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Rasputin, os Romanoffs, a Guerra e o povo que se ergueu contra eles, é o título completo de

uma narrativa originalmente escrita por Alex Tolstoy (1883-1945) e que a Piscatorbühne adaptou em 1927. O “colectivo dramatúrgico” acrescentou dezanove cenas ao texto original e transformou-o num documentário político. A narrativa de Rasputin desenvolve-se em torno do reino russo. Quando o único herdeiro da dinastia Romanoff, filho do Czar Nicholas II, se encontra gravemente doente com hemofilia, aparece Rasputin, um monge que diz ter tido uma visão da virgem Maria dizendo-lhe que o Czar precisava dele. Acaba por curar o herdeiro, tornando- se íntimo da família real. Uma vez detentor da sua cega confiança, consegue manipular a corte e chegar ao topo da Igreja Nacional Russa. Mas o seu comportamento suspeito e devasso acaba por levar o Czar a afastá-lo do reino. Com o despontar da Primeira Guerra Mundial é acusado de espionagem e apanhado numa trama politica, acabando por ser assassinado.

  TEXTO: ADAPTAÇÃO: ENCENAÇÃO: CENOGRAFIA: IMAGEM/FILME:

Alex Tolstoy

Gasbarra/Lania

Erwin Piscator

Traugott Müller

 

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7_Representação da cena (6) no quarto de Rasputin.

8_Representação da cena (4) dos três imperadores.

9_Representação da cena final.

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DISPOSITIVO

A peça Rasputin, os Romanoffs, a Guerra e o povo que se ergueu contra eles, foi apresentada no teatro Nollendorfplatz em 1927. Trata-se do mesmo teatro onde, no mesmo ano, a Piscatorbühne apresentou

Hoppla, estamos vivos!, portanto um teatro à italiana com palco

rotativo, como já foi referido.

O cenário desta peça é constituído por uma estrutura bastante complexa. Imaginemos uma esfera cortada a meio e colocada sobre um círculo rotativo. Essa meia esfera está dividida em várias partes, como se fossem várias “janelas”, que se vão abrindo e fechando de acordo com o local onde se passa a acção. E o palco roda, mostrando estas “janelas” em torno de toda a meia esfera. A maquinaria usada por Piscator permite que as cenas se sucedam com fluidez, sem serem necessários intervalos entre as mudanças de cena. Para melhor compreender como tudo isto funciona é necessário observar as plantas e alçados desta estrutura.

Passo a explicar como tudo se processa, usando para isso a numeração dos desenhos supra apresentados.

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1º. A parte de baixo está fechada e é projectado um filme num ecrã suspenso da cobertura amovível. (1)

2º. O quarto de Vzrubova. (2) (por baixo do ecrã referido em 1) - Depois roda no sentido contrário aos ponteiros do relógio.

3º. A taberna

(na parte superior) (3)

- Depois roda no sentido dos ponteiros do relógio.

4º. A cena dos três imperadores (na parte inferior) (4) 5º. A cena de Lenin (na parte superior) (5)

– Depois roda no sentido dos ponteiros do relógio. 6º. O quarto de Rasputin

(ocupa as duas partes em altura) (6)

– Depois roda no sentido dos ponteiros do relógio.

7º. São exibidas projecções na parte superior da superfície da esfera (fechada) (7)

– Depois roda no sentido dos ponteiros do relógio.

1,2

3

4,5

6

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8º. O Czar HQ (8)

– Depois roda no sentido dos ponteiros do relógio o tempo suficiente para fechar a “janela” e volta a rodar em sentido contrário para ser exibido um filme na superfície fechada da secção 8, e depois continua a rodar nesse sentido até ao (9).

9º. O duma

(na parte inferior) (9)

– Depois roda no sentido dos ponteiros do relógio com mais projecções na superfície fechada. 10º. O quarto de Yussupov

(na parte inferior) (10)

Segue-se um intervalo e as secções 2, 4 e 9 são alteradas para as secções 13, 11 e 12 (conforme se vê na planta da 2ª parte). O resto da meia esfera está fechada para que se projectem filmes na sua superfície. A segunda parte começa com a esfera em rotação para mostrar a primeira cena (11).

8

9

10

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11º. A Vila Rode (11)

– Depois roda no sentido dos ponteiros do relógio, e é projectado um texto na superfície (a). 12º. O palácio de Yussupov (12)

– Depois roda 180º no sentido dos ponteiros do relógio.

13º. O quarto da Tsarina (na parte inferior) (13) com um filme a ser projectado na parte superior (1)

– Entretanto o interior da secção 12 é alterado (secção 14). A meia esfera roda no sentido contrário aos ponteiros do relógio enquanto um filme e texto são projectados nas superfícies (b) e (c).

14º. O Instituto Smolny (com um filme a ser projectado acima).

A superfície desta semi-esfera criada por Traugott Müller tem uma cor prateada e revela-se muito eficaz quando os filmes são projectados sobre ela. Piscator usou três projectores e dois mil metros de filme. De um dos lados do palco aparece um calendário em filme, muito estreito, onde se podem ler notas sobre a multiplicidade de eventos da Primeira Guerra Mundial.

