayant dans son axe analytique les essais historico-sociaux les plus importants. 19. produits par les interprètes du Brésil qui ont eu comme un des ses buts lier “race” et. 20. “nationalité”; il s’agit de Sílvio Romero (1851-1914) et son “Histoire de la littérature. 21. brésilienne” (2001 [1888]), Euclides da Cunha (1866-1909) et le classique “Os sertões”. 22. (2001 [1902]), Raimundo Nina Rodrigues (1862-1906) et sa thèse de la “dégénération de. 23. la race”, Manoel Bomfim (1868-1932), et son œuvre très actuelle “Amérique Latine – des. 24. malheurs de l’origine” (1993 [1905]) et sa notion de “parisitisme”, Oliveira Vianna (1888-. 25. 1951) et sa “thèse de l’Arianisme” et, finalement, Paulo Prado (1869-1943), dans son bref. 26 27. mais instigant “Portrait du Brésil” (1997 [1928])..

(11) 11 1. SUMÁRIO. 2 3. RESUMO 8. 4. ABSTRACT 9. 5. RÉSUMÉ 10. 6. INTRODUÇÃO GERAL 14. 7. A Temática 15. 8. PARTE I: 27. 9 10. HEURÍSTICA, MODERNIDADE, PÓS-MODERNIDADE E A “RACIALIZAÇÃO DO MUNDO” 27. 11. CAPÍTULO I: 28. 12. HEURÍSTICA, TEORIA E METODOLOGIA 28. 13. A Heurística 29. 14. A Teoria 50. 15. A Metodologia 70. 16. CAPÍTULO II: 80. 17 18. MODERNIDADE, PÓS-MODERNIDADE, TEORIA SOCIAL E A RACIALIZAÇÃO DAS RELAÇÕES SOCIAIS 80. 19. Introdução 81. 20. A origem da idéia “modernidade” e as formas de sua abordagem 84. 21. A construção da modernidade: o que ela nos quer dizer, afinal? 97. 22. Da Modernidade à Pós-Modernidade: o colapso dos “fundamentos”... 110. 23. A “Racialização do Mundo” 124. 24. PARTE II : 131.

(12) 12 1 2. TEORIA SOCIAL, NAÇÃO, NACIONALIDADE E RAÇA NO PENSAMENTO EUROPEU MODERNO 131. 3. CAPÍTULO III : 132. 4. NAÇÃO, NACIONALIDADE E RAÇA NO PENSAMENTO EUROPEU MODERNO 132. 5. Introdução 133. 6. Povo, Pátria, Nação 136. 7. Nação, Nacionalidade e Raça 143. 8. O Caráter Heurístico da Nação como Semióforo 160. 9. CAPÍTULO IV: 169. 10. TEORIA SOCIAL, NAÇÃO, NACIONALIDADE E RAÇA 169. 11. Introdução 170. 12. As teorias sociais clássicas sobre nação e nacionalidade 171. 13. As teorias sociais contemporâneas sobre nação e nacionalidade 180. 14. PARTE III: 199. 15 16. RECONFIGURAÇÃO DAS NOÇÕES DE “NACIONALIDADE” E “RAÇA” NO PENSAMENTO SOCIAL BRASILEIRO 199. 17. CAPÍTULO V: 200. 18 19 20. TEORIA SOCIAL E REALIDADE NACIONAL: O PERÍODO PÓSEMANCIPATÓRIO, A “QUESTÃO NACIONAL” E O “PROBLEMA” DA SINGULARIDADE SÓCIO-RACIAL BRASILEIRA 200. 21. Introdução 201. 22. Inquietações no pensamento social em torno do nacional no Brasil do século XIX 207. 23. O contexto brasileiro pós-emancipatório e a “questão nacional” 219. 24. A constituição do pensamento “sócio-racial” no Brasil 223. 25. CAPÍTULO VI: 238.

(13) 13 1 2. A HETEROGENEIDADE SÓCIO-RACIAL NO BRASIL: A GESTAÇÃO “MÍTICOSIMBÓLICA” DE UMA NACIONALIDADE PLURAL E DEMOCRÁTICA 238. 3. Introdução 239. 4. Sílvio Romero e um projeto miscigenado para o Brasil 244. 5. “O futuro não é negro, é pior!” A tese da degeneração racial brasileira 256. 6. “O nacional começa no sertão”: contradições em torno da mestiçagem 260. 7. “Solitário, mas não só!”: A interpretação apaixonada de Manoel Bomfim 271. 8. A “arianização” do nacional: o último fôlego do “branqueamento”... 285. 9. CONCLUSÃO 298. 10. BIBLIOGRAFIA 312. 11 12.

(14) 14 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11. 12. 13. 14. 15 16 17 18 19. INTRODUÇÃO GERAL.

(15) 15 1. A Temática. 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11. “O Brasil é o que é mais a interpretação produzida sobre ele desde que aqui se criou vida reflexiva. E isso porque interpretar o Brasil tem sido, antes como agora, menos avaliar e sopesar um conhecimento haurido dos fatos do que a projeção do que deveríamos nos tornar”. 12. Luiz Werneck Viana. 13 14. As transformações sociais pelas quais tem passado o mundo na. 15. contemporaneidade parecem sugerir às ciências sociais e à teoria social que se debrucem. 16. com profunda atenção sobre uma determinada categoria sócio-histórica que, nos dias de. 17. hoje, parece ter adquirido importância central para se entender a “ressurreição das. 18. nacionalidades”, esta categoria é a noção de “raça” e o seu forte impacto nas relações. 19. sociais contemporâneas. Octavio Ianni (1996), em um artigo relativamente recente,. 20. reforça esta observação afirmando que uma série de mudanças sócio-econômicas. 21. identificadas em âmbito global tem levado as ciências sociais a uma atribuição de. 22. importância gradualmente crescente ao conceito e aos conteúdos que o constituem:. 23. “A globalização do capitalismo e a nova divisão transnacional do. 24. trabalho, dinamizada pelas novas tecnologias, pela informatização e. 25. pela robotização da produção, processo que também se expressa pelas. 26. migrações entre nações dentro de um amplo processo de urbanização. 27. do mundo, mostram-nos a emergência e a ressurgência de problemas.

