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RECONCILIAÇÃO: «VAI E NÃO TORNES A PECAR» (JO 8,11)

CAPITULO III CARTAS AOS SACERDOTES: UM ITINERÁRIO DE ESPIRITUALIDADE

3. RECONCILIAÇÃO: «VAI E NÃO TORNES A PECAR» (JO 8,11)

Entramos agora num dos pontos que pode, à partida, provocar alguma estranheza. De facto, isolamos um tema que habitualmente é tratado juntamente com outros na espiritualidade sacerdotal. Mais ainda, este tema quase nunca (e colocamos „quase nunca‟ para não cair no erro de dizer nunca) é tratado numa perspectiva espiritual, aconselhando os sacerdotes a abeirarem-se, também eles, do sacramento da Penitência. João Paulo II, por sua vez, e como tivemos oportunidade de ver no segundo capítulo deste trabalho, deu-lhe alguma importância; daí o motivo maior para o termos colocado aqui como um dos temas a tratar. Entretanto, ele será abordado realçando a importância, para este itinerário de

espiritualidade ministerial, de o sacerdote o viver quer no serviço do confessionário quer

como aquele que procura o perdão junto de Deus.

A rotina da vida pastoral e até mesmo da Eucaristia não podem fazer com que os sacerdotes esqueçam da necessidade do sacramento da Penitência. É certo que os dois sacramentos se unem. Mas os sacerdotes devem estar disponíveis e conscientes de que estão ao serviço do confessionário para tornar possível o encontro do Homem com o Amor e a Misericórdia de Deus em Cristo Jesus. «É no confessionário precisamente que se manifesta, acima de tudo a grande misericórdia de Deus»624. Estar „ao serviço do Bom Pastor‟ é também servir o Povo de Deus no serviço do confessionário. «A perda progressiva do sacramento da penitência é uma das carências mais sensíveis da Igreja actual»625. O pensamento do Papa remete várias vezes para o exemplo deixado por São João Maria Vienney, homem que dedicou muito do seu tempo à confissão daqueles que 623 Carta de 2005, n. 1. 624 Carta de 1986, n. 7. 625

102 procuravam o perdão, realizando o encontro pessoal com Cristo crucificado e que se faz presente na pessoa do ministro. «Não existe dúvida que tem um grande sentido a reconciliação sacramental e só se compreende num todo o que ela é quando se vive e experimenta no íntimo da pessoa»626.

Persiste ainda a necessidade de redescobrir Cristo nesta entrega de amor aos irmãos para que também eles reconheçam e redescubram Aquele que diz: «Também Eu não te condeno. Vai e de agora em diante não tornes a pecar» (Jo 8,11). Desta forma, a Reconciliação origina o encontro com o rosto e a voz do Bom Pastor e o acolher do amor de Deus presente no sacerdote. «A Igreja tem um sacramento para curar a ferida do pecado. Saibamos acolhê-lo e realizá-lo. Sejamos mais compassivos que críticos. Mais misericordiosos que juízes»627.

Isto só é possível com uma boa preparação para a administração deste sacramento. Deve preparar-se da melhor forma este encontro do Homem com Deus; os sacerdotes devem preocupar-se em realizar momentos de formação sobre questões de moral e noção de pecado. Ao fazê-lo, também eles redescobrem a „beleza do sacramento da Reconciliação‟. Lembra o Papa que não se pode dar aquilo que não se tem. Ao realizar o serviço de confessionário com responsabilidade, o sacerdote será capaz de transparecer o amor e a luz de Cristo no coração do penitente que procura o perdão do Pai. «O perdão é imperecível e inconquistável, é dom e prerrogativa exclusiva de Deus, só Ele pode perdoar os pecados, e fê-lo no evento de Cristo, sacramentalmente actualizado agora pelos ministros investidos do Espírito (cf. Jo 20,21-23), administradores dos divinos mistérios (cf. 1Cor 4,1)»628. Neste sentido diz o Santo Padre aos sacerdotes: «No sacramento da Reconciliação, somos instrumentos dum encontro sobrenatural com leis próprias, que devemos apenas respeitar e favorecer»629. Diz ainda que «a confissão, antes de ser um caminho do homem para Deus, é a chegada de Deus à casa do homem»630. Um bom acolhimento e uma boa realização deste sacramento recriam a alegria e o perdão que

626

GAMARRA, Saturnino – Manual de espiritualidad sacerdotal, p. 235.

