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A RBEP E A PESQUISA EM EDUCAÇÃO ESPECIAL

CAPÍTULO 3 ELEMENTOS ANTECEDENTES DA CONSTITUIÇÃO DO CAMPO

3.3 A RBEP E A PESQUISA EM EDUCAÇÃO ESPECIAL

A Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, fundada no ano de 1944, constitui-se um veículo de produção e publicação de conhecimento importante, tendo sido uma das pioneiras no campo da Educação no Brasil. Diversos pesquisadores85 a têm usado como fonte para

realização de levantamentos nas mais variadas áreas, e, por isso, consideramos elemento fundamental na constituição do campo acadêmico da Educação Especial no Brasil, tendo em vista que os periódicos especializados no campo surgiram somente a partir da década de 1990. Considerada, inicialmente, como um meio de propagação da estrutura que a gerou, a produção e o acesso às publicações da RBEP pelos agentes do campo acadêmico influenciaram e influenciam diretamente na constituição do habitus do campo acadêmico da Educação Especial. Sob a tutela do Inep, criado em 1937, e considerada publicação oficial do MEC, a partir de 1944, a RBEP surgiu, originalmente, na intenção de divulgar as pesquisas nas áreas de biologia, psicologia e sociologia educacional, todavia, transformou-se, posteriormente, num símbolo da divulgação científica, abarcando pesquisas de diversos âmbitos e áreas.

Saviani (2012) fez uma análise histórica do Inep e sua relação com a RBEP, verificando que o primeiro número foi lançado no dia 1 de julho de 1944, pelo ministro Gustavo Capanema, constituindo-se a revista como porta-voz do Inep-MEC.

No período final da década de 1970 e o início da de 1980, o Inep passou por transformações significativas86, fazendo com que a revista adquirisse maior autonomia na divulgação do conhecimento científico, ao incorporar-se aos Programas de Pós-Graduação, que

85Castro (1984); Rosas (1984); Lorenz (1984); Gatti (1987; 2012); Alvarenga (2000); Fernandes (2000); Bragança (2001); Rothen (2005); Almeida (2012); Andre (2012); Bontempi (2012); Cunha (2012); Santos (2012); Saviani (2012); Severino (2012); Santos (2012); Silva (2012); Souza (2012); e Velloso (2012).

iniciavam seu desenvolvimento no Brasil. O movimento efervescente dos educadores, aliado à realização das primeiras Conferências de Educação no Brasil organizadas pela ANPEd, Andes e Cedes, traduz o cenário da revista e suas produções na década de 1980. A RBEP passou por um longo período (até o número 146, no ano de 1983) sem a composição de um corpus científico. A comunidade acadêmica passa a colaborar com as produções científicas no momento em que

a década de 1980 assistiu a um revigoramento dos debates Educacionais e do movimento dos educadores, como se pode constatar pela realização das Conferências Brasileiras de Educação organizadas pela Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd), Associação Nacional de Educação (Ande) e Centro de Estudos Educação & Sociedade (Cedes), entidades representativas dos educadores instituídas no final da década de 1970. E é justamente nesse período que a Rbep se abre para a comunidade acadêmica. Com efeito, até o nº 146, o caráter dominante da Revista era o de órgão oficial que se dedicava à divulgação das políticas, projetos e ideias do MEC. Nessa condição, a Rbep era composta com material elaborado ou solicitado pelos próprios dirigentes do Inep. A partir do nº 147, de maio/ago. 1983, ela passa a receber colaborações oriundas dominantemente da comunidade acadêmica, apresentando as normas de publicação e contando com a colaboração de consultores para avaliar os textos recebidos. (SAVIANI, 2012, p. 310).

A RBEP foi atingida pelos acontecimentos sociais que geraram grande impacto nos diversos campos da sociedade brasileira, dentre esses a transição do período da ditadura e período de redemocratização. Desde 1944 (ano de seu surgimento) até 1971 (marcado pela morte de Anísio Teixeira87), a revista passou por períodos de transição, culminando na suspensão de suas atividades no período de abril de 1980 a abril de 1983. Quando mudou sua sede do Rio de Janeiro para Brasília, e sua biblioteca doada a UERJ, suas publicações ficaram inviabilizadas o que gerou uma lacuna em sua linha do tempo histórica. Nessa fase, a revista passou a dividir seu espaço com outras revistas que adentraram o campo científico brasileiro, ocasionando “perda de liderança” e “redução de sua influência”, evidentes com a publicação do Qualis 2012, que concedeu conceito A1 para a Cadernos de Pesquisa, da Fundação Getúlio Vargas; Educação & Sociedade do Cedes; e Revista Brasileira de Educação, enquanto a RBEP recebeu Qualis B1. Saviani (2012, p. 317) não considera esses aspectos negativos e afirmou que esse processo “revelou o desenvolvimento da área, adensamento da produção e sua

