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Recorte II – Enunciados que Retratam o “Ficar”

No documento Namorar e ficar: modos de discursivização (páginas 31-53)

“Tô na pista! Namorado pra quê? Muita garota quer mesmo é curtir a vida! Uhul!”.

Essa Sd mostra um discurso da atualidade, que nem mesmo as meninas, sexo frágil e submisso, querem mais namorar. Representa a garota moderna, aquela totalmente distante do “tempo da vovó”. A memória discursiva que ativamos ao ler esse enunciado é que, ao contrário de antigamente, as mulheres não precisam mais casar para encontrar a felicidade, como mostra a palavra “Uhul” no final do enunciado. Essa palavra ativa ainda um discurso de que aproveitar a vida pode-se fazer sem namorado, ou seja, que solteira não tem que dar satisfações a ninguém, enquanto que casada (ou com namorado), não se pode aproveitar a vida devido ao tempo que se tem que dedicar ao cônjuge. Considerando que quem escreveu essa matéria foi um sujeito do sexo feminino, percebemos que sua ideologia é de primeiro aproveitar a vida para depois assumir um compromisso sério com alguém, totalmente diferente dos tempos passados, quando não era permitido a mulher se expor antes de ter um namorado.

Encontramos também no início desse enunciado a palavra “to”, a qual remete a uma linguagem fragmentada, mostrando a que lugar social pertence o sujeito- autor. Encontra-se ele em uma posição em que não prioriza a norma culta, e que se identifica pelas palavras cifradas, o que mostra ainda que deseja chegar no mesmo nível lingüístico de seus leitores, os jovens, para que eles se identifiquem ainda mais com essa matéria.

Sd 6 Todateen

“24 h de paquera! Roteiro TDB pra aproveitar da manhã até a noite – e encontrar um gatinho fácil, fácil...”.

Em uma primeira leitura ativamos o interdiscurso para entender o que significa a sigla TDB, que há algum tempo atrás era remetida aos homens bonitos, denominados “tudo de bom”. Mas nesse contexto essa sigla tem o mesmo e outro significado ao mesmo tempo. Trata da sigla TDB como “tudo de bom”, referendando um roteiro diário onde se fará atividades agradáveis, e ainda pode referir-se ao “gatinho” que poderá ser encontrado durante esse dia. Ao ativar o interdiscurso diante dessa sigla, estamos, na verdade, dando sentido ao que estamos lendo, já que, “o interdiscurso determina materialmente o efeito de encadeamento e articulação de tal modo que aparece como o puro “já-dito”” (FERREIRA, 2005, p. 17). O sujeito-autor elenca atividades que, quando realizadas, pode-se, ao mesmo tempo, encontrar um ficante.

Outra interpretação que também podemos fazer é que o sujeito autor dessa matéria expressa no título o desespero em estar sozinha, propondo um roteiro para que dentro de um dia se possa encontrar um, pelo menos, ficante. A FD que se inscreve o sujeito-autor, assim como os leitores que se identificam com a matéria, é que a mulher precisa de um companheiro para ser feliz, que a mulher não pode ficar sozinha, e feliz ao mesmo tempo. Conseguimos interpretar dessas diferentes formas porque “os já ditos que tecem essa memória não são explicitados, mas podem ser inferidos” (RASIA, 2006, p. 209).

Sd 7 Atrevida

“Falar “eu te amo” para o ficante é careta?”.

Como já tratado, nesse trabalho a expressão “ficar” tem o sentido de efemeridade, e como sabemos “eu te amo” é uma expressão que abarca sentidos muito carregados de sentimentos; estes que não se conquistam em um curto período de tempo. No enunciado acima, o sujeito autor faz uma pergunta a seus leitores, indagando se a expressão “eu te amo” dita a um ficante é careta. Diante da conceituação que temos em relação ao verbo ficar na acepção que vimos trabalhando (ficar com alguém por um curto período), interpretamos que “eu te amo” não cabe nesse tipo de relação, e só interpretamos desse jeito porque a historicidade desse discurso nos faz interpretar assim. Inscreve-se nessa FD aqueles que compactuam ao dizer que ficar e namorar são, efetivamente, a mesma coisa, um tipo só de relacionamento. Nesse viés, o sujeito-autor está na verdade questionando seus leitores se concordam com a assertiva de que “eu te amo” pode ser dita a um ficante, pois ficar e namorar encontram-se em um mesmo patamar.

Sd 8 Atrevida

“O make da conquista – Se você está a fim de atrair todos os olhares do pretê, prepare-se: é preciso apostar certo no visual. Para dar aquela mãozinha, saímos atrás dos garotos com a missão de descobrir qual o tipo de make que eles mais curtem. Copie o look e arrase!”.