(16) 16 1. raciais associados a nacionalismos e localismos. Isto ressalta que a. 2. globalização é acompanhada de uma fragmentação, onde as linhas. 3. limites entre classe e raça mesclam-se e confundem-se mas, na. 4. maioria das vezes, não se dissolvem. Neste contexto, os problemas. 5. raciais podem ser vistos como manifestação de movimentos e. 6. configurações,. 7. globalizada em formação” (Ianni, 1996, p. 1).. e. como. dimensão. fundamental. da. sociedade. 8 9. A utilização da palavra “raça” para se referir a um grupo ou categoria de. 10. pessoas conectadas por uma origem comum foi inserida na língua inglesa no início do. 11. século XVI; desde então e até o princípio do século XIX foi utilizada especialmente para. 12. se referir a características comuns apresentadas em virtude de uma mesma ascendência. 13. (Cf. Banton, 2000). De fato, a noção moderna de raça deriva do período que compreende. 14. os séculos XVII, XVIII e, principalmente, o século XIX, baseando-se na idéia da. 15. existência de espécies humanas biologicamente diferenciadas, a qual se encontra. 16. geneticamente relacionada às políticas de expansão e colonização desenvolvidas pelos. 17. europeus neste período. As diversidades nas aparências externas puderam então ser. 18. interpretadas de uma das três seguintes formas: como um desígnio de Deus, como. 19. resultado das diversidades ambientais independentemente de questões morais e como. 20. fruto de diferentes ancestrais originais. Em qualquer dos três casos, o sentido dominante. 21. ligado à palavra raça era o de ascendência:. 22. “Sob a influência de George Cuvier, anatomista comparativo francês,. 23. tais diversidades naturais foram vistas como a expressão de tipos. Um. 24. ´tipo´ era definido como uma forma primitiva ou original. 25. independentemente de diversidades climáticas ou de outra ordem.

(17) 17 1. física. Acreditava-se que os tipos eram permanentes (já que essa era. 2. uma visão pré-darwiniana da natureza). O termo ´raça´ passou a ser. 3. usado no sentido de tipo, designando espécies de seres humanos. 4. distintos, tanto pela constituição física quanto pela capacidade mental. 5. (Banton, 2000, pp. 448-449).. 6 7. Essa concepção sobreviveu até os dias de hoje e forma a essência das. 8. doutrinas freqüentemente designadas de ”racismo científico” e, do ponto de vista da. 9. gestação do conceito de nacionalidade ora tratado, argumenta-se que essa exerceu enorme. 10. influência no sentido de conceituar “nação” a partir do conceito raça, relação essa que se. 11. encontra em argumentação descrita adiante, no Capítulo III.. 12. De fins do século XIX em diante, foi possível identificar uma gradual. 13. mudança em relação aos sentidos atrelados à expressão, produto das transformações. 14. associadas ao entendimento popular das causas das diversidades físicas e culturais, haja. 15. vista que se supunha a existência de um único sentido a ela vinculado.. 16. Contemporaneamente, seguindo as mudanças em relação a esse ponto de vista, a questão. 17. principal não é o que vem a ser “raça”, mas sim os modos como o termo foi e é. 18. empregado, haja vista que a elaboração e conservação de crenças acerca do conceito raça,. 19. bem como do respeito à nacionalidade, trata, na verdade, de uma tentativa de cultivar. 20. identidades grupais.. 21. Em época recente, principalmente nas últimas três décadas, o cenário mundial. 22. tem passado por certos processos de mudança, tanto de origem econômica quanto,. 23. principalmente, de origem política, de tal modo que se tem percebido uma certa.

(18) 18 1. transformação dos espaços públicos no sentido de uma gradual e contínua pluralização. 2. cultural e política, inclusive em solo brasileiro (Cf. Costa, 2002).. 3. De fato, a partir da aceleração do denominado “processo de globalização”,. 4. processo esse que, de modo geral, postula uma espécie de unidade mundial, alcançada por. 5. meio da expansão das relações econômicas e do surgimento de uma cultura global. 6. gradualmente mais homogênea (Cf. Hirst & Thompson, 1998), estreitam-se e. 7. intensificam-se as relações sociais entre diversos grupos, culturas, raças e etnias e crescem. 8. os conhecimentos e a busca de novos canais de expressão de identidades grupais e da. 9. redescoberta de raízes étnicas, associadas aos ideais de respeito aos diversos valores. 10. sociais e culturais.. 11. Este processo, no entanto, tem ocorrido de forma ambivalente, constituindo. 12. um problema de duas faces (Cf. Stolcke, 1993): por um lado, leva grupos humanos a um. 13. afrouxamento de suas fronteiras geográficas e econômicas e ao compartilhamento de. 14. valores considerados pós-modernos (Cf. Inglehart, 1977); por outro, tem feito emergir um. 15. significativo aumento das pressões pela manutenção de nacionalidades, valores culturais e. 16. regionais particulares, proporcionando manifestações de um verdadeiro “espetáculo das. 17. diferenças” (Cf. Schwarcz e Queiroz, 1996). A ascensão de movimentos nacionalistas na. 18. Europa e em outras regiões seria uma expressão típica deste caráter ambivalente que. 19. permeia a globalização e a própria modernidade (Cf. Giddens, 1996), levando a teoria. 20. social a deparar-se com uma espécie de “paradoxo da identidade”, no sentido de que ao. 21. mesmo tempo em que é uma categoria que induz e justifica formas de segregação, é.

(19) 19 1. também utilizada como instrumento de defesa por grupos que se sentem segregados (Cf.. 2. Moreira, 1996).. 3. Miguel Vale de Almeida (1999), antropólogo português contemporâneo,. 4. também salienta a importância dos debates sobre “raça” na contemporaneidade, contudo,. 5. ele a compreende, nos dias de hoje, envolvida pelo conceito de “hibridismo”,. 6. metacategoria que tem aparecido com freqüência crescente na literatura que discute as. 7. conseqüências culturais da globalização, sobretudo no âmbito dos chamados estudos pós-. 8. coloniais (Cf. Bhabha, 1998):. 9. “O reconhecimento da comum humanidade das ‘raças’ humanas não. 10. só reforçou a separação natureza/cultura própria do projeto da. 11. modernidade (Latour, 1994), como desviou a atenção do hibridismo. 12. para o campo da miscigenação e mestiçagem – da mistura ‘racial’ e da. 13. mistura cultural. Condenadas por uns, pela sua impureza, louvadas por. 14. outros pelo seu humanismo, o resultado é ele mesmo mais híbrido do. 15. que essa dicotomia. Em grande medida, os discursos sobre. 16. miscigenação e mestiçagem demonstraram um pendor ideológico para. 17. o mascaramento de relações de poder desigual e dominação. Serviram. 18. também como elementos centrais de narrativas nacionais, imperiais e. 19. coloniais.” (Vale de Almeida, 1999, p. 2).. 20 21. De modo geral, algumas explicações podem ser sugeridas em relação ao. 22. “reaparecimento” mais intenso do tema na contemporaneidade, levando a teoria social a. 23. uma espécie de ‘resgate’ da atribuição de importância à categoria ‘raça’ na formação e na.

