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Neste grupo encontram-se organizadas todas aquelas razões que tocam diretamente os aspectos ideológicos, políticos e filosóficos do uso do software livre.

a) Princípios que embasam o software livre - O software livre nasce como um retorno aos primórdios da informática onde os programas criados eram compartilhados com os demais. Os ideais de democratização dos saberes e do acesso, o compartilhamento dos bens culturais, de todo e qualquer saber/conhecimento produzido pelo ser humano, a criação de uma comunidade auto-sustentável tecnologicamente, a luta pela liberdade de uso, de distribuição, de alteração de qualquer programa produzido, todos essas e muitas outras são também bandeiras de diversos movimentos sociais, entidades, instituições, ONGs e de diversas empresas. Nesse sentido, o software livre é mais que uma alternativa viável para esses grupos.

b) Torna-nos partícipes de uma comunidade de solidariedade - Devido ao acesso ao código fonte, com a possibilidade de alterar, melhorar ou adaptar programas, são formadas verdadeiras comunidades em torno de determinados softwares, comunidades de colaboração e solidariedade. Poderíamos dizer que o software livre criou e gerou uma grande comunidade que abarca diversas pequenas comunidades, nichos colaborativos que são os diversos projetos de desenvolvimento. Temos, por exemplo, a micro-comunidade do software livre Mangos (www.mangosproject.org) que tem sido utilizado para “emular” o famoso jogo online de RPG (Role Playing Game), o World of Warcraft47 da Blizzard48. Ao redor desse programa existem desenvolvedores e usuários do mundo

inteiro que ajudam a desenvolver, aperfeiçoar, apontar problemas ou erros (bugs), propor as correções, traduzir materiais, criar uma documentação apropriada, desenvolver páginas web, entre outras coisas.

c) Uma comunidade autosustentável - Diferente do que acontece no mundo do software proprietário em que os investimentos, valores pagos com licenças ou royalties servem para gerar mais e mais lucros para as empresas, no mundo do software livre, havendo ou não pagamento de valores, estes servem para manter o desenvolvimento e a subsistência do próprio projeto ou programa para que venham a atender sempre mais as demandas da própria comunidade, dos “usuários finais”.

Os projetos ou desenvolvedores, sendo ajudados (dos mais diversos modos) ou financiados, podem ampliar seu nível de atuação no software, produzir softwares com mais rapidez, com maior qualidade, que se tornarão disponíveis para livre uso de toda a comunidade em todo o mundo.

47 Mais informações: http://www.worldofwarcraft.com 48

d) Inaugura um novo fórum para ação democrática - Segundo o European Working Group on Libre Software (2000, p. 13), a dinâmica do software livre e seus projetos abre espaço para que democraticamente os “usuários finais” dos softwares em desenvolvimento opinem e direcionem o próprio caminho do projeto, as prioridades, o que precisa ser feito, o que precisa ser melhorado, entre outras coisas.

e) Amplia a possibilidade de promoção de infoinclusão - O software livre é hoje a melhor alternativa para o grande número de telecentros49, pontos de infoinclusão, pontos de acesso, quiosques

e as mais diversas remodelagens de computadores que necessitem de um sistema operacional para funcionar. É inviável para muitas experiências que lutam para promover sua sustentação que, para iniciar seu trabalho, devam pagar licenças a uma empresa estrangeira e não aplicar esse dinheiro na própria experiência em curso. Muitas nem possuem esse valor. O software livre felizmente atende a todas as necessidades dessas instituições e é usado na maioria das experiências que se dedicam a essa luta. Hoje existem distribuições próprias para rodar na especificidade de um telecentro, como o Sacix (http://www.sacix.org.br), customização brasileira do Debian.

f) Sistemas operacionais ilegais - Empresas e instituições passam pelo dilema moral de possuir em suas máquinas programas não licenciados e por isso em situação criminal diante da Justiça Brasileira. São programas50 como o Photoshop CS2 (edição de imagens) que custa R$ 1.725,00, o Corel Draw

X3 (para imagens vetorizadas) que custa U$ 279,00, o MS Office 2007 Professional (pacote de escritório) por R$ 1.599,00, o MS Windows Vista Business Full por R$ 489,00, o AutoCad (programa específico para arquitetura) por U$ 799,00 e o Adobe Premiere (para edição de vídeo) por U$ 799,95.