Em um primeiro momento, percebemos a presença de palavras estrangeiras, isso se dá pelo fato de que os jovens, principalmente, internalizam essas palavras tidas como gírias6, inscrevendo-se na FD que se ocupa desse tipo de fala para se comunicar, subjetivando-se enquanto sujeito autor de “suas” palavras. Nesse

instante, podemos ver que há o lugar de subjetivação dos enunciados, quando os são particularizados. Seguindo, o enunciado apela para o visual, isto é, valoriza a parte externa da mulher. Com isso, podemos fazer uma analogia com relação a AD, que preconiza o exterior, ou seja, para a AD não interessa somente o intralingüístico de um texto, é o extralingüístico que faz haver sentido.

Percebemos fortemente que o sujeito-autor, que é uma mulher, preconiza a exterioridade da mulher como sendo uma parte importante para a conquista. Encontra-se, portanto, em uma posição que assume que os homens só se interessam pelas mulheres bonitas aparentemente, o que destoa profundamente do que era preconizado antigamente, quando eram valorizados atributos interiores e jamais exteriores. Outra interpretação que podemos adentrar é de que a mulher deve estar atraente para seduzir, ainda sempre com o aval do homem, que dita o que gosta ou não. Retornamos ao velho mundo machista, aquele em que as mulheres são passivas perante os homens. Esse discurso parecia já estar em decadência, mas nesse enunciado fica clara a posição que o sujeito-autor ocupa, de que a mulher ainda é, de certa forma, submissa aos caprichos masculinos. Ao lermos “copie o look e arrase” entendemos que, independentemente de tamanho, peso, idade, a mulher tem o poder de conquista na maquiagem que usa, incitando novamente que a mulher bem arrumada tem maiores chances de atrair o sexo oposto, pois os homens só se interessam pelas mulheres aparentemente bonitas.

Sd 9 Atrevida

“Complicado e perfeitinho – Conquistar um garoto desse tipo dá trabalho, mas também pode ser muito emocionante. Só é preciso saber se o amor que o sujeito tem pra dar compensa o sacrifício. Se a resposta for “sim”, o jeito é correr atrás! Já, agora, pra ontem”.

Segundo os constructos teóricos da AD, para que “minhas palavras tenham sentido é preciso que elas já façam sentido” (ORLANDI, 1999 p. 33), desse modo, ao ativarmos o interdiscurso vemos que “complicado e perfeitinho” é uma expressão usada em uma letra de música denominada “Mulher de fases”, cujos cantores fazem parte do grupo “Raimundos”. Para que essa matéria tenha e faça sentido para quem lê, é necessário antes conhecer essa música. A letra exprime como as mulheres são efêmeras nas emoções, e esse mesmo conteúdo se aplica nessa matéria, salvo que agora a expressão “complicada e perfeitinha” muda apenas de gênero.

Nesse enunciado, percebemos que é a mulher que tem que ir em busca de um namorado, que os esforços partem dela. Podemos usar essa assertiva para cotejar com as épocas passadas, quando eram os homens que deveriam cortejar as mulheres para depois conquistá-las. Vemos que fica claro, nesse enunciado, que agora são as mulheres que devem achar maneiras de conquistar o sexo oposto. Sabemos que tudo mudou e está diferente porque nossa memória “em uma situação enunciativa, possibilita, pela emergência de fragmentos enunciativos, o eco de outros, anteriores, que o antecederam e que reaparecem, muitas vezes ressignificados” (RASIA, 2006 p. 204). Ainda podemos analisar o restante do enunciado, quando o sujeito-autor questiona seu leitor sobre a compensação em conquistar esse tipo de menino. Percebemos que quem ler esta matéria inscreve-se na FD em que vale tudo por um amor, ou seja, que qualquer sacrifício, pelo garoto que se quer, vale a pena.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

São considerações finais porque nada está concluído ou acabado, este é um pequeno esboço do que pode significar hoje estes enunciados que por nós foram recolhidos. Amanhã poderão ter novos e outros sentidos, já que, como postula a AD, as interpretações podem ser múltiplas e variam conforme as condições de produção a que são postas. No entanto, esta pesquisa nos possibilitou observar o modo como são discursivizadas as matérias referentes aos tipos de relacionamentos, das revistas que nos propusemos analisar. Em um primeiro momento, chegamos à concepção de que a edição analisada de todas as revistas intentam o mesmo propósito, buscam cativar o leitor e fazer com que experimentem colocar em prática o que a eles é proposto. Isso decorre do fato de que os leitores se inscrevem na mesma FD de quem escreve as matérias, pois só leem se lhes interessa o que está sendo apresentado. Esse já é um indício de que os leitores adquirem a revista justamente com a intenção de nela encontrar alternativas para conquistar o garoto dos sonhos, comprar um presente bacana para ele ou buscar maneiras de se divertir mesmo sem namorado ou ficante, mas sempre com a intenção de conseguir um.