(20) 20 1. constituição históricas de nacionalidades, tanto no âmbito europeu quanto no brasileiro,. 2. especialmente no período de sua “epistemologização” na segunda metade do século XIX.. 3. Ora, entre outros fatores, pode-se indicar como sendo talvez o mais relevante,. 4. a aproximação de povos diferentes no mesmo espaço social e político a partir do processo. 5. de emigração, típico de fins do século XIX, estreitamento esse que tem levado,. 6. especialmente no século XX, a uma série de inquietações de cunho racial, a ponto de. 7. Octavio Ianni sugerir que se vive, atualmente, uma espécie de “racialização das relações. 8. sociais”, uma “racialização do mundo” (Ianni, 1996, p.1). Trata-se de questões e. 9. problemas facilmente identificados nas guerras e revoluções que assolaram o período, nas. 10. lutas pela descolonização nos diversos continentes, nos ciclos de expansão e recessão das. 11. economias, nos movimentos de mercado da força de trabalho, nas migrações,. 12. peregrinações religiosas e, mais recentemente, com o redesenhamento do mapa-mundi. 13. proporcionado pelas mudanças ocorridas na Europa nas últimas duas décadas (Cf.. 14. Pereira, 1996), entre outras características que podem ser atribuídas ao século que,. 15. embora cronologicamente tenha ficado para trás, tem os seus efeitos efetivamente. 16. presentificados.. 17. Neste sentido, é possível dizer que os principais efeitos presentes destas. 18. transformações dizem respeito ao fato de que trazem à tona algumas importantes questões. 19. relativas à auto-compreensão de certos povos em relação à formação de sua. 20. nacionalidade, reivindicando a tese de que o passado pode conter ensinamentos que. 21. devem ser aproveitados pelo presente a partir de uma espécie de interpretação seletiva. 22. (Cf. Souza, 2000). No caso brasileiro, em meu entender, esses efeitos têm efetivamente.

(21) 21 1. levado autores a uma “releitura” de certas “questões nacionais” relativas à modernidade. 2. brasileira, isto porque parece haver uma reposição da questão da modernidade no. 3. pensamento social no Brasil, ou seja, a chamada “questão nacional” parece ser recolocada,. 4. atualizando a perspectiva da relação de determinados elementos constituintes da cultura. 5. nacional, e de alguns dos principais aspectos que a forjaram, com a civilização ocidental,. 6. na medida em que:. 7. “(...) a idéia de que os antigos desafios enfrentados pela sociedade. 8. brasileira, e que serviram aos cientistas sociais para problematizar a. 9. questão da identidade nacional, em parte não foram resolvidos e a eles. 10. vieram se somar às novas questões colocadas pelo estágio atual da. 11. economia, da política e da cultura mundiais” (Moreira, 1996, p. 9).. 12 13. De fato, na esteira desse argumento, percebe-se que, no âmbito latino-. 14. americano e, em especial, no contexto brasileiro, algumas noções, em meu entender, têm-. 15. se tornado essenciais para se consubstanciar um processo de auto-entendimento, levando. 16. vertentes da teoria social a uma espécie de ré-interpretação de alguns de seus conteúdos.. 17. Ou seja, inquietações têm sido trazidas à baila relativas à formação da nacionalidade. 18. brasileira e ao papel central que as noções de “raça” e “miscigenação” passaram a ter no. 19. processo de nos colocar em compasso com o ritmo das sociedades européias em fins dos. 20. dezenove e início dos vinte (Cf. Ortiz, 1990), contribuindo inclusive para o seu uso. 21. cotidiano como atribuidor de identidade1.. 1. De fato, refletindo sobre o uso de tantas expressões que insistem em usar a noção, – “esse sujeito de raça”, “eta sujeito raçudo””... – nas piadas que fazem rir da cor, nos ditos que caçoam, na quantidade de termos,.

(22) 22 1. Com esses fatos esculpindo um novo quadro sócio-político mundial, torna-se. 2. relevante indagar como a questão da nacionalidade e da raça foi teoricamente tratada ou,. 3. como foi mencionado anteriormente, foi “epistemologizada”, por alguns dos “projetos de. 4. nacionalidade” constituintes da modernidade brasileira que tiveram forte impacto na. 5. virada do século XIX e início do XX e de que maneira alguns dos seus principais. 6. elementos característicos podem auxiliar no entendimento do uso de certas noções que. 7. tornam mais “compreensível” a “nação brasileira” contemporânea, haja vista que o. 8. conhecimento do que somos e a consciência crítica de nossa formação social devem servir. 9. de aliados para o enfrentamento dos desafios contemporâneos (Cf. Veloso & Madeira,. 10. 1999).. 11. Neste sentido, este trabalho deve ser tratado na esteira de outros que salientam. 12. a importância do uso da noção de “raça” em moldes eminentemente sociológicos como. 13. uma categoria geral de análise da sociedade brasileira, estendendo o seu âmbito de. 14. interesse a um espectro cujo eixo centra-se muito mais no tema da “formação nacional”. 15. (Cf. Guimarães, 1995, 2001, 2002), ao invés, embora não diretamente o excluindo, de em. 16. questões que vinculam raça e desigualdade social (Cf. Taguieff, 1995a; Cf. Adesk, 1997),. 17. isto porque, em meu entendimento, um dos desdobramentos do tratamento teórico. 18. disponibilizado à noção raça, com o objetivo de “ocidentalizar” e de “modernizar” (Cf.. 19. Berman, 1986), entre fins do século XIX e início do XX, o Brasil, foi constituir, a partir. 20. da incompatibilidade percebida entre teoria e realidade, um espaço discursivo privilegiado. Schwarcz (1998a, p. 178) nos mostra em que medida essas expressões revelam indícios de como a questão racial se vincula de forma imediata ao tema da identidade..