87 “O educador baiano Anísio Teixeira é chamado para assumir o Inep após a morte prematura de Murilo Braga em acidente aéreo. Teixeira deixa a Campanha de Aperfeiçoamento de Nível Superior (Capes), que organizou para o Ministério da Educação, além de idealizar e engajar os estados em duas ações nacionais: a Campanha de Inquéritos e Levantamentos de Ensino Médio e Elementar (Cileme) e a Campanha do Livro de Didático e Material de Ensino (Caldeme). Na posse, Anísio Teixeira sintetizou a ideia que guiaria a trajetória do Inep: “fundar, em bases científicas, a reconstrução educacional do Brasil”. (INEP, 2020).

complexificação”, no sentido de ampliar os limites das publicações científicas a outras revistas especializadas em Educação.

Os períodos de instabilidade da RBEP foram recorrentes também na década de 1990, com a ameaça de extinção do Inep, durante vigência do mandado de Fernando Collor de Mello88. Durante essa década e a de 2000, a revista repercutiu uma série de produções científicas, caracterizadas por analisar aspectos da realidade social. Em 2005, em comemoração aos seus 60 anos89, foram organizadas duas seções intituladas “Memórias da Educação” e “Leituras da Rbpe”, das quais participaram o então ministro da educação Fernando Haddad, além de intelectuais representativos do campo da Educação, como: Fernando de Azevedo, Jayme Abreu, Anísio Teixeira, Florestan Fernandes, José Querino Ribeiro, Paulo Freire e Lourenço Filho, além de dois artigos sobre a memória da revista, do autor José Carlos Rothen. (SAVIANI, 2012).

As produções sobre Educação Especial, do período de 1944 a 196090, publicadas na

RBEP, evidenciaram as condições histórico-políticas da Educação Especial, apontadas por Mendes (2010), Mazzotta (2011) e Jannuzzi (2012). A partir de 1986, as produções sobre essa temática ganham status acadêmico, com publicação de textos cujos autores eram pesquisadores representativos do campo.

Mesmo sendo o ano de 1983 o período indicado por Rothen (2005) e Saviani (2012) como o que marcou a definição da RBEP como revista científica, com Conselho e Comitê Editorial e avaliação de Consultores ad hoc, verificamos maior representatividade nas produções científicas sobre Educação Especial na RBEP a partir de 1985/1986, com maior ênfase na década de 1990. Podemos inferir que os textos publicados nas revistas de Educação existentes no Brasil e na RBEP, no período de 1893 a 1983, refletiam produções alinhadas às concepções políticas vigentes na época.

Em relação à autoria das produções sobre Educação Especial na década de 1940 na RBEP, pudemos perceber: a) a presença de professores (as) como autores dos textos, mesmo sem conhecimento específico voltado à pessoa com deficiência; b) publicações de textos traduzidos de autoria estrangeira; c) uso recorrente dos temos “anormais”; e d) predominância no tratamento de temas voltados à vertente médico-pedagógica.

88 Período de 15 de março de 1990 a 02 de outubro de 1992. 89 Cuja data completou-se no mês de julho de 2004.

As produções da RBEP referentes à Educação Especial, publicados na década de 1950, apontavam para:

a) discussões acerca do problema da anormalidade;

b) prevalência de produções sobre o tema “deficiência mental”;

c) produções voltadas ao aspecto educacional, com temas voltados ao aspecto didático- metodológico;

d) evidencia-se a compreensão da formação de professores como importante para atendimento e ensino;

e) destaque para a produção referente aos modelos estrangeiros de ensino; f) uso dos termos “anormal” e “excepcionais” de forma recorrente;

g) exposição de textos científicos produzidos pela intelectual Helena Montessori, responsável pela divulgação da Educação Especial e de métodos de ensino específicos voltados às pessoas com deficiência.

