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Suscetíveis Imunes ou Infecção aguda

Foto 3. Recém nascido portador de toxoplasmose congênita (observar a

ausência de macrocrania, apesar da presença de dilatação ventricular).

No segundo caso, a mãe tinha iniciado pré-natal em nosso serviço, sendo suscetível à toxoplasmose (HM negativa), e não foi encaminhada para o programa de prevenção. O diagnóstico de toxoplasmose congênita foi realizado somente no período neonatal imediato, pois o recém-nascido apresentava convulsões, hipotonia e hepatoesplenomegalia. A sorologia materna colhida no parto demonstrava IgG e de IgM fracamente positivas.

O terceiro caso, tinha feito pré-natal em outro serviço, onde não foi realizado o rastreamento sorológico inicial para toxoplasmose. A paciente foi encaminhada ao setor de medicina fetal na 34a semana por hidrocefalia fetal e a cordocentese levantou a suspeita da infecção, que foi confirmada no berçário.

Estas três crianças foram tratadas após o nascimento sendo que o segundo e o terceiro caso foram a óbito aos 3 e 6 meses de idade. No primeiro caso, o tratamento foi realizado durante o primeiro ano de vida, e a criança está

atualmente com 17 meses de idade apresentando profundo retardo de desenvolvimento neuro-psicomotor, associado à corioretinite bilateral.

Entre os oito recém-nascidos cujas mães apresentaram IgM positiva no rastreamento inicial, todos, exceto um, (o primeiro caso relatado acima) foram avaliados antes da alta do berçário e considerados não infectados. Apenas uma das oito placentas analisadas, apresentava sinais de infecção pelo Toxoplasma (também no primeiro caso).

A análise dos dados obtidos, demonstrou uma prevalência de toxoplasmose de 58,8% entre as gestantes atendidas em nosso serviço, semelhante aos números encontrados por VAZ et al. (1990) e GUIMARÃES et al. (1993), PEDREIRA ; CHA (1993), CHA et al., (1993) na região metropolitana de São Paulo.

Em relação a outros países, nossos números se aproximam dos 55% de prevalência encontrados na Holanda (CONYN-VAN SPENDONCK, 1989), e dos 72% encontrados em Paris em 1985 (REMINGTON et al., 1995).

A taxa de IgM positiva obtida no presente estudo foi de 0,58%. Este número é quase a metade do encontrado na mesma população por PEDREIRA et al. (1993). Esta diferença, provavelmente, se deve à grande diversidade de fornecedores dos reagentes que foram utilizados nestes dois períodos, para pesquisa de IgM por imunofluorescência.

Entre os oito casos onde encontramos a IgM positiva na primeira sorologia colhida, a diferenciação entre uma infecção crônica com persistência de IgM e uma infecção aguda, não pôde ser tentada, pelo fato do nosso laboratório não dispor da pesquisa de IgA, IgE ou avidez das IgG para toxoplasmose. Da mesma forma, a cinética dos anticorpos também não foi de grande auxílio nesta diferenciação, pois os títulos de IgG e IgM permaneceram inalterados entre as duas amostras colhidas. Neste aspecto, devemos fazer uma ressalva, pois a segunda sorologia, nestes oito casos, foi colhida sempre

num intervalo superior a quatro semanas depois da primeira amostra, o que poderia falsear estes resultados. No entanto, certamente um destes casos representava uma infecção aguda, pois resultou numa infecção congênita (primeiro caso relatado).

Apenas 8,7% das pacientes suscetíveis à toxoplasmose ingressaram no programa de prevenção. Isto, provavelmente, aconteceu porque os responsáveis pelo atendimento pré-natal destas gestantes não as encaminharam ao programa. A nosso ver, este foi o maior problema encontrado, e para que isto possa ser melhorado é necessário estimular todos os profissionais ligados à assistência pré-natal a privilegiar atitudes preventivas. Outra razão para o pequeno número de pacientes incluídas no programa, pode ter sido a necessidade de passar por mais uma consulta para receber estas orientações, o que, algumas vezes, obrigou as pacientes a comparecer novamente ao hospital. No entanto, julgamos que este deva ter sido um motivo secundário, e isto poderia ser melhorado se estas orientações fossem feitas logo após à consulta de pré-natal (onde são recebidos os resultados dos exames colhidos). Esta orientação poderia ser realizada por qualquer profissional da área de saúde, imediatamente após a consulta médica, o que também reduziria o tempo entre a coleta da primeira sorologia e o recebimento das OHD, que atingiu 8 semanas em nosso grupo. Consideramos este, um tempo muito longo, durante o qual, as medidas preventivas não estariam sendo aplicadas.