(23) 23 1. para se pensar a idéia de nação, haja vista que a “essência” da definição do que seria o. 2. “nacional”, o homogêneo, acabou se tornando a heterogeneidade, a “mistura”, brasileira.. 3 4. Ellis Cashmore, estudioso do tema, nos diz, reforçando a necessidade de se ler mais uma vez a noção “raça”:. 5. “(...) a mera menção à palavra raça empenha a nossa compreensão de. 6. uma diversidade permanente e, em conseqüência, uma concepção de. 7. ´diversidade´. As críticas ao termo raça e as revelações de sua. 8. redundância. 9. desmembraram a sua compreensão como um critério com sentido nas. 10. ciências sociais e biológicas, mas enquanto as conversações. 11. contemporâneas continuarem a incluir a palavra, seu potencial. 12. persistirá. Isto ocorre porque o termo ´raça´ propõe descrever algo,. 13. mas inclui simultaneamente a diversidade” (Cashmore, 2000, p. 452,. 14. Grifo meu).. como. construção. analítica. desestabilizaram. e. 15 16. De fato, embora também não deixe de lado a contribuição da biologia em. 17. relação à inexistência de raças humanas, no Brasil, Antônio Sérgio Alfredo Guimarães. 18. afirma:. 19. “(...) acredito que seja possível construir um conceito de raça. 20. propriamente. 21. fundamentação natural, objetiva ou biológica. Acredito, ademais, que. 22. apenas uma definição nominalista de raça seja capaz de evitar o. 23. paradoxo de se empregar criticamente (cientificamente) uma noção. 24. cuja principal razão de ser é justificar uma ordem acrítica. 25. (ideológica)” (Guimarães, 1995, p. 46).. sociológico. que. prescinda,. pois,. de. qualquer.

(24) 24 1. De fato, no Brasil, a importância atribuída e tomada pelo tema, sugere que a. 2. forma de se empreender uma reflexão sobre as noções de “raça”, “nação” e. 3. “nacionalidade”, apenas é passível de compreensão de acordo com o entendimento do. 4. desenvolvimento das “leituras” construídas para explicar as relações sócio-raciais no país,. 5. especialmente no período de transição característico do fim do século XIX, devido às. 6. inúmeras tentativas de “maquiar” o problema das diferenças raciais visando uma suposta. 7. unidade nacional brasileira que particularizaria de maneira positiva o país em relação às. 8. outras nações onde a questão também era corrente.. 9. Neste sentido, parece ser nunca suficiente abordar a questão da formação. 10. nacional brasileira e a sua relação com noções como “raça” e alguns de seus. 11. desdobramentos, “miscigenação”, “democracia racial” etc., haja vista o fato de que,. 12. embora a pergunta pós-independência: “Afinal, o que faz o brasil, Brasil?” (Cf. DaMatta,. 13. 1991), seja uma questão sempre recorrente, quando “raça” é tomado como conceito. 14. analítico fundamental, a situação aparece de forma estabilizada e naturalizada, como se as. 15. posições sociais desiguais fossem, por um lado, quase um desígnio da natureza, e atitudes. 16. racistas, por outro, minoritárias e excepcionais, ou seja, já que se encontra ausente uma. 17. política discriminatória oficial, estamos envoltos no país de uma “boa consciência” que. 18. nega o preconceito ou o reconhece como mais brando (Cf. Schwarcz, 1998a).. 19. Em síntese, o ponto fulcral deste trabalho é efetuar uma re-leitura da idéia de. 20. “nacionalidade”, partindo, inicialmente, do “óculos” utilizado por alguns autores que. 21. constituem o pensamento social moderno para “ler” o Brasil, conduzindo uma especial. 22. atenção à essencialização tomada pela noção de “raça” na definição da “nação brasileira”.

(25) 25 1. no período que compreende o fim do século XIX e as primeiras décadas do século XX,. 2. tomando como demarche do corpus analisado os principais ensaios produzidos relativos à. 3. temática elaborados no intervalo entre as publicações das obras de Sílvio Romero (2001. 4. [1888]) e de Paulo Prado (1997 [1928]).. 5. De modo geral, essas obras têm como característica fundamental, do ponto de. 6. vista de seus intérpretes, a sua “implausibilidade”, especialmente devido à busca e ao. 7. respaldo conquistado através do status da Ciência contemporânea, cuja função principal,. 8. foi, indubitavelmente, tornar o discurso de então paradigmático e principal antecedente. 9. das Ciências Sociais no Brasil (Cf. Ortiz, 1994 [1985]).. 10. Não obstante, acredito, e esse é o percurso a ser seguido neste trabalho, que a. 11. essa “implausibilidade” é possível associar uma interpretação mais contemporânea a partir. 12. de uma atribuição de importância aos efeitos positivos que os “pré-conceitos”,. 13. constituintes dessas interpretações “implausíveis”, exerceram sobre o pensamento social. 14. no Brasil, haja vista que eles também são os criadores de sentidos.. 15. De fato, associado a essa “re-leitura”, dar-se-á uma interpretação particular,. 16. baseada na hermenêutica histórica gadameriana, cujo objetivo é ressaltar a contribuição. 17. dos autores analisados na constituição de uma idéia de nação em moldes eminentemente. 18. democráticos e plurais, embora, como ver-se-á adiante, eles elaborem a sua reflexão. 19. originalmente a partir de uma concepção biologizante de nacionalidade, haja vista a sua. 20. ênfase na raça. Neste sentido, trata-se de se saber que:. 21. “(...) o ponto de partida (...) é o seguinte: tanto os homens como as. 22. sociedades se definem por seus estilos, seus modos de fazer as coisas..

(26) 26 1. (...) Trata-se de, sempre, da questão da identidade. De saber quem somos. 2. e como somos, de saber por que somos. (...) Mas o mistério, como se. 3. pode adivinhar, não fica na questão do saber quem somos. Pois será. 4. necessário descobrir como construímos nossas identidades.” (DaMatta,. 5. 1986, pp. 11,20). 6 7. Assim, diante desses esclarecimentos iniciais, é necessário delinear e aduzir,. 8. de modo mais detalhado, o percurso teórico e metodológico efetuado no interior da teoria. 9. social, que permitiu a elaboração de uma interpretação do objeto de estudo ora tratado, ou. 10. seja, qual o “caminho” escolhido na sociologia contemporânea que proporcionou construir. 11. esta versão sobre “como descobrimos nossas identidades”.. 12. Neste sentido, esta Tese foi delineada em três partes inter-relacionadas. A. 13. princípio, a Parte I foi dedicada ao esclarecimento do percurso teórico-metodológico. 14. escolhido no âmbito da sociologia, inserindo a temática em uma dimensão de análise mais. 15. ampla cuja discussão sobre o debate modernidade/pós-modernidade foi inevitável; a Parte. 16. II foi dedicada à formação e às transformações pelas quais passaram as noções de nação,. 17. nacionalidade e raça no pensamento europeu do século XIX, associando-se a essa. 18. discussão a apresentação das teorias sociais clássicas e contemporâneas que nas ciências. 19. sociais legitimaram a importância e a constituição de um “olhar científico” sobre a. 20. temática; finalmente, a Parte III foi dedicada ao “caso brasileiro”, através de uma releitura. 21. da reconfiguração impingida pelo pensamento social no Brasil moderno à “questão. 22. nacional”, tornando a noção de “raça” inevitável ao se tratar de nação e nacionalidade.. 23.