Observamos ainda que nos três exemplares há matérias dirigidas a quem tem namorado e a quem é solteiro, mas pouco diferenciam os dois modos de relacionamento. Isso quer dizer que as revistas estão inscritas na FD em que namorar e ficar encontram-se numa linha tênue. Nos dois recortes que analisamos, vimos que não se distingue namorar e ficar, o que importa é estar junto no dia dos namorados e acertar no presente para esse dia.

Pudemos perceber que nenhum enunciado analisado dedicou-se aos homens, ou seja, em nenhuma Sd houve dicas dadas aos meninos para que eles coloquem-nas em prática nas relações. Talvez isso decorra do fato de que foram

somente mulheres que escreveram as matérias, ou então, porque o sujeito-autor se encontra na FD em que é adepto à submissão feminina, que as mulheres encontram-se em uma posição inferior à dos homens. Portanto, concluímos que as matérias são escritas exclusivamente às meninas, considerando também que este é um público que lê mais e que se identifica mais com esse tipo de assunto (ou então que se encontra também na FD em que as mulheres devem seduzir os homens, e não o contrário).

Verificamos que em todas as matérias quem as escrevem são mulheres, porém, encontram-se em lugares distintos. Algumas se inscrevem na FD em que defendem as mulheres nas matérias, ou seja, colocam a mulher e o homem no mesmo patamar, não há diferenças entre os sexos. Em outras matérias, pudemos perceber que são adeptas ao machismo, à mulher submissa. Isso nos faz pensar que algumas mulheres ainda têm o pensamento de que o homem governa, o homem é mais forte e mais inteligente, e mulher não tem espaço nem vez na sociedade, ela é passiva dentro da mesma.

Vimos nos dois recortes, em todas as revistas, que há uma busca em ocupar o lugar da diferença, mesmo que o discurso do sujeito-autor ecoasse do que já foi dito. Seguindo o que preconiza Pêcheux em relação à autoria, podemos afirmar que os sujeitos-autores subjetivaram-se ao escrever as matérias, visto que costuraram os enunciados recolhidos do interdiscurso e os contextualizaram, dando um efeito de início, meio e fim ao que escreveram.

Essas conclusões a que chegamos nos fizeram pensar acerca da importância da teoria da AD para o ensino de Língua Portuguesa, principalmente no que diz respeito às aulas de leitura, pois para entendermos o intuito dessas matérias, sempre foi preciso que rememorássemos algo que já havia sido dito, para que assim pudéssemos dar sentido ao que estávamos lendo. Isso implica dizer que quanto maior for a bagagem de leitura do aluno, mais facilidade ele terá em compreender e dar sentidos ao que lê. Sob esse viés, pensamos que este estudo pode servir de base para os docentes que queiram ocupar o lugar da diferença em sala de aula, e não somente para ensinar Língua Portuguesa, mas ao instruir os alunos na hora da leitura para que sejam críticos e desenvolvam a habilidade de perceber o que está subjacente ao texto empírico.

Fizemos um breve esboço de interpretações que podem emergir durante a leitura dessas matérias provenientes das revistas de caráter juvenil. Sugerimos que

outras pesquisas sejam realizadas nesse âmbito, pois esse material comporta muitas outras possibilidades de análises nessa perspectiva que analisamos, e também sobre outras questões presentes nesse tipo de revista. Uma hipótese seria analisar a sessão em que os leitores escrevem para a revista a fim de contar sua experiência enquanto namorada (o), pedindo sugestões acerca de seu relacionamento. Este estudo possibilitaria verificar o imaginário social desses sujeitos, percebendo a ideologia pela qual são constituídos e ver o tipo de sujeito que escreve solicitando esse tipo de auxílio.

Assinalamos ainda que este estudo propõe um novo paradigma acerca da leitura, pois, talvez, o sujeito que escreve não intenta outros significados senão aquele que quer passar, todavia quem lê pode atribuir sentidos que o sujeito-autor nem imaginava que as matérias pudessem ter. Tudo isso porque a ideologia constituinte do sujeito, as condições de produção dos enunciados e as FDs em que ele se inscreve fazem com que os enunciados signifiquem, e de formas variadas.

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