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4 A efervescência da Psicologia no debate sobre o DSD

4.3. As reações à resolução do CFP

Destaca-se que a resolução n.10/2010 vem repercutindo negativamente até os dias atuais e o Conselho tem sido alvo de muitas críticas, principalmente por parte da categoria profissional da qual é o principal representante.

Manifestando repúdio às resoluções do CFP, a Sociedade Brasileira de Psicologia (SBP) e a Associação Brasileira de Psicoterapia e Medicina Comportamental (ABPMC) publicaram nota no seu sítio eletrônico, no dia 25 de agosto de 2010, na qual proferem:

A Sociedade Brasileira de Psicologia (SBP) e a Associação Brasileira de Psicoterapia e Medicina Comportamental (ABPMC) vêm a publico colocar a opinião de pesquisadores, professores, alunos e profissionais de Psicologia que não foram ouvidos pelo Conselho Federal de Psicologia quando baixou três resoluções, no mês de Julho de 2010, que tratam de atividades desenvolvidas pelos psicólogos jurídicos (NOTA DE REPÚDIO ÀS RESOLUÇÕES DO CFP, SBP; ABPMC, 2010).

Em seus argumentos, a SBP e a ABPMC alegam que o CFP está prejudicando a atuação do psicólogo jurídico brasileiro, ferindo inclusive legislações anteriores, a exemplo da resolução do Conselho que institui a especialidade da psicologia jurídica. Ainda de acordo com a SBP e a ABPMC, as resoluções que regulamentam a atuação do psicólogo jurídico estão fundamentadas em uma única base teórica. “[...] Mesmo fundamentando a atuação deste profissional em uma única abordagem o CFP determina que deva haver liberdade de escolha teórico-metodológica na atuação do psicólogo jurídico”.

Sobre a resolução n.8/2010, que versa sobre a atuação do perito e do assistente técnico no Judiciário, a SBP e a ABPMC alegam que:

O art 7 da resolução demonstra o total desconhecimento do CFP quanto aos procedimentos do psicólogo jurídico. O psicólogo jurídico faz a avaliação solicitada pelo juiz ou outros operadores da lei, devendo dar um parecer. Sempre quem decide é o juiz, que acata ou não o parecer do psicólogo. Dar um parecer ao final da avaliação informa a qualidade do trabalho realizado, da mesma forma que um médico faz uma série de exames para ao final informar o diagnóstico do paciente. Seria incompleto o trabalho do psicólogo que após longo estudo desse um parecer inconclusivo, como quer o CFP (NOTA DE REPÚDIO ÀS RESOLUÇÕES DO CFP, SBP;ABPMC, 2010).

Quanto à resolução sobre a prática do psicólogo no sistema prisional, proferem:

Vários itens do art 1º impõem ao profissional uma única abordagem teórica como forma de atuar na área. Muitas publicações científicas enfatizam a análise do processo individual de aquisição dos comportamentos infratores e antissociais e a necessidade de desenvolvimento de programas de atendimento do interno intramuros para que seja exitosa a reinserção do preso ao meio social (NOTA DE REPÚDIO ÀS RESOLUÇÕES DO CFP, SBP; ABPMC, 2010).

A SBP e a ABPMC argumentam, no documento, que o CFP demonstra mais uma vez não ter conhecimento a respeito de dados científicos, caminhando na contramão dos avanços da ciência psicológica.

Sobre a resolução n.10/2010, que se refere à escuta de crianças e adolescentes em situação de violência, fazem críticas à medida tomada pelo órgão de classe de proibir a atuação do psicólogo na função de inquiridor. Proferem que nem sempre o psicólogo deve ouvir, em um estudo psicológico, todas as pessoas envolvidas na questão a ser analisada, sobretudo quando se trata de casos de abusos sexual contra crianças ou adolescentes.

Conforme expõem a SBP e a ABPMC, a escuta ao suposto abusador pode colocar em risco a segurança do psicólogo, visto que o profissional poderá sofrer ameaças caso o relatório psicológico não lhe seja favorável. Ainda a esse respeito, alegam que o acusado costuma negar a ocorrência da violência, não acrescentando nenhuma informação nova ao estudo.

A SBP e a ABPMC questionam a menção que o CFP faz ao sigilo profissional nos casos de violência sexual infantil. No que tange à relação entre a Psicologia e o Direito e à subordinação técnica do psicólogo no Judiciário, discorrem: “[...] ainda que seja louvável a defesa da independência do psicólogo, a resolução parece desconhecer a hierarquia do Sistema Judicial, sendo que tal hierarquia não precisa ser sinônimo de submissão ou de desrespeito de especificidades e princípios éticos de cada profissão”.

Na nota de repúdio, ressaltam que a vedação à participação do psicólogo como inquiridor se deu de modo arbitrário, apontando que o órgão de classe desconsiderou manifestações importantes sobre o assunto de pesquisadores brasileiros renomados.

O CFP ignorou diversas manifestações de psicólogos em encontros de classe, como o Seminário de Psicologia Jurídica ocorrido em novembro de 2008 em Curitiba, o I Simpósio Sul Brasileiro de Psicologia Jurídica em Porto Alegre em abril de 2009 e o I Simpósio Internacional Culturas e Práticas Não-Revitimizantes de Tomada de Depoimento Especial de Crianças e Adolescentes em Processos Judiciais, que aconteceu em Brasília em agosto de 2009. Nesse último evento, houve a presença de inúmeros profissionais da área, tanto do Brasil como de outros países, que chegaram a um consenso sobre a importância de um investimento no desenvolvimento de técnicas apropriadas à escuta de crianças. Encontravam-se presentes os representantes do CFP, que demonstraram desprezo pelos resultados e procedimentos expostos por pesquisadores estrangeiros convidados. A representante do CFP chegou a dizer que não estava ali para discutir procedimentos e sim para fazer a defesa dos direitos humanos. Frase de efeito que demonstrou seu descomprometimento com ações que protegem as vitimas de abuso sexual.

Posso dizer que observei queixas semelhantes no debate sobre a resolução n.10/2010, no II Simpósio Sul-Brasileiro de Psicologia Jurídica, realizado na cidade de Porto Alegre, em abril de 2011, ocasião em que vários psicólogos se pronunciaram contra essa medida tomada pelo Conselho, ressaltando que não foram consultados e que não se sentem representados pelo órgão de classe. Referindo - se aos medos que o trabalho no Judiciário sempre suscitou e ao atual receio de sofrer processamento disciplinar por não conseguir cumprir os dispositivos da resolução publicada pelo CFP, um psicólogo que estava no evento acima referido indagou: “vale a pena trocar um medo pelo outro?”

A resolução que proíbe o psicólogo de inquirir crianças e adolescentes, além de ter sido alvo de contestações na própria categoria dos psicólogos, tornou-se objeto de conflitos judiciais entre os tribunais de justiça e o CFP, como poderá ser apreciado adiante.