(27) 27 1 2 3 4 5. 6. 7. 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22. PARTE I: HEURÍSTICA, MODERNIDADE, PÓSMODERNIDADE E A “RACIALIZAÇÃO DO MUNDO”.

(28) 28 1 2 3 4 5 6. 7. 8. 9 10 11 12 13 14 15. CAPÍTULO I: HEURÍSTICA, TEORIA E METODOLOGIA.

(29) 29 1. A Heurística. 2 3 4 5 6 7 8 9 10. "No science can be really understood apart from its special history, which again cannot be separated from the general history of Humanity... A new science must be pursued historically, the only thing to be done being to study in chronological order the different works that have contributed to the progress of the science."2. 11 12. Augusto Comte. 13 14. Antes de iniciar propriamente dito o estudo, torna-se apropriado situar o. 15. trabalho diante de algumas questões que correntemente assolaram e assolam a história do. 16. pensamento científico ocidental e que tem um impacto profundo na formação do. 17. conhecimento produzido na Sociologia, isto porque “a discussão sobre os meios do. 18. entendimento sociológico é uma precondição indispensável para a pesquisa social” (Cf.. 19. Caniello, 2001, p. 6), pois, ao contrário das ciências naturais, os fenômenos a que se refere. 20. são demasiadamente abstratos (Cf. Durkheim, 1978[1895], p. 91), posicionados em teias. 21. de causalidade difíceis de serem identificadas pela observação direta (Cf. Weber, 1993. 22. [1904a], p. 118), não podem ser reproduzidos em condições experimentais (Cf. DaMatta,. 23. 1981, p. 21) e, sobretudo, cientista e objeto comungam de uma mesma realidade. 24. existencial (Cf. Lévi-Strauss, 1964, p. 298).. 2. Nenhuma ciência pode ser realmente entendida separada de sua própria história, a qual não pode ser separada da história geral da humanidade... Uma nova ciência deve estar historicamente dedicada à única coisa a ser feita, estudar em ordem cronológica os diferentes trabalhos que tem contribuído para o progresso da ciência..

(30) 30 1. Desde o seu estabelecimento como disciplinas acadêmicas, as ciências sociais. 2. têm sido caracterizadas por um constante estado de crise, o qual pode ser entendido como. 3. uma profunda inquietação em relação às inúmeras possibilidades percebidas para se. 4. explicar o comportamento humano em sociedade de forma adequada. Esta crise tem se. 5. acentuado nos últimos vinte ou trinta anos como uma conseqüência das inúmeras. 6. mudanças sócio-políticas que têm afetado a sociedade. Uma das conseqüências deste. 7. processo é alimentar a necessidade de serem revisitados debates epistemológicos e. 8. metodológicos que se encontram nas discussões que instituíram a própria sociologia como. 9. uma disciplina científica em fins do século XIX, haja vista que as idéias não são. 10. constituídas isoladas da realidade social, conseqüentemente, “revisitá-las”, muitas vezes,. 11. tende a também transformar a própria realidade a qual elas referiam-se inicialmente,. 12. afetando presente e também o futuro.. 13. Neste sentido, as Ciências Sociais, agora, são objeto de uma revisão crítica. 14. cujos dualismos mais tradicionais,. 15. compreensão/explicação são trazidos à baila com o objetivo de permitir um olhar mais. 16. esclarecedor sobre as mudanças no âmbito da disciplina e no olhar sobre determinados. 17. fenômenos sociais, aproximando, assim, a teoria social e a vida e os produtos sócio-. 18. culturais (Cf. Giddens & Turner, 1999). Além disso, talvez o objetivo fulcral do tópico. 19. seja situar o trabalho no contexto deste histórico debate, posicionando-se diante das. 20. tradições do pensamento sociológico, informando a heurística que conduzirá. 21. particularmente os procedimentos teóricos e metodológicos, a saber, a perspectiva. 22. interpretativa da vertente da teoria social denominada de Hermenêutica histórica.. tais. como. ação/estrutura, sujeito/objeto. e.

(31) 31 1. O século XIX, sem dúvida, é um período bastante decisivo no que diz respeito. 2. à institucionalização das ciências sociais e a conquista de legitimidade científica desta. 3. área de conhecimento; além disso, é também decisivo em termos de mudanças no âmbito. 4. sócio-econômico Europeu, reflexo das transformações proporcionadas pelas revoluções. 5. Francesa e Industrial. A Alemanha, arena principal das discussões em torno da natureza. 6. das ciências humanas e do seu método apropriado, não se ausenta do fervilhar desse. 7. contexto; ao contrário, a sua fisionomia sócio-política é a principal responsável por vários. 8. dos desdobramentos ocorridos nas suas Universidades e na própria ciência por elas. 9. construída.. 10. Neste sentido, as origens do que hoje é conhecido por ‘neo-kantismo’ e a. 11. chamada ‘crise do método’ (Methodestreit), duas dimensões da história da sociologia. 12. fundamentais para se compreender a busca por uma identidade epistemológica da. 13. disciplina, engendrada na oposição Ciências Naturais vs. Ciências Humanas, vinculam-. 14. se, no âmbito social, às transformações do Estado e da Indústria na Alemanha, que se. 15. refletem nas inúmeras esferas da vida cotidiana, em particular, no âmbito científico. Além. 16. disso, trata-se de uma reação tanto ao idealismo hegeliano quanto ao cientificismo. 17. positivista (Cf. Segady, 1987).. 18. De fato, a literatura demonstra que, por volta de 1809, ocorreu uma espécie de. 19. reforma nas Universidades da Alemanha cuja idéia central era poder proporcionar. 20. “liberdade acadêmica” para aqueles que nela trabalhavam (Cf. Farr, 1996; Ringer, 2000).. 21. Essa liberdade acadêmica parece ter ocorrido em dois pólos: para os docentes, esta. 22. liberdade se traduziu em liberdade de cátedra, liberdade de expressão e liberdade para. 23. empreender trabalhos acadêmicos independentes das atividades docentes; para os.

