• Nenhum resultado encontrado

Namorar e ficar: modos de discursivização

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "Namorar e ficar: modos de discursivização"

Copied!
53
0
0

Texto

(1)

UNIJUÍ – UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

DHE – DEPARTAMENTO DE HUMANIDADES E EDUCAÇÃO CURSO DE LETRAS

NAMORAR E FICAR: MODOS DE

DISCURSIVIZAÇÃO

ALINE MARIA ZAMPIERI

Ijuí – RS 2011

(2)

ALINE MARIA ZAMPIERI

NAMORAR E FICAR: MODOS DE

DISCURSIVIZAÇÃO

Monografia final apresentada ao Curso de Letras da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul – UNIJUÍ, como requisito parcial para obtenção do Grau de Licenciada em Letras, Habilitação Português e Respectivas Literaturas.

Orientadora: Professora Me Rosita da Silva

Ijuí – RS 2011

(3)

Ao meu amado pai que fez com que eu trilhasse o caminho do conhecimento.

(4)

AGRADECIMENTOS

A Deus, pela vida e por ter me permitido chegar até aqui.

Aos meus pais, que se esforçaram para que meu sonho se tornasse realidade, deixando seus anseios de lado em prol dos meus.

Aos meus avós que nunca mediram esforços para me dar o melhor.

Ao meu namorado pela companhia e pelas palavras amigas.

Aos meus colegas, que quando juntos construíamos caminhos de sabedoria e conhecimento.

À querida Rosita, que me guiou nesta jornada.

A todos os professores do curso, que de alguma forma fizeram-me crescer.

(5)

... Há quem leve a vida inteira a ler sem nunca ter conseguido ir mais além da leitura, ficam pegados à pagina, não percebem que as palavras são apenas pedras postas a atravessar a corrente de um rio, se estão ali é para que possamos chegar a outra margem, a outra margem é que importa, A não ser, A não ser que esses tais rios não tenham duas margens, mas muitas, que cada pessoa que lê seja, ela, a sua própria margem, e que seja sua, a margem a que terá de chegar. (SARAMAGO, 2000,

(6)

RESUMO

Esta pesquisa intitulada “Ficar e namorar: modos de discursivização” sob orientação da professora Rosita da Silva ancora-se na teoria fundada por Michel Pêcheux, na França, em meandros dos anos 60. A Análise do Discurso de vertente francesa busca o sentido dos discursos através da historicidade. Em um primeiro momento, buscamos mapear a configuração da teoria no contexto dos estudos da linguagem, bem como seus constructos teóricos fundantes, com os quais embasaremos nossas análises. Estas consistem de enunciados retirados das revistas de caráter juvenil Atrevida, Capricho e Todateen. Este estudo buscou analisar enunciados produzidos acerca de como são discursivizadas as matérias nas revistas citadas, mais especificadamente no que tange os relacionamentos: o ficar e o namorar. Buscamos, através dessas análises, compreender como se dá o efeito de sentido naqueles que leem, verificando o que intentam aqueles que escrevem, bem como perceber o lugar social dos sujeitos autores e leitores desse material. Quer-se ainda perceber como esses modos de relacionamentos estão sendo escritos para o público leitor.

Palavras-chave: Análise do Discurso (AD), ficar, namorar, Formação Discursiva

(7)

SUMÁRIO

CONSIDERAÇÕES INICIAIS ... 7

1 PRESSUPOSTOS TEÓRICOS ... 9

1.1 As Duas Principais Tendências que Originaram a Análise do Discurso de Vertente Francesa ... 9

1.2 Configuração da Análise do Discurso de Vertente Francesa ... 10

1.3 Quadro Conceitual da Análise do Discurso de Vertente Francesa ... 12

1.3.1 Sujeito, Sentido e Ideologia ... 13

1.3.2 Texto e Discurso ... 14

1.3.3 Formação Ideológica e Formação Discursiva ... 16

1.3.4 Interdiscurso e Memória Discursiva ... 18

1.3.5 Condições de Produção e Ideologia ... 20

1.3.6 Autoria e Esquecimentos ... 21

1.3.7 Leitura e Interpretação ... 23

2 SOBRE O CORPUS DE ANÁLISE E A METODOLOGIA ... 25

3 AS ANÁLISES ... 28

3.1 Recorte 1 – Enunciados que fazem Menção ao Namoro ... 28

3.2 Recorte II – Enunciados que Retratam o “Ficar” ... 30

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 35

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ... 38

(8)

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Ao entrarmos em uma banca de revistas, nos deparamos com um grande espaço destinado e preenchido pelas revistas direcionadas ao público adolescente. Estas revistas, em grande parte, trazem, em suas matérias, dicas, sugestões e maneiras de como conquistar o sexo oposto, tornando-se uma revista apelativa e também com grande influência sobre os jovens. Pensando sob esse viés, nos propomos a investigar como estão sendo discursivizadas essas matérias que tratam do namorar e do ficar, especialmente em junho, mês dos namorados.

