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RECENTEMENTE INICIOU A HORMONOTERAPIA ACHA QUE VAI TER PROBLEMAS, NO LOCAL DE TRABALHO, POR EXEMPLO, QUANDO COMEÇAR A TER UM ASPETO MAIS “FEMININO”?

42 HÁ SÍTIOS ONDE DEIXA DE IR?

RECENTEMENTE INICIOU A HORMONOTERAPIA ACHA QUE VAI TER PROBLEMAS, NO LOCAL DE TRABALHO, POR EXEMPLO, QUANDO COMEÇAR A TER UM ASPETO MAIS “FEMININO”?

Eu neste momento sou lida como ela, por isso não sei qual será o impacto das pessoas ao começarem a ver-me mudar de corpo. Porque isto é sempre aquela coisa: as mulheres cis desenvolvem o corpo a partir dos 12 anos, eu desenvolvo o meu a partir dos 30. Porque eu não sei ali quem é que sabe que eu sou trans ou não. Eu já fiz out com algumas pessoas, porque comecei a falar do facto de fazer voluntariado em LGBT, ser poliamorosa, etc. E fine. Porque eu tomei esta decisão, de começar a fazer out logo no princípio porque assim safo-me de problemas maiores à frente. Escuso de estar a esconder a minha vida, escuso de estar a fingir. Vou para a ILGA e as pessoas perguntam-me o que é que é a ILGA. «Sim, é uma associação pelos direitos LGBT», e não tenho problemas porque as pessoas sabem, eu falo disso descontraídamente. Já consegui essa posição. Se calhar há uns anos não ia fazer isso. E neste momento isso safa-me de muitos problemas. Só que a equipa é grande. As pessoas ao meu lado… Por exemplo, o meu colega no outro dia acabou por dizer «ah pois, é que eu acho que já te vi numa reportagem qualquer na televisão, no jornal». A pessoa que me fez a tatuagem vira-se para mim «ah pois, é que eu vi-te no outro dia na televisão e pensei: olha é a Daniela que eu vou tatuar». Já tenho alguma visibilidade pública, já não é muito fácil esconder. Mas o facto é que eu não sei quais é que são as pessoas que sabem. Aliás, eu não sei se os entrevistadores sequer sabem, que me entrevistaram. Não sei. O meu nome está legal, está o nome correto. Não se falou sobre o assunto, porque não é, por exemplo, como o trabalho que eu tinha tido antes. O trabalho que eu tive na outra empresa, e como eu não tinha o meu nome mudado, uma das perguntas que eu fiz na entrevista foi «a que casa de banho é que eu posso ir?». E nunca ninguém tem de perguntar

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isto numa entrevista, mas eu tive. Porque ainda por cima a casa de banho era partilhada com outras empresas e eu… não quero ter problemas. Isto é um bocado chato mas pronto. E desta vez não houve problema, porque a minha identidade está correta, o nome está correto. Agora não sei como é que vai ser. De voz não tenho um problema porque a voz tipicamente com as hormonas não muda muito. Dificilmente, a menos que eu faça um treino de voz, dificilmente a hormonização, no caso das mulheres trans, tem impacto. Não é como a testosterna, porque as cordas vocais não são formadas pela testosterona… Porque, por exempo, o que acontece… isto é uma questão biológica. Porque, por exemplo, o que acontece aos 12 anos é que a testosterona no corpo é que começa a mudar muito o corpo. Fecha as cordas vocais, faz com que os ossos fechem, etc. E como eu já fiz esse processo o estrogénio não faz reverter. Por isso é que os homens trans quando tomam estrogénio começam a engrossar a voz, porque a testosterona começa a ativar e começam a vocalizar outra vez uma voz nova. No meu caso não porque a voz já está formada. Tinha de reverter. Há a cirurgia, mas é uma cirurgia arriscada, acho que não há nenhum médico em Portugal a fazer isso. Ou então fazes com treino de voz. Se tiveres aulas de voz e de colocação. Se bem que posso ter falsetes, aquela cena de estar a falar e (!). Acho que isso é normal acontecer. Agora o resto do corpo, as minhas ancas vão mudar ligeiramente, a minha mama vai crescer mais, não sei daqui a quanto tempo, mas eu não sei como é que os meus colegas vão lidar com isso, ou se vão perceber sequer. Porque às vezes eu tenho a noção… o ano passado aconteceu uma coisa muito gira, e má ao mesmo tempo, que é um bocado sexista, que foi: eu sou informática há dez anos de profissão e eu estava muito bem a fazer as cenas e muito rápido e não sei quê, porque é o meu trabalho, e o meu colega do lado viu que eu escrevia bué da rápido e não sei quê, e eu acho que ele… porque ele nunca me leu como pessoa trans, sempre me leu como Daniela, então ele não sabia. Porque eu na altura falei com os recursos humanos mas claro que os recursos humanos não foram dizer a mais ninguém, felizmente. Mas o que é que aconteceu? Passado um tempo em conversa disse-lhe que era uma pessoa trans e ele passado um bocadinho veio-me dizer «ah pois, eu logo vi, teclavas tão rápido, tinhas de ser um gajo antes». Eu neste momento não sei como é que os meus colegas me leem porque como eu não sei quem é que sabe que eu sou trans não sei qual é a leitura que eles fazem de mim. Quando eu cheguei lá ao trabalho e comecei logo a comentar bué da cenas e «isto devia ser melhorado aqui e ali e ali e ali» e eles pensaram «isto é uma gaja muita geek, ou é porque é trans ou não sei, tem superpoderes». Nunca houve essa conversa aberta. Eu tenho o meu colega ao lado às vezes a falar sobre questões LGBT mas parece que ele não sabe que eu sou LGBT. E isso ao mesmo tempo é estranho porque parece que são pessoas que estão alienadas da realidade onde eu estou. Por isso nesse sentido não sei como é que vai ser, principalmente quando chegar ao dia em que eu disser «ah, vou estar de baixa porque vou fazer uma cirurgia», «mas tens algum problema?». Não sei como é que vai ser, vai ser uma surpresa. Acho que até lá já as pessoas vão sabendo.

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UMA PESSOA QUE NÃO FAÇA CIRURGIAS NEM TOME HORMONAS É TAMBÉM TRANSEXUAL?