(32) 32 1. estudantes, esta liberdade se materializou na possibilidade de eleição e de mudanças nas. 2. universidades (Cf. Ringer, 2000). Essas mudanças provocaram uma ruptura e um novo. 3. desenlace para o avanço do pensamento alemão.. 4. A diminuição da carga docente possibilitou um grande impulso ao. 5. desenvolvimento da pesquisa (Wissenschaft), favorecendo especialmente as ciências. 6. naturais e experimentais, particularmente a química e a fisiologia (Cf. Farr, 1996; Cf.. 7. Ringer, 2000). Concomitantemente, os trabalhos de Augusto Comte, Herbert Spencer e. 8. John Stuart Mill, realizados em outro contexto, avançavam no sentido de naturalizar,. 9. adequando de forma a-crítica e a-histórica, a análise dos eventos humanos sob a ótica das. 10. ciências físicas, abordando a história a partir das leis da evolução social, concebidas nos. 11. moldes positivistas. Entretanto, algumas questões de cunho sócio-político favoreceram a. 12. ampliação do espaço dedicado às ciências humanas, especialmente, a disciplinas como a. 13. História e a própria Teoria Hermenêutica, devido, entre outros fatores, às mudanças. 14. teóricas relativas à redefinição moderna do problema da ordem, cuja ênfase então recaia. 15. sobre o seu caráter socialmente construído (Cf. Bauman, 1991), o que estava ligado, por. 16. sua vez, à fragmentação do Estado e às preocupações da Alemanha em torno das. 17. dificuldades para a construção da sua própria história (Cf. Cohn, 1979). Daí, talvez,. 18. deriva-se o fato da imensa proliferação de historiadores alemães no século XIX.. 19. Aliado a essas inquietações em relação ao contexto histórico alemão, também. 20. uma reação negativa aos pressupostos da filosofia hegeliana e da possibilidade da. 21. metafísica e da própria filosofia em geral, reflexo do fracasso da Revolução de 1848, a. 22. famosa “primavera dos povos” (Cf. Hobsbawn, 1996), reforçou a alternativa positivista,.

(33) 33 1. por um lado, mas possibilitou, por outro, o desenvolvimento do que Gabriel Cohn. 2. denomina de um “historicismo conservador”, ou seja, uma:. 3. “(...) modalidade de pensamento que se opunha ao ímpeto racionalista,. 4. universalizante e analítico das idéias iluministas que iriam, em boa. 5. medida, alimentar o liberalismo e o positivismo de meados do século. 6. em diante. Captação, por processos irredutíveis à razão analítica, de. 7. totalidades históricas singulares e concretas, de cujo caráter orgânico o. 8. próprio estudioso é participante. Essa era a palavra de ordem do. 9. historicismo conservador, contra a busca de elementos e regularidades. 10. universais no decurso histórico, articuláveis num quadro teórico de. 11. aplicação e validade gerais; ou seja, contra o. 12. positivista” (Cohn, 1977, pp. 9-10).. ‘naturalismo’”. 13 14. Neste sentido, o confronto do modelo de cientificidade positivista vigente nas. 15. ciências naturais e a sua pretensão de estendê-lo para a análise da história e das ciências. 16. humanas em geral, com uma perspectiva de análise que a ele se contrapunha, trouxe à. 17. baila, através do embate entre a “Escola Austríaca” de economia histórica, representada. 18. por Carl Menger, e a “Jovem Escola de Economia” alemã, representada por Gustav von. 19. Schmoller, uma importante discussão em torno do método da economia histórica, o que. 20. acabou desencadeando uma série de posicionamentos nos círculos intelectuais alemães. 21. que originaram as inquietações em torno da possibilidade de cientificidade das ciências. 22. históricas e humanas e o porquê dos acadêmicos alemães partilharem a idéia da. 23. necessidade de se voltar à filosofia kantiana como uma espécie de “guia intelectual”, algo. 24. que nos livros de história da Filosofia é conhecido por um “retorno a Kant”..

(34) 34 1. O que se entende por “crise do método” (Methodestreit) encontra-se,. 2. formalmente, vinculado à crítica de Carl Menger à “jovem escola histórica” de economia. 3. alemã. Menger argumentou que havia a ausência de uma apreciação metodológica. 4. sistemática da economia política, especialmente, na Alemanha. De acordo com ele, a. 5. economia política da época caracterizava-se por uma pluralidade de métodos que era. 6. derivada da incapacidade de distinguir de forma consistente entre os preceitos da. 7. economia teórica e os métodos a serem seguidos na investigação prática das formas. 8. econômicas (Cf. Tribe, 1996). A resposta às críticas de Menger foi escrita no mesmo ano. 9. por Gustav von Schmoller. Entretanto, ainda que esse debate tenha sido bastante. 10. importante, conforme os nossos objetivos, é suficiente depreender que, de modo geral, as. 11. contendas entre Menger e Schmoller trouxeram à tona discussões anteriores empreendidas. 12. pelo pensamento econômico clássico, as quais estavam vinculadas às preocupações por. 13. saber se existem ou não leis universais de desenvolvimento econômico, ou seja, é. 14. possível, a partir da análise da formação das instituições, derivar elementos regulares. 15. relativos ao desenvolvimento da sociedade? Ou ainda, os fenômenos econômicos são. 16. resultados de desejos econômicos individuais devendo, portanto, apenas ser considerados. 17. a partir desse ponto de vista?. 18. Neste sentido, a querela iniciada entre os economistas traz à baila algumas. 19. questões fundamentais que, posteriormente, serão o alvo dos filósofos historicistas neo-. 20. kantianos alemães, antecedentes fundamentais da sociologia moderna, são eles: o. 21. problema da validade universal da teoria econômica clássica e, conseqüentemente, das. 22. teorias sociais; o problema da indução e da dedução e o papel da noção de Verstehen. 23. (compreensão) em oposição à Erklären (explicação) como o produto das inquietações em.