Como objetivo geral dessa monografia, além de observar os modos de discursivização desses tipos de relacionamento, propomo-nos a verificar em que lugar se encontram aqueles que escrevem, bem como aqueles que leem essas matérias, para que possamos identificar o lugar social desses sujeitos, percebendo como é feita a atribuição de sentido nos enunciados analisados. Queremos, além disso, mapear a formulação da teoria da Análise do Discurso (AD), bem como seus constructos teóricos fundantes. A AD de linha francesa surgiu na França, cunhada por Michel Pêcheux, na década de 60. Essa teoria busca como os sentidos são constituídos historicamente, isto é, procura o sentido estabelecido através do discurso que é seu objeto de estudo. Usando dessa teoria, nos ocuparemos de alguns conceitos teóricos principais para embasarmos nossas análises, tais como discurso, interdiscurso, formação discursiva, formação ideológica, leitura, interpretação e sujeito.

Este estudo justifica-se ante o fato de que a leitura das revistas juvenis Capricho, Todateen e Atrevida é uma atividade consolidada em nossa sociedade. Essa presença, fortemente marcada, demanda a necessidade de se pensar acerca dessa materialidade, verificando o que e como estão sendo discursivizadas as

(9)

matérias por esse meio de comunicação. Ao abrirmos uma revista desse caráter, percebemos que o apelo e o incentivo são os principais aspectos salientados aos leitores. Verificamos também que há poucas análises feitas nessa perspectiva, abrindo-nos, desse modo, um leque de possibilidades de material para análise. Além disso, nos propomos a perceber os verdadeiros interesses na abordagem dos assuntos provenientes dessas revistas. Cabe a nós, analistas de discurso, identificar em que Formação Discursiva (FD) estão inscritos aqueles que escrevem e aqueles que leem essas matérias para poder chegar às respostas de nossas inquietações.

Nosso trabalho está estruturado em três capítulos. No primeiro, denominado “Pressupostos Teóricos”, tratamos da fundação da teoria da Análise do Discurso (AD) com filiação em Pechêux e abordamos seus principais constructos teóricos, os quais sustentarão posteriormente as análises. O capítulo seguinte “Sobre o corpus de análise e a metodologia” explicitaremos o porquê da escolha das revistas a serem analisadas e quais são elas. Colocamos também que nosso corpus trará somente o título das matérias, e não todo seu conteúdo. Trazemos ainda a metodologia que utilizaremos para fazer as análises. O terceiro e último capítulo destina-se às análises das revistas. Essas foram divididas em dois recortes: o primeiro trata dos enunciados que rememoram a noção de namoro. O segundo diz respeito ao que trazemos sobre o “ficar”.

E ao concluirmos as análises, dispusemos das considerações finais, na qual apresentamos algumas ponderações sobre as respostas a que chegamos sobre o que nos propomos a pesquisar. Passemos então ao primeiro capítulo dessa monografia, que trata das questões teóricas da AD.

(10)

1 PRESSUPOSTOS TEÓRICOS

1.1 As Duas Principais Tendências que Originaram a Análise do Discurso de Vertente Francesa

A Análise do Discurso (doravante AD), disciplina de entremeio, é oriunda da França, onde, em meados de 1960, Michel Pêcheux, filósofo e o mais obstinado teórico, configura essa vertente teórica. Foi fundada no auge do estruturalismo1 na Europa e na França. A AD surge de duas principais tendências: a AD americana e a AD européia (mais precisamente a AD francesa), as quais registram o “marco” do início da teoria. Conforme Ercília Ana Cazarin (1995, p. 2), de um lado encontrava-se Harris e de outro Jakobson e Benveniste. Embora a teoria seja cunhada por Pêcheux em meandros dos anos 60, a AD dá seus primeiros passos em 1952, quando Zellig Sabbettai Harris a descreve:

A análise do discurso dá uma multiplicidade de ensinamentos sobre a estrutura de um texto ou de um tipo de texto, ou sobre o papel de cada elemento nessa estrutura. A lingüística descritiva descreve apenas o papel de cada elemento na estrutura da frase que o contém. A AD nos ensina, além disso, como um discurso pode ser construído para satisfazer diversas especificações, exatamente como a lingüística descritiva constrói refinados raciocínios sobre os modos segundo os quais os sistemas lingüísticos podem ser construídos para satisfazer diversas especificações. (HARRIS, p. 7, 1952. apud MAZIÈRE, 2007).