O valor unitário de alguns destes programas pode não impressionar à primeira vista, mas quando multiplicamos esses valores por 100 computadores, 200, 1000 ou mais, os valores assustam. É um imperativo ético respeitar os direitos de propriedade constituídos por uma pessoa ou instituição. Não é admissível fazer-se uso da produção de alguém para qualquer fim que seja sem ao menos o seu consentimento. O software livre é uma real alternativa ao pagamento de licenças a essas grandes empresas.

g) A luta contra os monopólios - Uma outra razão para o uso do software livre que perpassa também o campo da economia é a luta contra os grandes monopólios hoje constituídos. Os monopólios não

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“Os Telecentros são espaços com computadores conectados à internet em banda larga, para uso público, livre e gratuito”. Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Telecentro. Acesso em: 26 jul. 2007.

50 Todos os valores foram levantados pelo site www.buscape.com.br em reais e www.amazon.com em dólares no dia

trazem nenhum bem à sociedade, nem mesmo ao próprio capitalismo e ao neoliberalismo. O monopólio desmonta o mercado e qualquer tipo de concorrência na sua área de atuação.

Usar software livre é uma forma de lutar contra esse tipo de estrutura, abrindo o espaço para que outras instituições ou empresas possam entrar em cena, seja para distribuir softwares livres, seja para customizá-los, adaptá-los às suas necessidades, desenvolver softwares livres ou oferecer suporte em algum deles.

h) Há sempre a possibilidade de “criar um novo caminho” - Este tópico, apesar de estar vinculado aos de cunho filosófico, tem estreita relação com o tecnológico. Existem momentos na história de projetos de softwares livres em que empresas tornam-se tão interessadas no projeto que decidem sustentá-lo financeiramente. Até aí, nenhum problema! O que acontece é que muitas destas empresas, por financiarem projeto, sentem-se “donas” do mesmo, sentindo-se no direito de traçar-lhe os rumos, as metas, tomar posse do projeto, retirando-o das mãos da comunidade. Um exemplo tácito e recente disso foi a encruzilhada (fork) que o projeto Mambo51 passou. O Mambo nasceu como software

proprietário criado pela empresa Miro. Em abril de 2001, teve seu código fonte disponibilizado e licenciado sob a GPL52. Contudo, em agosto de 2005, o projeto foi “entregue” à recém-criada Mambo

Foundation. Com essa transição,

[...] os desenvolvedores teriam apenas uma participação passiva e pouco representativa. Os desenvolvedores, preocupados com a integridade do projeto e com o futuro dos utilizadores, não aceitaram e criaram o Joomla 1.0, também open sourcea partir do código fonte do Mambo 4.5.253.

Esse fork só é possível graças à disponibilidade do código fonte. Qualquer projeto que venha a ser “tomado” por alguma empresa pode ser mantido livre pela comunidade que dele se afeiçoou e desenvolve. É uma motivação tanto no campo filosófico, porque não é necessário submeter-se a determinada perspectiva filosófica, quando não se concorda com ela, e tecnológica, porque há liberdade para continuar o projeto com outro viés devido ao código fonte disponível, e mais, devido a uma comunidade que compartilha os mesmos sonhos e ideais.

i) O software não devia ser proprietário - Uma última razão de cunho filosófico, segundo o resultado da pesquisa da Softex (2004, p. 21), está na resposta à pergunta realizada em uma enquete

51 O Mambo, agora conhecido por Joomla, é um gerenciador de conteúdo, capaz de criar, com incrível facilidade,

páginas da internet, adicionados inúmeros recursos desenvolvidos pela própria comunidade. Mais informações no site: http://www.joomla.org.

52 Disponível em: http://mambo-foundation.org/content/view/21/2/. 53

da pesquisa: “Quais são as suas razões para usar ferramentas SL/OS?”. Um número de 724 desenvolvedores e de 705 usuários responderam que eles usam software livre porque “o software não devia ser proprietário”.

O software, como qualquer outra produção humana, como bem defendia Álvaro Vieira Pinto, conforme apresentado no primeiro capítulo, pertence à humanidade, porque se não fossem as diversas descobertas científicas que foram compartilhadas, publicizadas, estes não teriam chegado a criar ou desenvolver inovações. É preciso percorrer diversos degraus para se chegar ao conhecimento novo, e necessariamente esses degraus foram postos, foram criados por alguém em algum momento da história humana, e por isso, sendo este saber imprescindível àquele que dele advém, não pode ser privatizado, patenteado, reservado; deve, sim, estar disponível a toda a humanidade porque a ela pertence.

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