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PARTE II MULHER (ES) E SUAS IMAGENS ATRAVÉS DOS JORNAIS

Capítulo 6 – Construção da imagem da mulher através dos jornais

6.2 Sobre a materialidade do jornal do século XIX – O Sexo Feminino

6.2.3 Ser mãe – a razão de educar-se

O tema da maternidade está diretamente relacionado à educação. A jornalista desenvolve um raciocínio lógico argumentativo que impele os leitores (homens e mulheres) a se convencerem de que a melhor maneira de formar bons cidadãos é através da educação das mães (mulheres). Podemos descrever a seguinte trajetória argumentativa:

i. A sociedade precisa de bons cidadãos para caminhar no progresso; ii. Somente a mãe é capaz de ensinar;

iii. Para bem ensinar, é preciso que a mãe (mulher) seja formada, instruída.

Reconhecemos aqui os componentes da lógica argumentativa, descritos por Charaudeau, ao afirmar que a relação argumentativa exige uma asserção de partida (i), uma asserção de chegada (iii) e uma asserção de passagem (ii). É importante ressaltar

que a asserção de partida “representa a legitimidade da proposta” (CHARAUDEAU,

2008, p.209, grifo do autor). Na tese de O Sexo Feminino, a capacidade materna para o ensino é o que justifica todo o restante do empenho da mulher em instruir-se.

Nas palavras da jornalista encontramos a motivação: “Mãis de família assim

formadas prepararão a mocidade que futuramente possa ornar as diversas carreiras a que póde aspirar um moço ou uma moça desde a mais alta escala social até o mais modesto

emprego official” (DINIZ, 1873, n.2, p.1). Faz-se necessário ressaltar a inserção da

mulher no mercado profissional, uma vez que a jornalista especifica (moço ou moça) para exercer uma atividade.

A importância da maternidade é também ressaltada na quinta edição, quando a

jornalista publica em seu editorial “Temos sustentado que somente a mãi é apta para

educar o filho (...) É isto de uma verdade pratica e incontestável” (DINIZ, 1873, n.5, p.1). Essa asserção a princípio indiscutível, é seguida de um questionamento tácito, que

marca o rumo argumentativo do discurso de Senhorinha: “Porém que educação póde

esperar-se da mãi de família que nem si quer sabe definir este vocabulo?” (idem). Encontra-se aqui a chave do discurso da redatora. Ela parte de uma verdade

incontestável, diante da qual nem mesmo os homens duvidam, (por tratar-se de um senso comum na sociedade) para levantar um problema que compromete a continuidade da missão da mulher mãe como educadora.

O argumento da jornalista leva os homens a reconhecerem a necessidade de investir na educação feminina. A culpabilização do sexo oposto ocorre linhas abaixo, no

editorial: “E esta grave omissão, esta falta tão sensível, esse mal tão grande a quem é

devido? É ao governo, á sociedade, aos homens – e aos paes!!!” (DINIZ, 1873, n.5, p.1). Assim, fecha-se, portanto, o ciclo argumentativo de Senhorinha. Em outra edição, a jornalista elege também um inimigo a ser combatido, conforme lemos a seguir. “Há um reducto onde traiçoiero reside o inimigo que procuramos combater; esse reducto chama-se – a ignorância da mulher; esse forte que urge metralhar é defendido pela

sciencia dos homens” (DINIZ, 1873, n.3, p.1).

Esse imbricamento de elementos em torno da educação e da maternidade leva- nos a recuperar a proposta de organização argumentativa, desenvolvida por Charaudeau. Para o linguista, o argumento desenvolve-se a partir de uma relação triangular entre sujeito argumentante, sujeito-alvo e determinada proposta sobre o mundo. Reconhecemos que a proposta da jornalista é a emancipação feminina através da educação, detalhada nas linhas seguintes:

Só há um meio de regenerar a sociedade, de mudar moralmente a face da terra, de emancipar a mulher, de salvar-lhe um futuro – é pela educação e instrucção no collegio, ou no lar domestico por pedagogos da escolha paterna, e isto emquanto não se preparão as mães de

famílias” (DINIZ, 1873, n.2, p.1).

A argumentação em torno desta tese dirige-se, pois, aos culpados pela ignorância feminina, nomeados acima: homens, governo, pais. Senhorinha Diniz assume a argumentação de tal discurso e, juntamente com o jornal O Sexo Feminino, apresenta seu engajamento em prol da emancipação feminina.

Adaptamos o modelo proposto por Charaudeau (2008) para explicar o modo de organização argumentativo presente no discurso de Senhorinha Diniz, a fim de melhor visualizar a relação triangular estabelecida no periódico.

FIGURA 10 – Referência de esquema argumentativo

- - - - - - Fonte: Quadro adaptado de Charaudeau, 2008, p.205.