Outra forma de melhorar o acesso das pacientes ao programa, seria através do envio direto, por parte do laboratório, para todas as pacientes com sorologia negativa (suscetíveis), de um informativo sobre o protocolo em

andamento e como ingressar nele. Desta forma, a paciente poderia procurar diretamente o programa, sem depender de um encaminhamento.

Dentre as pacientes que ingressaram neste programa de prevenção 54,2% não completaram o SSS proposto, enquanto no estudo de CONYN-VAN SPENDONCK (1991), realizado na Holanda, isto ocorreu em 30% delas. Isto se deve, provavelmente, à diferença de nível sócio-econômico que existe entre as duas populações.

O elevado número de pacientes que não aderiram integralmente ao programa, pode estar ligado ao fato delas terem que se deslocar a um hospital central, por vezes muito distante do seu domicílio, para realizar a coleta, aumentando seus gastos e retirando-as por um período prolongado de suas atividades habituais. Na nossa opinião, se o sistema de coletas fosse descentralizado, isso provavelmente diminuiria os custos e transtornos do deslocamento, melhorando a adesão ao esquema proposto.

Conforme pudemos observar na curva de distribuição entre as porcentagens de adesão ao SSS proposto (Gráfico 4), houve uma grande concentração na região de adesão integral (100%), e no restante não se observou grande variação. Como não houve uma maior concentração na zona onde as pacientes não colheram nenhuma sorologia (0%), concluímos que elas perdem a adesão aleatóriamente ao longo do tempo. Portanto, essa adesão poderia melhorar, se houvesse um maior envolvimento, por parte do médico que assiste à paciente, na cobrança destes resultados.

A taxa de adesão ao SSS não variou entre o grupo de repetição trimestral e o mensal. Este resultado poderia ser esperado pois, neste último grupo, o número de coletas solicitadas chegou a oito. Isto demonstra que

devem haver outros motivos para a não adesão integral, que não a maior frequência de repetição sorológica.

Um dos motivos que levam as primigestas a apresentarem uma maior adesão ao programa, pode ser o fato de que, por não terem filhos, elas tem mais tempo e oportunidade para vir ao hospital, comparadas àquelas que já os tem. Além disso, por já terem gerado crianças saudáveis sem ter tomado qualquer cuidado especial em relação à toxoplasmose: "Não fiz nada disso e deu tudo certo". As pacientes com gestações anteriores também tiveram uma tendência a apresentar uma menor adesão ao programa.

A nosso ver, para uma boa adesão ao programa, é essencial que seja explicado às gestantes, de forma compreensível, o que é a doença, suas possíveis repercussões fetais, assim como, da possibilidade de diagnóstico e tratamento fetais.

Não encontramos nenhum caso de soroconversão materna. Porém nossa casuística não nos permitiria fazer qualquer análise de soroconversão nesta população; já que, segundo as estimativas de GUIMARÃES et al. (1993), ela seria de 0,3% e o uso das medidas de prevenção primária tenderiam a diminuir ainda mais estes números.

O retorno para avaliação do seguimento das OHD ocorreu em apenas 34,9% das gestantes que participaram do programa de prevenção. A falta de retorno teve uma relação direta com uma menor taxa de adesão e com um menor número de sorologias colhidas. Em contrapartida apenas, aproximadamente, metade das pacientes que aderiram integralmente ao esquema retornaram para seguimento e não se demonstrou uma correlação

com a paridade. Portanto, a falta de retorno, provavelmente, se deve a outros fatores que não o entendimento da importância da prevenção.

A análise do seguimento das OHD, embora muito subjetiva, é um indício de que a gestação é um momento propício para profundas mudanças de comportamento "lato sensu" e algumas "restrições" são toleradas em nome do objetivo maior, que é a saúde do concepto.

Durante o nosso SSS tivemos 3 resultados positivos pela HA e todos eles demonstraram ser falso-positivos após análise de uma segunda amostra. Concorde com o estudo de CONYN-VAN SPENDONCK (1991), na Holanda, isto demonstra que a soroconversão não pode ser diagnosticada através de uma única amostra positiva durante o SSS.

