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4 Estabilizar e Crescer: Os Dilemas do Plano Cruzado

4.2 As razões do revés: o porquê do desastre

a) A remoção das engrenagens que permitiam a propagação da inflação não erradicava a raiz do problema: A remoção dos elementos de difusão da inflação não eliminava o problema. "A simples remoção dos mecanismos de propagação não extirpava a inflação. Era preciso uma terapia de extirpação dos focos inflacionários primários, consolidando o sucesso da cirurgia." (PASTORE, 1987, p. 134). Sucede que o governo realmente acreditou na inflação zero como resultado do congelamento de preços, ignorando que "se fosse assim tão fácil acabar com a inflação a fórmula já teria sido descoberta há séculos." (SIMONSEN, 1987, p. 139). Não foram, portanto enfrentadas todas as causas da inflação, mas sim eliminado um fator inercial de aumento de preços e contidos certos elementos realimentadores do processo. Portanto, a inflação não poderia ter sido considerada vencida. Houve apenas uma trégua, durante a qual caberia calibrar melhor a localização dos alvos e partir para o combate decisivo. (AVERBUG, 2005, p. 25).

b) O diagnóstico de que a inflação brasileira seria apenas inercial estava equivocado. Ocorreu um equívoco em relação aos motivos primários que impulsionavam o processo inflacionário. E sabemos que diagnósticos equivocados tendem a produzir estratégias de ação concreta ineficazes. Podemos dizer, portanto que:

Houve um erro no diagnóstico que antecedeu a cirurgia de 28 de fevereiro. O comportamento da economia (...) era um indício claro de que a inflação não era apenas inercial. Existia um forte componente de demanda, pressionando os custos e se propagando pelos mecanismos de indexação. (PASTORE, 1987, p.133)

A eliminação da indexação era uma condição necessária, mas não suficiente para combater a inflação. "Acreditava-se que para acabar com a inflação bastava acabar com a indexação em todas as frentes. Um erro fatal. Mercados negros e ágios floresceram por toda a parte e a BP deteriorou rapidamente." (CARDOSO, 1988, p. 146)

c) Mesmo antes da introdução do Plano, a economia brasileira já estava aquecida, tornando-se temerária uma política expansionista e de abonos salariais visando a melhora do poder de compra dos consumidores. O objetivo da nova política salarial sem dúvida era bastante nobre. As medidas dinamizariam o mercado interno, aumentando as contratações do parque industrial e a produção de riqueza no país.

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Apesar das justificativas apresentadas, existe hoje certo consenso de que a determinação do abono não obedeceu a nenhum critério econômico específico, seguindo uma orientação de caráter mais político. De qualquer forma, a incidência de um abono salarial num contexto de preços congelados implica uma quebra de neutralidade distributiva, com transferência de renda entre grupos com propensões marginais a consumir diferenciadas, induzindo a um primeiro movimento de aquecimento de consumo comumente denominado de 'efeito abono . (NERI, 1991, p.101)

O aumento expressivo da demanda não foi combatido com os mecanismos mais adequados75: Era reconhecido que se o componente de excesso de demanda não fosse eliminado, ressurgiria a inflação, recriando-se a indexação no organismo econômico, para mantê-lo vivo. (PASTORE, 1987, p. 134.) Como vimos, a demanda ficou durante um certo momento simplesmente fora de controle.76 Os aumentos no salário mínimo e os abonos salariais trouxeram sementes de futuras e bruscas perturbações.77 Além disso, a Política fiscal era expansionista, incompatível com o quadro de um organismo debilitado, cujo equilíbrio interno era apenas precariamente mantido pelo congelamento de preços. O Banco Central deprimia artificialmente as taxas de juros para os poupadores, desincentivando a poupança e exacerbando o consumo.

Parte desse fenômeno se explica pela divergência, não desprezível, criada entre as inflações, medida e percebida pela sociedade. (PASTORE, 1987, p. 135.) E sabemos que na realidade, em pleno emprego, o déficit público dificilmente pode ser financiado de forma não

75"Não se pode elevar as taxas de captação sem sincronicamente produzir a elevação das taxas de juros de

empréstimos. Mesmo com taxas reais de juros negativas para os poupadores, passamos a produzir taxas reais de curto prazo muito elevadas para os tomadores finais de empréstimos. Estávamos diante de uma política que nenhuma relação guardava com a retórica do governo. Enquanto esta se desmanchava em apelos para que a população elevasse suas poupanças e que os empresários aumentassem os investimentos, aquela desestimulava ambos simultaneamente. [...] Era por esse caminho que a poupança era deprimida, exacerbando-se o consumo." (PASTORE, 1987, p. 136)

76 "O grande problema era o excesso de demanda. A demanda cresceu muito rápido e a gente não conseguia

controlar isso". SOLNIK (org.). Alex. FUNARO, Dílson; SAYAD, João; ARIDA, Pérsio; BELLUZO, Luiz Gonzaga; RESENDE, André Lara. Os Pais do Cruzado contam porque não deu certo. Porto Alegre: Book, 1987, p. 33.