Às vezes os títulos eram sobrepostos aos filmes enquanto estes corriam. Por exemplo, há um filme da batalha de Somme e sobre ele aparece escrito – “Perdas – meio milhão de mortos; ganhos – trezentos quilómetros quadrados”.

11 12 (c) (b) 14 13 (c) (b)

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SIMBOLISMO

A estrutura cénica construída pretende simbolizar o mundo, como se se quisesse criar um pedaço da história mundial. Enquanto as diferentes janelas se vão abrindo e fechando, é como se estivéssemos a espreitar, de facto, para o interior do globo terrestre, assistindo aos acontecimentos que ali se relatam como se acontecessem em tempo real desde o interior do mundo. Piscator descreve este cenário da seguinte forma:

Em mim formou-se a imagem do globo terrestre (…) dentro desse meio globo terrestre fazer passar em simultâneo o que acontecia com Rasputin e o que influenciava o destino da Europa.20

As constantes projecções exibidas ao longo da peça são um dado significativo na medida em que Piscator queria que o público tivesse conhecimento de certos acontecimentos que exibe nos documentários. Há a preocupação de relacionar a peça com a realidade. Ao projectar os filmes sobre a superfície do “globo terrestre” Piscator consegue torná-los parte integrante da história. Tal como na primeira peça descrita, também nesta peça não existe o sentido ilusório. O cenário é projectado de acordo com as necessidades dramatúrgicas e “informativas” do encenador. Aqui adquire uma dimensão simbólica ainda mais presente do que em “Hoppla”. Procurando suscitar no espectador a imagem do globo terrestre, o encenador e o cenógrafo acrescentam um novo dado à narrativa, não se limitando a criar um cenário que cumpra estritamente as necessidades da acção. O próprio cenário encerra em si uma mensagem.

O facto de a peça incluir tantos personagens (quarenta) enfatiza a ideia do “globo”. Piscator quer mostrar como os acontecimentos originados por alguns homens vêm mais tarde a afectar todos os homens. Explica:

Eu queria compreender o destino como um todo, mostrando como é feito pelo homem e depois se espalha para além dele. (Daí a maquinaria, filmes, etc).21

Toda a estrutura técnica construída e a forma como ela se desloca vem apelar directamente aos sentidos dos espectadores. Piscator quer envolvê-los no drama, fundindo o espectador individual numa unidade emocional do colectivo de espectadores, transportando-os assim para o drama.

      

20Citação de Piscator in Schwhaiger, Michel. “Bertolt Brecht und Erwin Piscator, experimentelles theater im Berlim”. Vienna: Verlag Christian

Brandstatter, 2004. “Zwingend wurde in mir die Vorstellung des Erdballs (…) als Spielgerüst des Dramas der Erdball oder wenigstens eine Hälfte des Globus und die Erweiterung des Rasputin – Schicksals zur Schicksalsrevue Europas.”

21Citação de Piscator in Willet, J., Op. Cit., p.187. “I wanted to comprehend fate as a whole, showing how it is made by men and then spreads

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O cenógrafo que projectou esta complexa estrutura foi também Traugott Müller. Para executar este cenário foi novamente necessário todo o detalhe de desenhos técnicos, onde se percebesse com rigor como tudo iria funcionar. Mais uma vez, a quantidade de técnicos envolvidos na execução do cenário é imensa (tal como o número de actores) e as características específicas do seu funcionamento tornam-no dispendioso. Cada metade da meia esfera tinha cerca de 15m de largura e pesava uma tonelada.

Durante o processo de trabalho, Piscator trata todos os intervenientes como parte de um todo. Ele acreditava que o processo de trabalho tinha de ser desenvolvido pelo grupo. O encenador, o cenógrafo, o actor, o músico, todos integravam um grupo de trabalho e formavam uma equipa, sem qualquer hegemonia de nenhuma das partes. Os actores são um meio de comunicar o conteúdo do espectáculo da mesma forma que a iluminação, a cor, a música,

o cenário e o

texto. Esta atitude é reveladora de um sentido democrático no processo de trabalho que não era comum na época. Como foi referido na introdução, Piscator criou um “estúdio” onde actores, escritores, cenógrafos e todos os que pertencessem ao “colectivo”, treinavam diariamente. Lindtberg, um dos actores do “estúdio”, escreveu a propósito do processo de trabalho desenvolvido:

Há muito tempo que sou conhecido como um aluno de Piscator, e se eu não usar as técnicas que me ensinaste no meu trabalho, há algo mais valioso que adquiri na tua escola, algo que estimo e que tento transmitir: nomeadamente o principio de que devemos sempre trabalhar fora de um núcleo moral e espiritual, devemos pôr a causa primeiro e a nós mesmos em segundo, e devemos ter por objectivo não o que é eficaz mas o que é correcto.22

      

22Idem, p.120.” I’ve long been known as a Piscator pupil and if i don’t use the techniques you taught me in my own work there is something

more valuable which i got from your school, have treasured and tried to pass on: namely the principle that one should always work outwards from a moral and spiritual core, should put the cause first and one’s self second, and should aim not for what is effective but for what is right.”

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AS AVENTURAS DO BRAVO SOLDADO