Em nosso meio, é muito difícil saber qual a real incidência de toxoplasmose congênita, já que o SSS não é realizado rotineiramente. No presente estudo encontramos três casos sintomáticos entre 1.475 nascidos- vivos, ocorridos no período de um ano. Portanto uma incidência de casos sintomáticos de 2 por 1000, semelhante à do Alabama e Austrália, REMINGTON et al. (1995); porém diferente da estimada por GUIMARÃES et al. (1993), para a cidade de São Paulo. Analisando-se as razões para esta diferença, não pudemos atribuí-la a uma seleção de pacientes de alto risco, pois dentre os três casos ocorridos, apenas um deles tinha sido encaminhado ao serviço, pelo encontro de hidrocefalia ao ultra-som (caso 3); os demais haviam iniciado o pré-natal sem qualquer suspeita de toxoplasmose.

Analisando-se os três casos de toxoplasmose congênita que ocorreram nesse período, na nossa opinião, ao menos o primeiro e o segundo teriam a chance de ser evitados se as mães tivessem tido acesso precoce a um

programa de prevenção, nos moldes do que foi utilizado neste estudo. No primeiro caso, ela poderia ser atingida a nível secundário e no segundo caso, tanto a nível primário quanto secundário. Como no terceiro caso não conhecemos a sorologia materna ao iniciar o pré-natal, seria difícil analisar esta chance. Podemos ainda inferir que nos três casos, a mãe se infectou antes da 26a semana de gestação, pois quando a infecção ocorre após esta idade gestacional, os casos costumam assintomáticos ao nascimento (REMINGTON et al., 1995).

A importância de se empregar um programa de prevenção de toxoplasmose congênita em qualquer população, parece óbvia frente aos benefícios que ele pode alcançar. Porém, a análise dos problemas de tais programas não deve ser menos importante, sem falar nos seus custos.

Dentre estes problemas, destacamos o fato de qualquer tipo de rastreamento, poder transformar um indivíduo normal, em um indivíduo potencialmente doente. É o caso da paciente que na primeira sorologia do pré- natal apresenta uma IgM positiva.

A IgM pode permanecer positiva por anos após a infecção aguda. Quanto mais sensível o método utilizado, por mais tempo ela poderá permanecer positiva. O encontro de uma IgM positiva não é conclusivo de infecção recente, conforme demonstrado por uma das nossas pacientes que apresentou IgM positiva no rastreamento inicial e já tinha essa IgM positiva há três anos.

As repercussões psicológicas do encontro de uma IgM positiva na gestante são imensuráveis, e as suas alternativas frente a esse achado vão desde de uma conduta expectante, passando por um tratamento

medicamentoso após a realização, ou não, do diagnóstico invasivo, até a interrupção da gestação (nos países onde isto é permitido).

A suspeita de infecção aguda pelo Toxoplasma poderia induzir a uma busca intempestiva da interrupção da gestação, na maioria das vezes injustificada, uma vez que, mesmo quando a infecção materna ocorre no primeiro trimestre da gestação, o risco de acometimento fetal seria de, no máximo, 17%, (DESMONTS ; COUVREUR, 1974). Este erro de conduta poderia ser reduzido através de uma anamnese detalhada, em busca de quadro clínico sugestivo e de sorologias anteriores, aliada a utilização de métodos laboratoriais mais sofisticados, que nos permitam uma melhor diferenciação entre uma infecção passada e uma infecção atual.

Se mesmo lançando mão destes recursos, ainda restarem dúvidas sobre o momento da infecção materna, a utilização da espiramicina seguida, ou não, do diagnóstico invasivo cumpriria plenamente os objetivos da prevenção, sem causar danos à saúde da mãe ou do feto.

Nosso estudo é pioneiro em nosso meio, pois pela primeira vez foram analisadas as possíveis implicações e dificuldades, do ponto de vista prático, da implementação de um programa de prevenção contra a toxoplasmose congênita. Da mesma forma, na literatura mundial, é o primeiro a analisar a taxa de adesão das pacientes frente a um esquema não compulsório de SSS, comparando um esquema de repetição mensal com um trimestral.