A partir do esquema acima, compreendemos que é necessário haver um questionamento o e uma resposta, compreendida como o estabelecimento de uma verdade, para que o sujeito argumentante defenda sua proposta sobre o mundo. Explico melhor: se questionarmos qual a necessidade de instrução da mulher, há uma resposta tácita, assumida como verdade e sustentada por Senhorinha - somente a mãe pode educar bem os seus filhos. A partir desse argumento, a jornalista elabora discursivamente um jogo de interesses com a necessidade de seu sujeito alvo, os homens. Para eles, é importante que a sociedade se desenvolva, que cresça e tenha bons cidadãos. A solução para resolver tal impasse reside na educação da mulher. Sendo assim, a redatora pretende persuadir os homens, elencando razões para que eles, especialmente os governantes, se empenhem em promover a educação e instrução para as mulheres.

Por outro lado, é possível notar que Senhorinha lida com a oposição de seu argumento. No terceiro exemplar, de 20 de setembro de 1873, a redatora declara: “[...] o inimigo já começa a mover-se nos arraiaes contrários”. A escolha lexical usada pelo periódico corrobora a proposta da atividade discursiva voltada para a argumentação. Os arraiais contrários de onde fala o inimigo opõem-se ao lugar de onde fala a jornalista. Sob essa perspectiva, há um esforço de Senhorinha para combater o inimigo e suas ideias, quais sejam: o descuido com a educação da mulher e o descaso com relação à

A mulher só pode se emancipar através da educação

figura feminina na sociedade. Assim diz ela: “A quem se deve a nenhuma instrucção da mulher – a sua descurada educação – a sua nenhuma importância social – o grao de aviltamento a que tem sido reduzido o sexo frágil (...)? Deve-se (triste verdade) ao sexo

masculino...” (DINIZ, 1873, n.3, p.1). Esse tipo de discurso de culpabilização

construído especialmente nos editoriais ajuda-nos a visualizar a cena discursiva empreendida pela jornalista.

Para explicar o movimento argumentativo de um discurso, Charaudeau (2008) defende a busca de racionalidade e a busca de influência como dois elementos que conduzem a ação do sujeito argumentante. Segundo o linguista, a busca de racionalidade tende a um ideal de verdade para explicar os fenômenos do universo. Fácil é perceber tal empenho na fala da jornalista de O Sexo Feminino: “É problema resolvido e hoje sem a menor contestação, que somente a mulher póde com vantagem

educar a mocidade” (DINIZ, 1873, n.4, p.1).

Aliado ao poder da asserção está a estratégia usada pela jornalista: recuperar o momento sócio histórico vivido, o Iluminismo, e contrapô-lo à marginalização da

mulher na sociedade. “O seculo XIX, século das luzes, não se findará sem que os

homens se convenção de que mais de metade dos males que os opprimem é devida ao descuido, que elles tem tido da educação das mulheres...” (DINIZ, 1873, n.1, p.1). Segundo a proposta de Senhorinha, repetimos, é incoerente ao homem dizer-se iluminado pelos ideais de liberdade e igualdade do Iluminismo, se ainda desconsidera a mulher na sociedade e não investe em sua educação.

Outra forma de evidenciar a racionalidade no discurso da jornalista é através do uso do interdiscurso. O recurso à citação de terceiros como reafirmação da tese central do periódico contribui para dar legitimidade à fala de Senhorinha. Na segunda edição do

periódico, a jornalista afirma: “É tal a preponderância materna que a seu respeito Aimé Martin assim se exprime: ‘No coração maternal se nutrem o espírito dos povos, os seus

costumes, prejuízos, virtudes, e por outros termos, a civilisação do genero humano’” (DINIZ, 1873, n.2, p.2). Vemos que o pensamento do filósofo francês Aimé Martin contribui para dar sustentação à defesa da jornalista.

A necessidade de convencer o sujeito alvo leva o argumentante a construir suas estratégias para persuadir o interlocutor. O empenho de quem argumenta é “[...] compartilhar com o outro (interlocutor ou destinatário) um certo universo de discurso até o ponto em que este último seja levado a ter as mesmas propostas (atingindo o

objetivo de uma co-enunciação)” (CHARAUDEAU, 2008, p.206). Essa busca visualiza- se na fala categórica da jornalista:

Em vez de paes de família mandarem ensinar suas filhas a coser, engomar, lavar, cosinhar, varrer a casa, etc., etc., mandem-lhes ensinar a ler, escrever, contar, grammatica da língua nacional perfeitamente, e depois, economia e medicina domestica, a puericultura, a litteratura (ao menos a nacional e portugueza), a philosophia, a historia, a geografia, a physica, a chimica, a historia nacional, para coroar esses

estudos a instrucção religiosa ...” (DINIZ,1873, n.1, p.1)

Após essas considerações, esperamos ter tornado mais clara a relação triádica entre os sujeitos (alvo e argumentante) e a tese defendida por quem argumenta.