627

URIARTE, Juan María – Una espiritualidad sacerdotal para nuestro tiempo, p. 83.

628 LUIS FERRERAS, Avelino de – Reconciliación. In DICCIONARIO DEL SACERDOCIO. Dirs. Profesores de la

Facultad de Teología de Burgos. Madrid: BAC, 2005, p. 665.

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Carta de 2002, n. 5.

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103 Zaqueu viveu quando recebeu o Senhor em sua casa (cf. Lc 19,1-10). O sacerdote «é embaixador do Amor reconciliante, promotor da paz e fraternidade»631.

Se no início deste capítulo falamos do sacerdote como testemunha, esse mesmo testemunho pode ser realizado no serviço do confessionário. O Papa alude que a „Hora‟ de Cristo foi vivida e realizada pelo Cura de Ars especialmente na realização deste ministério. Este exemplo foi seguido por muitos sacerdotes, mas urge, nos dias de hoje, a existência de mais seguidores, nesta que é uma vivência também ela espiritual.

Contudo, João Paulo II diz que a importância da Penitência «pressupõe também, na pessoa do confessor, grandes qualidades humanas e, acima de tudo, uma vida espiritual intensa e sincera; é necessário que o próprio sacerdote recorra com regularidade a este Sacramento para seu proveito»632. Aqui podemos ir ao encontro de Pedro que, negando Jesus, foi capaz depois de responder afirmativamente à pergunta “tu amas-Me?” (cf. Jo 21,15-17). «Quanto mais se é cumulado pela misericórdia, mais se sente a necessidade de testemunhá-la e irradiá-la»633. Esta é a Misericórdia que vem de Deus e que conduz à santidade. Walter Kasper veio ao encontro desta vontade do Santo Padre quando diz: «Recomenda-se ao cristão, e especialmente ao sacerdote, a recepção periódica do sacramento da confissão, sobretudo nos tempos penitenciais da Igreja, como o advento e quaresma. Isto não só não causa depressão, como oferece alegria e liberdade»634.

O Papa realça a importância de o sacerdote ser capaz de procurar a absolvição junto de um outro irmão no sacerdócio. Como ele diz: «É belo poder confessar os nossos pecados, e sentir como um bálsamo a palavra que nos inunda de misericórdia e nos faz retomar o caminho»635. O sacerdote, ao conhecer e ao sentir o amor de Deus pelo perdão, poderá transmitir a quem o procura para o perdão esse mesmo Amor. «Percamos algum tempo a pedir-lhe perdão e força, indo depois ter com o sacerdote, se pudermos»636. Defende, igualmente, que é pelo sacramento da Penitência que os ministros ficam menos

631 LUIS FERRERAS, Avelino de – Reconciliación, p. 666. 632

Carta de 1986, n. 7.

633

Carta de 2001, n. 8.

634 KASPER, Walter – El sacerdote, servidor de la alegría, p. 117. 635

Carta de 2001, n. 9.

636

APARICIO SÁNCHEZ, Gonzalo – Sacerdos / 1. Apontamentos de espiritualidade sacerdotal: Tentações e desafios de sacerdote actual. Coimbra: Gráfica de Coimbra 2, 2009, p. 131.

104 indignos, e tal como o salmista peçam: «criai em mim, ó Deus, um coração puro; renova e dá firmeza ao meu espírito» (Sl 51(50),12).