77 "Nós já partimos com um aumento de salário real significativo. Evidentemente que é desejável ter aumento

salarial, mas o que não se pode é ter aumentos bruscos no salário real, porque a gente vai ter um impacto no aumento da demanda e uma pressão sobre os preços, que é exatamente o que não se quer quando se está fazendo um programa antiinflacionário (...). Então, era muito importante que se fizesse uma conversão de salários neutra". SOLNIK (org.). Alex. FUNARO, Dílson; SAYAD, João; ARIDA, Pérsio; BELLUZO, Luiz Gonzaga; RESENDE, André Lara. Os Pais do Cruzado contam porque não deu certo. Porto Alegre: Book, 1987,p. 154.

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inflacionária. Os gastos excessivos do governo completaram, portanto, o caminho rumo ao retorno da inflação78.

d) O congelamento durou demasiadamente. No projeto inicial ela duraria apenas 3 meses79. Sem dúvida, podemos dizer que seu indefinido adiamento atendia também aos interesses político-eleitorais do presidente e seus aliados na medida em que o congelamento foi extremamente popular80. A medida tinha, porém limitações importantes: Em primeiro lugar, ela atingia apenas a economia formal . Em um país como o nosso, onde a presença de circuitos econômicos alternativos paralelos é significativa, o impacto das medidas foi reduzido e os preços desalinhados. Além disso, o equilíbrio interno poderia ser imposto apenas temporariamente pelo congelamento de preços, um instrumento usado fundamentalmente para quebrar as expectativas arraigadas de inflação. Mas a economia não poderia viver eternamente engessada, e a estabilidade teria de ser gestada por um razoável equilíbrio entre demanda e oferta.

Seriam pressões facilmente absorvíveis se os níveis de demanda e oferta agregadas estivessem próximos, mas desestabilizantes se a demanda persistisse alta, porque o governo seria compelido a manter o congelamento por mais tempo, quebrando a bússola da economia: o sistema de preços. (PASTORE, 1987, p. 134)

No embalo das euforias coletivas, o governo parecia ter se esquecido de um elemento fundamental da economia capitalista: O fato de que as políticas econômicas devem respeitar as regras e sinais do mercado. Visivelmente, o desabastecimento era um sinal claro da artificialidade do congelamento. O governo, porém optou por aquilo que Simonsen chamou de tática do avestruz : se os sinais lhe eram desfavoráveis, que se extinguissem os sinais. Se há ágios, que eles não se computassem nos índices de preços." (SIMONSEN, 1987, p. 139) e) Houve várias distorções na política de preços. Quando em fevereiro de 1986 os preços foram congelados, a estrutura de preços relativos não estava ajustada. Antevia-se, pois o

78"Uma crítica que com justeza se fará à execução do Plano Cruzado refere-se a seu descompromisso com o

controle do déficit público e à expansão monetária." (BACHA, 1988. p. 11).

79 "Achávamos que um congelamento curto não seria muito danoso. O diabo é que os 3 meses viraram 11 e deu

no que deu . SOLNIK (org.). FUNARO, Dílson; SAYAD, João; ARIDA, Pérsio; BELLUZO, Luiz Gonzaga; RESENDE, André Lara. Os Pais do Cruzado contam porque não deu certo. Porto Alegre: Book, 1987, p. 90.

80 O congelamento de preços transformou de meio em fim, em parte porque nossos heterodoxos se

deslumbraram com sua popularidade, em parte porque o Cruzado se transformou de projeto econômico em plano eleitoral para 15 de novembro de 1986. Essa mudança de concepção realmente foi a sentença de morte do Cruzado como projeto digno de respeito. Até porque para congelar os preços não é preciso reunir uma plêiade de PHDs" (SIMONSEN, 1987, p.138)

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surgimento de pressões inflacionárias quando começasse o realinhamento de preços relativos. (PASTORE, 1987, p. 134) Um congelamento para dar certo, precisa ser estabelecido de forma minimamente coerente, em sintonia com os ditames e impulsos do mercado. Como vimos, não foi o que aconteceu.