Baseando-se nos dados obtidos no presente estudo e na experiência adquirida no rastreamento, diagnóstico e tratamento antenatais da toxoplasmose congênita, modificamos o protocolo de assistência para toxoplasmose utilizado anteriormente na Clínica Obstétrica da Faculdade de

Medicina da Universidade de São Paulo (PEDREIRA ; CHA, 1993). O diagnóstico invasivo conforme descrito por DAFFOS et al. (1988) deixou de ser utilizado a partir de outubro de 1993 (PEDREIRA et al., 1994). No protocolo atual, a repetição sorológica passou a ser realizada somente na 20a e na 30a semanas de gestação e, caso ocorra a soroconversão, o diagnóstico invasivo deve ser realizado exclusivamente através da amniocentese para pesquisa do parasita por PCR e inoculação em camundongo. Este também seria, provavelmente, o melhor esquema de prevenção a ser adotado em nosso meio (Esquema 4).

Baseados nos dados apresentados até então, concluímos que a aplicação de um programa de prevenção, nos moldes deste novo esquema proposto (Esquema 4), é plenamente justificável em nosso meio.

Estas conclusões são reforçadas pelos achados de WILSON ; MAcCABE (1980) que concluíram, através de uma análise de custo versus benefício, que numa população de 70% de pacientes suscetíveis, com 0,6% de soroconversões esperadas e 45% de transmissão vertical, se justificaria a utilização de uma programa de prevenção. Bem como no estudo de STRAY- PEDERSEN ; JENUM (1992b), que também concluem, que o rastreamento baseado na OHD e no SSS é economicamente benéfico para uma sociedade que tenha uma soroconversão igual ou superior 2 por 1000 gestantes e uma transmissão vertical de no mínimo 40%.

Esquema 4. Algoritmo proposto para prevenção da toxoplasmose congênita, em nosso meio.

Sorologia inicial

IgG + IgM - IgG + IgM + IgG - IgM-

Repetir em 2 semanas

Pré-natal + OHD normal IgA, IgE e avidez de IgG + + Sorologia Anamnese 20a e 30a semanas

Infecção Infecção Soroconversão pregressa atual ou dúvida

Espiramicina +

USG morfológico

Investigação e tratamento pós-natal

Sob o nosso ponto de vista, se o obstetra opta por fazer o rastreamento inicial para toxoplasmose, é um contracenso ele não solicitar o SSS, pois além de estar rastreando mais de 90% de pacientes com infecções crônicas (com persistência de IgM positiva), ele só estará prevenindo a minoria dos casos de infecção congênita, deixando de diagnosticar as infecções agudas que ocorrem no decorrer da gestação, e de utilizar a espiramicina para diminuir a transmissão vertical.

A nosso ver, o entendimento de que a toxoplasmose congênita existe, mesmo que, na maioria dos casos, ela não seja diagnosticada logo após o nascimento, é essencial para que possamos compreender a importância de se aplicar um programa de prevenção. Esta falha no diagnóstico pode acontecer até mesmo, nos recém-nascidos portadores da tríade clássica, nos casos onde a hidrocefalia não se acompanha de macrocrania (Foto 3). Como estes recém- nascidos podem ter um aspecto bastante normal, o diagnóstico só será suspeitado quando surgirem as sequelas, e estas crianças se somarão ao grande número já existente de portadores de retardo de desenvolvimento neuropsicomotor e /ou deficiência visual sem etiologia conhecida.

1) Entre as gestantes que iniciaram o pré-natal na Clínica Obstétrica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, 41,2% eram suscetíveis à toxoplasmose. A prevalência da infecção era, portanto, de 58,2% e, dentre elas, 0,58% apresentavam IgM positiva, sendo que esta IgM pode permanecer positiva por anos.

2) Ingressaram no programa de prevenção da toxoplasmose congênita 8,7% das gestantes suscetíveis. Dentre elas, 45,8% cumpriram integralmente o seguimento sorológico sistemático proposto e a taxa de adesão foi significativamente maior entre as primigestas.

3) Não houve diferença estatisticamente significante na taxa de adesão entre os grupos de repetição mensal ou trimestral da sorologia.

4) Os principais problemas da implementação deste programa de prevenção da toxoplasmose congênita foram:

a) O não encaminhamento das gestantes suscetíveis para ingresso no programa.

b) O grande intervalo de tempo entre a coleta da primeira sorologia e o ingresso no programa.

c) A baixa taxa de adesão integral ao seguimento sorológico proposto no programa.

5) A incidência de toxoplasmose congênita, entre os recém-nascidos admitidos no berçário anexo à maternidade, foi de 2 por 1000 nascidos-vivos.

Folheto de orientações entregue às gestantes incluídas no protocolo de prevenção da toxoplasmose congênita.

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