(35) 35 1. torno da natureza e do método das ciências históricas e da natureza. Esse debate pode ser. 2. cristalizado em torno de duas grandes questões:. 3. “a) se as disciplinas sócio-culturais devem ser consideradas ciências. 4. nomológicas – se não, elas parecem estar condenadas a um. 5. relativismo que é inconsistente em relação aos cânones básicos da. 6. ciência; b) a possibilidade de que o conteúdo dessas disciplinas deva. 7. ser fundamentalmente diferente do conteúdo das ciências naturais, isto. 8. é, embora os métodos das ciências naturais tenham sido imensamente. 9. produtivos durante o período precedente, eles podem ser utilizados. 10. com o mesmo grau de sucesso nas ciências sociais emergentes?”. 11. (Segady, 1987, pp. 41-42)3.. 12 13. Diferenciando-se do fetichismo positivista do ‘fato’ e da idéia de ciência. 14. metafisicamente absoluta, o objetivo do “neo-criticismo” ou “neo-kantismo” era enfatizar. 15. que as questões acima apenas podiam ser respondidas através do retorno à “segurança” da. 16. filosofia kantiana. Neste sentido, a filosofia, agora, deveria voltar a se preocupar com a. 17. análise das condições de validade da ciência e dos outros produtos humanos, como a. 18. moral, a arte e a religião. Em suma, o problema central é a “validade” e a “qualidade” do. 19. tipo de conhecimento em questão, ou seja, após um percurso por algumas filosofias pós-. 20. kantianas (o idealismo de Fichte, Schelling e Hegel, o realismo de Herbart, entre outras),. 21. nos termos do filósofo Otto Liebmann (1840-1912), ‘Devemos, portanto, retornar a Kant’.. 3. 1) Whether or not the sociocultural disciplines could be considered nomological sciences – if not, they appeared to be doomed to a relativism that was inconsistent with the basic canons of science; 2) the possibility that the subject matter of these disciplines might be fundamentally different from that of the natural sciences – i.e., although the methods of the natural sciences had been immensely productive during this era, could they be utilized with the same degree of success in the emerging social sciences? (Segady, Ibid, pp. 41-42)..

(36) 36 1. Tratar de “neo-kantismo” significa, inevitavelmente, retornar às famosas. 2. Escolas de Filosofia de Marburgo e Baden, ainda que o retorno à Kant não tenha sido um. 3. privilégio delas. Em relação aos dois centros, alguns nomes podem ser mencionados;. 4. contudo, esse trabalho vai se restringir a tratar dos que, em meu entendimento, são os seus. 5. principais representantes: Hermann Cohen (1842-1918) e Paul Nartorp (1854-1924) de. 6. Marburgo e Gustav Droysen (1808-1884), Wilhelm Dilthey (1833-1911), Wilhelm. 7. Windelband (1848-1915) e Heinrich Rickert (1863-1936), em Baden. As obras destes. 8. autores, além de ser as mais prestigiadas nesse movimento filosófico, são totalmente. 9. passíveis de nos apresentar aos pressupostos do neo-kantismo alemão e ao que ele legou. 10. da filosofia crítica.. 11. Algo que perpassa a lógica e a preocupação metodológica do neo-kantismo é. 12. o fato de que havia uma divisão fundamental entre as ciências naturais e as ciências do. 13. espírito. As indagações do neo-kantismo afirmam a existência de dois grupos de ciências. 14. ou de tipos de conhecimento, o que acaba por assentar as fundações de toda a tradição. 15. humanista nas ciências sociais. Entretanto, não há uma homogeneidade completa entre a. 16. perspectiva que cada autor adota, embora seja possível mencionar suposições básicas que. 17. as norteiam. Segady (1987) nos apresenta quatro principais: a) a princípio, caracterizam-. 18. se por empreender uma abordagem “transcendental”; b) enfatizam a importância da. 19. elaboração de ‘conceitos’ para o entendimento do mundo, indispensável à racionalidade e. 20. à própria transcendentalidade; c) operam sobre a suposição idealista de que o. 21. conhecimento direto de qualquer objeto não pode ser apreendido; ao invés disso, o objeto. 22. representa a primazia da razão prática sobre a razão pura e d) enquanto se enfatizava a. 23. subjetividade da consciência, eles tencionavam, focalizando o conceito transcendental de.

(37) 37 1. ‘valor’, estabelecer a objetividade das ciências sociais. Contudo, esse último pressuposto. 2. será mais evidente em Baden, visto que em Marburgo a preocupação está mais voltada. 3. para as ciências exatas, sendo, neste sentido, de pouco interesse aos objetivos do trabalho.. 4. Um dos mais conhecidos pensadores de Marburgo foi Hermann Cohen (1842-. 5. 1918). Entre tantas obras escritas sobre Kant, algumas se destacam, A Teoria de Kant da. 6. Experiência Pura (1871), O Fundamento da Ética Kantiana (1971), A Influência de Kant. 7. Sobre a Cultura Alemã (1833) e o Fundamento da Estética Kantiana (1889). Cohen,. 8. seguindo na trilha das críticas ao positivismo e à noção sagrada de ‘fato’, retorna à idéia. 9. kantiana da filosofia como a única forma de empreendimento especulativo possível de. 10. evidenciar as condições de possibilidade e de objetividade do conhecimento, e ambas as. 11. condições encontram-se não no ‘fato’, mas sim no conhecido ‘a priori’ kantiano. Para. 12. Hermann Cohen, a teoria é o ‘a priori’, é ela que torna possível esclarecer e identificar os. 13. elementos ‘puros’ do conhecimento científico. Assim, para ele, a noção de crítica em Kant. 14. diz respeito justamente em dar à filosofia o status de metodologia da ciência (Cf. Reale e. 15. Antiseri, 1991).. 16. Paul Nartor (1854-1924), da mesma forma que Cohen, considerava a filosofia. 17. uma “teoria do conhecimento”. Contudo, diferentemente de Cohen, ele estava interessado. 18. em estender o empreendimento metodológico além da experiência da física e da. 19. matemática, incluindo também a moral, a estética e a religião. Em suma, o objetivo da. 20. Escola de Marburgo era, através de uma retomada redefinida do pensamento kantiano,. 21. especialmente de sua ‘Estética’, procurar a natureza universal das leis e o modo de sua. 22. aplicação prática (Cf. Segady, 1987)..