Não aparecem, na RBEP, produções na década de 1960, embora tenha sido um período importante para a Educação Especial, com a promulgação da LDBN (BRASIL, 1961). Na década de 1970, mais especificamente em 1972, foi publicada uma edição completa da revista (n. 127, v. 58) com temas voltados à Educação Especial. Nota-se novamente a presença da perspectiva médica, aliada ao atendimento especializado, com fortes referências à medicina, psicologia e psicopedagogia, apontando a vertente psicopedagógica (JANNUZZI, 2012). Destaca-se tambéma preocupação com a formação de profissionais e atendimento especializado voltado aos “supernormais” ou “bem-dotados”. Nessa edição da revista, surgiu uma discussão voltada aos aspectos do direito dos deficientes, evidenciando-se temas sobre política de Educação Especial. Esse período foi determinante para a Educação Especial, no tocante à ampliação de leis, ao surgimento de curso de graduação e Pós-Graduação em Educação e do Programa de Pós-Graduação em Educação Especial na UFSCar.

A década de 1980 foi marcada por produções da comunidade científica voltadasà Educação Especial, mais especificamente a partir dos anos de 1985/1986. Com o advento da Constituição Federal (1988); Estatuto da criança e do adolescenteBRASIL, 1990); LDBN (BRASIL, 1996); e a expansão das leis nacionais e internacionais voltadas à Educação Especial, evidenciou-se a interface entre as áreas de saúde e educação, com temasvoltados à deficiência mental, deficiência auditiva e aos aspectos teórico-metodológicos na Educação Especial.

Em relação à interface entre saúde e educação, na Educação Especial, relembramos que os primeiros movimentos sociais, as primeiras publicações nacionais voltadas ao campo, a

influência ao estabelecimento do seu primeiro paradigma deve-seà área da saúde, mais, especificamente, à Medicina. No decorrer de sua trajetória histórica, obervam-se modificações de seus paradigmas, ocorrendo, todavia, a permanência e o fortalecimento da referida interface, contando também com a inter-relação de novas subáreas ou áreas de especialização da sáude, como por exemplo, psicologia educacional e fonoaudiologia educacional.

O surgimento do Programa Nacional de Saúde Escolar, conforme Despacho nº 12.045 de 2006, publicado no Diário da República nº 110, de 7 de junho, tendo como finalidades a promoção e a proteção da saúde e prevenção da doença na comunidade educativa e o apoio a inclusão escolar de crianças com necessidades de saúde e educativas especiais (BRASIL, 2006), pode ter sido um dos fatores influenciadores da permanência e do fortalecimento da interface entre saúde e educação, com repercussão na Educação Especial.

As produções da RBEP, na década de 1990, forneceram indicadores científicos na Educação Especial, voltados à mudança do paradigma da Integração para o paradigma da Educação Inclusiva. A partir do documento “Declaração de Salamanca” (BRASIL, 1994), ampliam-se as pesquisas voltadas a: política inclusiva, discussões acerca da inclusão/exclusão; produções voltadas a métodos que buscavam viabilizar a Educação Inclusiva; discussões acerca da nomenclatura empregada e formação de professores.

Na vigência da década de 2000, a RBEP publicou produções científicas que ampliaram as discussões referentes à Inclusão e à Educação Inclusiva, por meio destes temas: inclusão/exclusão; normalidade/deficiência; concepção de professores; ensino superior; políticas inclusivas e afirmativas; programas governamentais; métodos de ensino; além de temas voltados à área de saúde, especificamente.

Notadamente havia pouca representatividade de agentes do campo científico e universitário na produção de textos na RBEP até a metade da década de 1980. Os textos publicados eram usados na disseminação de conteúdos enriquecidos de poder simbólico por meio da estrutura política vigente. Apenas posteriormente, com o advento dos cursos de Graduação e Pós-Graduação nas áreas de interface em saúdee educação e, do Programa de Pós- Graduação em Educação Especial, é que expandiram-se as publicações dos agentes do campo acadêmico, que contribuíram significativamente para o rompimento com o senso comum, ampliando o acesso a publicações do campo acadêmico.

Na sequência, apresentamos a análise dos dados referentes aos elementos que indicam a constituição do campo específico. A articulação dos dados referentes aos elementos

antecedentes e constituintes fornecerão subsídios para caracterização do campo acadêmico da Educação Especial no Brasil.