f) A desindexação da economia não foi total: Apesar das nobres finalidades (proteger o poder de compra dos trabalhadores) o gatilho salarial acabou reintroduzindo e agravando a indexação. Podemos dizer, portanto que:

A desindexação da economia não foi plena, tendo permanecido indexadas as contas de caderneta de poupança, PIS/PASEP e FGTS e sendo permitidas cláusulas de indexação vinculadas à OTN para contratos de prazo superior a um ano. Entretanto a modificação mais importante refere-se à política salarial. Além de serem restabelecidos os reajustes anuais, foi instituído o mecanismo de escala móvel para correção dos salários (...). Foi substituída, portanto, a indexação salarial com periodicidade fixa pela indexação com periodicidade endógena. Ou seja, quanto maior a inflação, menor a extensão do intervalo de reajuste. Logo, na hipótese de ocorrência de choques de oferta desfavoráveis, o sistema torna-se instável, tendendo à hiperinflação. (MARQUES, 1988, p. 115).

Portanto, nem mesmo uma das medidas mais básicas dos planos ditos heterodoxos (a desindexação) foi plenamente colocada em prática.

g) A manutenção do câmbio fixo de fevereiro até novembro foi excessiva: A medida (que também seria provisória, mas que acabou sendo protelada) contribuiu para que as contas externas se deteriorassem tornando mais crítica a crise fiscal do Estado. Apesar das recomendações em contrário, o governo teimou em manter o câmbio fixo81.

h) Como na época havia um grau de estatização da economia elevado, seria importante que os preços das tarifas públicas fossem corrigidos seguindo pelo menos os mesmos padrões da iniciativa privada. Ocorre que houve uma [...] defasagem nos preços públicos no momento do congelamento, o que piorou a situação fiscal do governo" (VILELA et al, 2005, p. 129). i) O objetivo central do Plano era irreal: O objetivo dos idealizadores do Cruzado não era a alcançável e realizável meta de controlar a inflação. Seu objetivo central era

81 "O Governo recusava-se a uma desvalorização maior e mais rápida do cruzado por outras razões. Primeiro,

porque faria o risco de emergir o resto do iceberg do déficit que está abaixo da linha da água: as dividas externas de todos os níveis. A segunda, porque para que uma desvalorização cambial seja efetiva, requer uma elevação doméstica dos preços de todos os bens transacionados no mercado internacional, que é a única forma que permite a elevação do excesso de oferta exportável e a diminuição do excesso de demanda importável" (PASTORE, 1987, p. 136).

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[...] eliminar a inflação, era atingir uma taxa zero de inflação. [...] E esta foi a principal razão porque não conseguiram corrigir os desequilíbrios nos preços relativos presentes no dia do congelamento. Numa economia que apresentava graves distorções, dívidas e instabilidades essa meta se tornava muito mais difícil de ser atingida. (PEREIRA, 1988, p. 54).

Até hoje, discute-se se um índice de inflação zero seria sequer desejável em uma economia de mercado. Mesmo após o Plano Real e a estabilização da economia este índice (de inflação zero) não foi alcançado. Além disso, ao tentar combinar crescimento econômico, taxa zero de inflação e distribuição de renda o Plano colocava em seu horizonte político objetivos louváveis, mas dificílimos de serem alcançados de forma combinada e simultânea.82 j) A partir de um certo momento, foram priorizadas questões de natureza eleitoral: Sendo as medidas expansionistas extremamente populares, o governo temia que mudanças recessivas pudessem retirar os dividendos políticos tão importantes naquele momento em se aproximavam as primeiras eleições livres em mais de vinte anos. "A demora em primeiro diagnosticar o excesso de demanda e depois agir de forma incisiva, realinhando preços e elevando impostos, só pode ser explicada pelo temor em perder o apoio da opinião pública, além da paralisia imposta pela proximidade das eleições". (MORAES, 1990, p. 50). A politização excessiva dos problemas tornava mais difícil a necessária reflexão serena e equilibrada sobre os fenômenos enfrentados. O voluntarismo característico deste tipo de conduta acabou prevalecendo, em diversos momentos, em termos de política econômica.83 k) Havia uma diversidade política e ideológica imensa entre os integrantes das diversas instituições do Estado: Assim, grande parte das inconsistências internas do Plano Cruzado foram frutos, em grande parte, da fragilidade dos vínculos políticos dos economistas heterodoxos e da heterogeneidade ideológica dos integrantes da equipe econômica do governo. Raras vezes, o governo atuou de forma politicamente coesa. Rachas, fissuras e