(38) 38 1. A Escola de Baden, de certa forma, rejeita os excessivos racionalismo e. 2. formalismo de Marburgo e envereda por outros caminhos, mais próximos das ‘ciências do. 3. espírito’. A Escola de Baden foi fundada sobre a suposição de que todas as sociedades. 4. partilham uma ordem de preceitos morais, um processo histórico infundido com. 5. propósitos ideais de homem, e uma vida cultural medida por padrões universais e. 6. duradouros de valor (Cf. Willey, 1978). Neste sentido, se por um lado, a Escola de. 7. Marburgo preocupava-se em encontrar a natureza das leis universais e as possibilidades. 8. de sua aplicação, os neo-kantianos de Baden estavam preocupados com a natureza. 9. universal dos valores e com o seu significado para as análises da conduta individual. Por. 10. isso, o historicismo de Baden, geralmente, está mais associado às formulações da. 11. metodologia das ciências sociais, influenciando decisivamente as preocupações de Max. 12. Weber (1864-1920) em fundamentar um projeto epistemológico para as Ciências Sociais.. 13. Paul Ricoeur, filósofo hermeneuta contemporâneo, nos diz que a indagação central era:. 14. “(...) como pode um ser histórico compreender a história em termos. 15. históricos? (...) ao exprimir-se, como se pode a vida objetivar a si. 16. mesma e, ao objetivar-se, como revela sentidos suscetíveis de serem. 17. captados e compreendidos por outro ser histórico, que supera a sua. 18. própria situação histórica ?” (Ricoeur, 1980, p. 330).. 19 20. Os autores mais importantes de Baden foram Gustav Droysen (1808-1884),. 21. Wilhelm Dilthey (1833-1911), Wilhelm Windelband (1848-1915) e Heinrich Rickert. 22. (1863-1936). Todos, direta ou indiretamente, tiveram forte influência sobre o historicismo. 23. alemão e também sobre as inquietações em torno de “Projeto” para as ciências sociais. 24. devido, em grande medida, às discordâncias em torno da distinção entre as ciências.

(39) 39 1. naturais e as ciências do ‘espírito’. Para os neo-kantianos de Baden, o problema não se. 2. encontrava nas diferenças em relação à natureza do conteúdo dessas ciências, mas sim. 3. relacionava-se à uma questão epistemológica e, principalmente, metodológica.. 4. De fato, é em Gustav Droysen (1808-1884) que a conexão entre a filosofia da. 5. história e uma teoria da compreensão passa a ser enfocada através de sua crítica ao. 6. “individualismo” do hermeneuta romântico Friedrich Schleiermacher (1768-1834), um. 7. dos precursores da teoria hermenêutica contemporânea4. Para Droysen, a história não. 8. pode ser compreendida como a expressão pura e completa dos motivos, desejos e. 9. intenções dos indivíduos, o que colocava sérios limites ao uso da “compreensão. 10. psicológica” como método histórico (Cf. Hamlin, 1998). O significado histórico, para ele,. 11. deveria ser procurado na “consciência retrospectiva de intérpretes situados” (Cf. Warnke,. 12. 1987, p. 21), uma perspectiva de análise que já anuncia as raízes do que se entende na. 13. teoria contemporânea por “ciência social interpretativa”. Ainda que Droysen não tenha. 14. conseguido dar conta do psicologismo que criticava em Schleirmacher, embora os. 15. motivos pelos quais isto ocorreu não interesse no momento, a sua importância é atribuída. 16. especialmente à sua crença na necessidade de se dar ênfase a uma concepção de história. 17. vista em sua totalidade para que se pudessem compreender povos, culturas e indivíduos. 4 Na obra de Friedrich Schleiermacher (1768-1834), é possível identificar, a princípio, dois aspectos importantes na fundação da hermenêutica moderna, a idéia de ‘regionalização hermenêutica’ e a concepção de “interpretação” enquanto técnica de análise de discursos escritos gerais. Reali e Antiseri (1991), sugerem que o pensamento de Schleiermacher é importante devido à três razões principais: a) por sua interpretação romântica da religião, b) pelo grande redescoberta da obra de Platão, devido às traduções realizadas por ele e, por fim, c) por anunciar idéias antecipadoras do nascimento da hermenêutica filosófica contemporânea. De fato, Giovanni Vattimo nos diz que Schleiermacher foi o primeiro a teorizar com certa clareza aquilo que as teorias modernas chamarão ‘círculo hermenêutico’. Com efeito, no fundo do problema proposto pelo círculo hermenêutico encontra-se tanto a questão da totalidade do objeto a interpretar como, mais amplamente, a questão da totalidade maior a qual, em um modo que deve ser precisado e que constitui precisamente a questão de maior interesse filosófico, pertencem tanto o objeto como o sujeito da operação de interpretação (Cf. Vattimo, 1996)..

(40) 40 1. (Cf. Outhwaite, 1985), o que, gradualmente, desmembra-se em um método auxiliar na. 2. construção de uma teoria da história e da sociedade (Cf. Hamlin, 1999, p.8).. 3. Wilhelm Dilthey (1833-1911), autor de inúmeras obras relativas à fundação. 4. científica das ciências humanas e sociais, especialmente a famosa ''Introdução às Ciências. 5. do Espírito'' (1883), tinha como principal objetivo estabelecer os alicerces teóricos das. 6. Geisteswissenschaftem (as ciências humanas, ou em tradução literal, ciências do espírito),. 7. a partir de uma crítica à “razão pura” kantiana. Dilthey embarca no então neocriticismo. 8. alemão, com o objetivo de levar a problemática do criticismo ao interior das ciências. 9. histórico-sociais, sugerindo que a própria “razão pura” kantiana não é apenas. 10. conhecimento, mas também sentimento e vontade, que ela está assentada na vida. Dessa. 11. forma, rejeita a metafísica e os a prioris kantianos, considerando que todo conhecimento. 12. deve se basear na experiência porque esta é não apenas a única evidência de que as coisas. 13. existem na realidade, mas também a única maneira de se compreender as razões internas. 14. que levam os indivíduos a agir (Cf. Hamlin, 1999, p.10). Para tanto, Dilthey salientou a. 15. historicidade do pensamento, considerando-o dentro de coordenadas do tempo e do. 16. espaço que influenciam os próprios princípios por sobre os quais ele está assentado.. 17. De modo geral, a descrição da obra de Dilthey efetuada por Outhwaite (1985). 18. lembra os dois momentos que caracterizam, em parte, o pensamento de Droysen, ou seja,. 19. uma abordagem, inicialmente, individualista e psicologista5, legado talvez da noção de. 20. ''interpretação técnica'' de Schleiermacher (Cf. Gadamer, 1997) e um segundo momento, 5. Dilthey acreditava que toda a experiência humana é sempre constituída por vivências, ou seja, por experiências de caráter histórico, tendo toda ciência, do mesmo modo como toda filosofia, dever de referirse à ela. Questionando-se em relação ao modo de ter acesso não só às próprias experiências, mas também às de outras pessoas, Dilthey concebe a compreensão psicológica como a forma original de experiência nas.

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