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2 RESSENTIMENTO, INDIGNAÇÃO E CRÍTICA: SOBRE

2.2 A REFUTAÇÃO DO REALISMO EM GUERRAS JUSTAS E

2.2.3 Realismo Moderno

Não se poderia deixar de falar em Realismo sem mencionar Thomas Hobbes. A seu lado também figuram Spinoza e Rousseau, segundo a rememoração histórica de Steven Forde (1992, p. 75). As relações internacionais seriam marcadas em Hobbes pela circunstância anárquica e competitiva. Nessas condições resta apenas o temor e a ação correspondente de se proteger antecipadamente. Hobbes vê nas relações internacionais o mesmo estado de natureza pré-contrato social em que não se pode falar em justiça, antes, é uma condição de hostilidade permanente o que daria legitimidade para cada Estado agir de acordo com seu auto-interesse pelos meios que julgar apropriado. Em Hobbes também não se trata de negar a existência da moralidade, mas, de afirmar que esta seria suspensa em função de condições que impõem a necessidade de uma ação neutra do ponto de vista moral com fins a autopreservação. Os deveremos morais fundados no auto-interesse de autopreservação encontrariam sua força vinculante no Soberano. A formação do Estado seria capaz de dar força a esses deveres. Porém, nas relações internacionais, a ausência de uma entidade política capazes de impor deveres morais entre os Estados caracterizaria, novamente, um estado de natureza.

O interessante na análise de Steven Forde do Realismo Clássico de Hobbes (1992, p. 76) é uma assimetria entre os estados de natureza “vivenciados” pelo sujeito hobbesiano. No âmbito interno dos Estados, a ameaça seria tão grande que os sujeitos seriam compelidos racionalmente a formar um contrato e determinar um soberano para impor os deveres morais baseados na autopreservação. Porém, a ameaça nas relações internacionais não é forte suficiente para conduzir os Estados a formação de um soberano supranacional. A igualdade na matabilidade não se verificaria no estado de natureza internacional, depende muito da análise da posição relativa dos Estados, tornando a segurança internacional relativa e flutuante no balanço de poder. Na passagem abaixo do De Cive, Hobbes elucida:

7. Espias são necessários à segurança do povo.

Duas coisas há que são necessárias à defesa do povo: ser prevenido e estar previamente armado. Pois as repúblicas, se consideradas em si mesmas, estão no estado de natureza, isto é, de hostilidade recíproca. E, mesmo que elas se abstenham de lutar, isso não se deve chamar paz, mas antes um tempo para respirar, no qual o inimigo,

observando o movimento do outro e como este se porta, avalia sua segurança não em função dos pactos, mas das forças e dos desígnios do adversário. E isso se faz conformemente ao direito natural, como se mostrou no capítulo II, parágrafo 11, porque os contratos são inválidos no estado de natureza sempre que intervier qualquer medo justificado. (HOBBES, 2002, p. 201).

Encerrando essa digressão sobre o Realismo Clássico, Spinoza e Rousseau são trazidos ao histórico das ideias realistas nas relações internacionais por Steven Forde. O primeiro, segundo sua leitura suplementaria Hobbes à medida que é mais explícito com relação à relativização das obrigações assumidas por meio de tratados internacionais, bem como na formulação de uma base amoral da política. Na filosofia política de Spinoza, Forde argumenta que might is right, seja no âmbito interno, seja nas relações internacionais:

Spinoza explicitamente enuncia que, por natureza, Estados ou indivíduos tem o “direito” para o que quer eles tenham poder de obter. (...) Spinoza sustenta que os Estados, como os indivíduos, são naturalmente inimigos por conta das paixões contenciosas da natureza humana. Não há base, qualquer que seja, para a justiça internacional em sua visão (...). (FORDE, 1992, p. 77).

Talvez listar Rousseau entre os realistas nas relações internacionais possa parecer demasiado complicado, ainda mais quando pareado com Hobbes e Spinoza. Não busco fazer uma exegese de cada um desses filósofos a partir de seus pensamentos, ideias, ou até mesmo sistemas éticos. O que os traz aqui é a aproximação por semelhança na negação da possibilidade de uma moralidade das relações internacionais. Nesse caso, também Rousseau, embora o faça com base em outros fundamentos, nega a possibilidade de uma moralidade das relações internacionais. Isso porque para Rousseau, como republicano, existem deveres morais apenas entre os cidadãos de uma dada comunidade que expressa a sua vontade geral, o que pode levar até mesmo o mais justo dos Estados à uma guerra injusta. Ainda que exista deveres morais, estes, dadas as circunstâncias da assimetria de forças e anarquia internacionais não conseguem manter sua força vinculante pela falta de uma entidade capaz de fazer valer suas determinações (FORDE, 1992, p. 78).

A saída para superação desse estado de natureza seria a formação de uma liga europeia, empreendimento não realização em função das limitações impostas pela soberania e paixões advindas das ambições. Sob as condições de arena internacional anárquica, agir em conformidade com o bem comum quando outros se recusam a agir da mesma forma é danoso e até mesmo moralmente não permitido, se considerado o dever do Estado para com seus nacionais. Hobbes, Spinoza e Rousseau estaria entre aqueles que argumentam que existe moralidade no âmbito interno, embora nas relações exteriores, dadas as circunstâncias, não se possa falar em moralidade.

Pode-se resumir com fins preparatórios para argumentação:

T

rico Maquiavel Tucídides Hobbes Rousseau

M ¹ Existe como ilusão E (cognitivo - contextualizado) E (racionalidade - contractariana) E F

Conveniência Eticidade Contrato Vontade Geral

O Manter a ordem e paz Realização dos fins da pólis Manter a Paz social Justiça M ²

~Existe ~E ~E Existe, mas não

há como se manter F

(~M²)

Auto-interesse Imperativo dos fins da pólis Ausência de Contrato Assimetria na Matabilidade Estado de natureza nas RI não é ameaça aos cidadãos Ausência de um Soberano além comunidade Ausência de deveres com não nacionais

M¹: moral no âmbito interno. FM¹: fundamental da moral em M¹; OM¹: objetivo da moral em M¹. M²: moralidade nas RI.

F(~M²): fundamento da não moralidade em RI.

O que se pode apreender desse pequeno excurso e porque ele foi feito? Para os fins da presente tese essa digressão nos preparar para enfrentar o argumento realista segundo o qual não é possível haver uma moralidade na guerra, seja por impor a necessidade da autopreservação, por ser uma circunstância extrema faz inexistir ou revoga deveres morais entre os Estados e indivíduos. Todavia, antes de avançar nesse ponto, cabe ver como os argumentos levantados pelos filósofos acima foram trabalhados pelas relações internacionais contemporaneamente, já à luz das ciências sociais e dos conflitos mais atuais.

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