82 "No Cruzado, se tentou de tudo: Crescimento rápido, distribuição de renda e combate à inflação. Meu

argumento é que se devem concentrar os esforços no combate à inflação. Porque, primeiro, tentar fazer os três juntos vai falhar nos três. Segundo, porque se a inflação é, conforme eu penso um grande mal para os trabalhadores, derrotar a inflação por si só já é uma coisa fantástica . SOLNIK (org.). FUNARO, Dílson; SAYAD, João; ARIDA, Pérsio; BELLUZO, Luiz Gonzaga; RESENDE, André Lara. Os Pais do Cruzado

contam porque não deu certo. Porto Alegre: Book, 1987, p. 33.

83 "A arte da boa condução econômica é esticar ao máximo o limite da esfera técnica de decisão. Há um ponto

além do qual as decisões são políticas. Mas, não se sabe a priori qual é o ponto. É preciso esticar a racionalidade técnica ao seu limite [...]. O que foi feito no Cruzado foi justamente o contrário. Começou-se do imperativo político e se deixou para a racionalidade instrumental só o resíduo do processo decisório. Isso é um erro [...]. Essa politização excessiva levava a que se sublinhassem aspectos de vontade: daqueles que colaboraram com o Plano contra aqueles que são traidores do Plano. [...] A economia não se presta ao jogo de vontades. Tem a sua lógica própria . SOLNIK (org.). FUNARO, Dílson; SAYAD, João; ARIDA, Pérsio; BELLUZO, Luiz Gonzaga; RESENDE, André Lara. Os Pais do Cruzado contam porque não deu certo. Porto Alegre: Book, 1987p. 128.

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vozes dissonantes atravessaram a administração Sarney, a ponto de paralisar a política econômica em alguns momentos.

l) Segundo depoimento de João Sayad, uma razão fundamental para o Plano não ter dado certo, foi que "não tínhamos uma lei salarial. [...] Os trabalhadores nunca foram chamados a discutir. [...] Precisávamos ter tido uma lei salarial. Precisávamos de um pacto com os trabalhadores 84. A idéia de formação de um amplo pacto social já havia sido levantada pelo governo como forma de articular uma base social sólida de apoio ao Plano e socializar os sacrifícios necessários para a almejada estabilidade. O projeto, porém, não foi levado adiante. m) A forma autoritária e excludente com que o Plano foi implementado certamente contribuiu para torná-lo mais suscetível a equívocos. Isso porque a ausência de debates públicos e de transparência alimentou o messianismo, o voluntarismo e o tecnicismo dos donos do poder. Apesar de entendermos que um choque heterodoxo daquela natureza em geral pede uma intervenção mais abrupta e desavisada85, acreditamos, porém que um diálogo mais transparente, público, negociado e participativo com a sociedade civil poderia minimizar os laivos voluntaristas e autoritários embutidos no programa. A falácia do "discurso competente" como vimos, foi internalizada por aquelas lideranças e suas ações passaram a ser pautadas com base no princípio de que a economia se sujeitava a vontades. n) Não foi levada em consideração a cultura econômica da população: A economia de mercado se fundamenta na prática e na massificação do consumo. Devido ao histórico processo de concentração de renda e exclusão social, grande parte da sociedade brasileira está "sub-inserida" no mercado consumidor, participando apenas marginalmente das engrenagens econômicas do sistema. Diante deste contexto, a diminuição das taxas de juros combinada com abonos salariais e congelamento de preços, levou a uma incontrolável explosão da demanda. Se em outras sociedades com um histórico menos segregacionista, medidas similares como essas não tiveram efeito tão perturbador, o mesmo não pode ser dito em relação ao que se verificou na economia brasileira naquele momento. Uma demanda historicamente reprimida se viu repentinamente e de forma parcial liberta de seus tradicionais entraves e constrangimentos. Ainda que de forma caótica e instável, segmentos sociais menos favorecidos participavam mais diretamente das benesses da sociedade de consumo. Uma população sem hábitos culturais relativos à poupança e ao investimento se viu com seu poder

84 SOLNIK (org.). FUNARO, Dílson; SAYAD, João; ARIDA, Pérsio; BELLUZO, Luiz Gonzaga; RESENDE,

André Lara. Os Pais do Cruzado contam porque não deu certo. Porto Alegre: Book, 1987, p. 26. (Grifo nosso)

85 Caso contrário, os empresários e lojistas poderiam simplesmente reajustar seus preços nos dias anteriores ao

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de compra aumentado, num momento em que os preços congelados e os discursos oficiais escamoteavam as distorções, alimentando os gastos, as vendas e os dispêndios.

o) O aumento da demanda não foi seguido de um crescimento similar da produção: Apesar de estar previsto pelo Plano, o alardeado novo padrão industrial baseado no aumento da tecnologia agregada, na inovação e num aumento expressivo da produtividade jamais foi implementado. Apesar da expressa vontade política do presidente e de sua equipe, fatores estruturais entravaram a consolidação efetiva da proposta. Mais uma vez, os setores de recursos humanos e infra-estrutura principalmente cobraram o preço de décadas de descasos e negligências.

Esses são em síntese, os principais motivos que visualizamos para explicar o fracasso do Plano em controlar a inflação e o colapso dos principais indicadores macroeconômico. À medida que o ano de 1986 dava lugar a 1987, os indicadores negativos se acumulavam, destruindo a popularidade do presidente e reacendendo os debates sobre as raízes estruturais da inflação.

Em conseqüência da desaceleração da economia a partir de 1986 ocorreu um resfriamento do mercado de trabalho. Por outro lado, o recrudescimento da inflação em patamares mais graves corroeu os ganhos salariais obtidos anteriormente, destruindo o poder de compra do consumidor. Os próprios mecanismos redistributivistas do programa pareceram ilusórios e de curto prazo86, apesar das nobres intenções do governo. Em 1987 o indicador de Gini voltou a crescer após a queda experimentada no ano anterior87.

TABELA 21: Variações do Coeficiente de Gini- Brasil: 1981-1990 Ano Coeficiente de Gini

86 Vários indicadores apontaram melhorias na renda real dos assalariados mais pobres, logo após fevereiro de

1986. Imediatamente alardeou-se que a sociedade brasileira havia logrado como conquista definitiva, atenuar a concentração de renda. Na verdade, tratou-se de uma conclusão precipitada, pois não ocorreram câmbios estruturais que atribuíssem sustentabilidade à amenização da iniqüidade social. Ao final, comprovou-se que a consistência de um processo de redistribuição de renda depende de mobilização social e política muito mais profunda do que os fenômenos de 1986. De qualquer maneira, houve intenção de proteger as classes menos favorecidas na incidência dos custos de implementação do Plano Cruzado. (AVERBUG, 2005, p. 26).

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1981 0,584 1982 0,591 1983 0,596 1984 0,589 1985 0,598 1986 0,588 1987 0,601 1988 0,616 1989 0,636 1990 0,614

Fonte: Dados retirados do site www.ipeadata.gov.br

GRÁFICO 13: As variações do Coeficiente de Gini de 1981 a 1990

Fonte: Variação dos indicadores de Gini. Elaborado pelo autor a partir das informações retiradas do site www.ipeadata.gov.br

Consolidava-se a perspectiva de um revés em praticamente todas as frentes. As inúmeras melhorias do Plano se revelaram fugazes, conjecturais, episódicas. Perderam-se rapidamente diante do caos da hiperinflação e da instabilidade global do sistema. O presidente Sarney que há pouco, contava com um dos mais elevados índices de aprovação popular da história do Brasil, passava para o extremo oposto. Ao concluir seu mandato, não sem antes fracassar em novas tentativas infrutíferas de controlar a inflação, o índice de pessoas que o aprovavam era um dos menores registrados. Após tantos fracassos tão flagrantes ficava difícil inclusive visualizar os pontos positivos que sua política econômica inegavelmente teve. Os pontos fracos, que antes poucos viam, vieram a tona e ofuscaram completamente qualquer virtude da política presidencial. A memória coletiva sobre o período

0.58 0.59 0.6 0.61 0.62 0.63 0.64 1980 1981 1982 1983 1984 1985 1986 1987 1988 1989 1990 1991

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em questão passou a ser profundamente maniqueísta. Perdia-se assim a dimensão reflexiva sobre o Plano, a análise mais serena de suas ambiguidades, potencialidades e limitações88.

Ao longo dos anos 1990, a inflação foi controlada. Porém, a um custo social sem precedentes na história do Brasil.89 FHC colocou em prática um bem sucedido Plano de estabilização econômica. Sentiu-se, porém a ausência de um programa de desenvolvimento90. Assim, um dos legados mais importantes do Plano Cruzado foi justamente agregar experiências reais ao pensamento econômico brasileiro, contribuindo para as futuras intervenções.

Além disso, apesar de todos os problemas e contradições visíveis da política

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