Os estudos do matemático Harris visavam apenas a parte estrutural do texto, asseguravam que o sujeito psicanalítico não existia e que não havia sentido fora da lingüística, visto que se utilizava da gramática como método de análise, ou seja, a forma harrisiana não contemplava o contexto sócio-histórico de produção, o sentido fora do texto, este que mais tarde diferenciará a AD de outras disciplinas. Como esse método não dava conta de seus objetivos, Harris preocupou-se em estender a frase para nível de enunciado, o qual denominou discurso. Eni Orlandi (apud Cazarin, 1995, p. 2) descreve que para Harris “uma frase é um discurso curto e um discurso é uma frase complexa”. Surgem, nesse tempo, os estudos de Jakobson e

(11)

Benveniste, os quais pesquisavam sobre o ato da comunicação entre os sujeitos, tentando colocar em evidência como os sujeitos falantes se inscrevem nesses enunciados. Ainda nesse entremeio, há os estudos de Jean Dubois, lingüista, que também estudava o discurso pelo viés da gramática, e elegeu o discurso político como seu objeto de estudo. Ele percebeu a AD como um processo de estudo do léxico para o estudo dos enunciados. Percebeu então que a concepção de língua criada por Saussure e as questões já trazidas por Harris legitimavam o sentido através das ciências sociais, estudada na análise de conteúdo2, principalmente os discursos políticos oriundos da época. É Dubois quem instaura o sintagma “análise do discurso”.

Para entendermos a distância teórica entre a tendência americana e a tendência francesa, Cazarin (1995, p. 3) afirma que:

a AD americana preocupa-se em estudar o texto na sua linearidade, isto é, nas suas relações internas; nesse sentido, pode-se dizer que o estudo do texto fecha-se nele mesmo e que esta perspectiva de estudo, consiste, apenas, na substituição da unidade de análise – da frase para o texto.

Vemos que os estudos franceses buscavam verificar o sentido histórico instituído nos enunciados, enquanto que a AD americana preocupava-se estritamente com o intralingüístico. Constatamos que apesar da preocupação comum das duas tendências, ou seja, analisar o texto e não a frase, na AD francesa a preocupação é extrapolar os limites lingüísticos e entrar também no campo sócio-histórico e psicanalítico, enquanto na AD americana a ênfase era posta na análise apenas dos elementos lingüísticos.

1.2 Configuração da Análise do Discurso de Vertente Francesa

A AD se constitui em um contexto de crise política na França na década de 60, no espaço de questões suscitadas por três domínios do conhecimento que são postos em relação: o Marxismo, a Linguística e a Psicanálise. O Marxismo, a partir da releitura que Pêcheux faz do Materialismo Histórico, da leitura de Althusser; A Linguística, pela colocação em causa dos pressupostos estruturalistas, especialmente o aspecto da imanência da língua, que deixou de lado a

(12)

exterioridade; e a Psicanálise, via releitura que Lacan faz de Freud, ao considerar que o sujeito é atravessado pelo inconsciente. Essa vertente teórica busca o que é e como se constitui o sentido a partir da perspectiva sócio-histórica, ou seja, busca o sentido institucionalizado a partir de seu objeto de estudo, que é o discurso, registra Orlandi (1999, p. 25).

A análise do discurso surge na perspectiva política de intervir no combate ao excessivo formalismo linguístico que vigorava. Os estudos de Pêcheux vem ao encontro disso e pretendiam desenvolver uma ciência que cobrisse as lacunas das outras disciplinas. O encontro entre Dubois e Pechêux materializa a vertente teórica e configura a AD de linha francesa. Contudo, Pechêux se firma em algumas ideias de Althusser e Foucault para elaborar sua Teoria Materialista do Discurso. Michel Pêcheux lança, em 1969, considerado texto fundador da AD, sua tese intitulada “Analyse Automatique du Discours”, quando busca uma reflexão entre as Ciências Humanas, e, para isso, sugere que essas ciências se confrontem. Denomina esse lugar de confronto de entremeio, onde a história, a teoria do discurso e a linguística podem propor uma reflexão discursiva. Essas três áreas constituem o quadro epistemológico da teoria do discurso e são “atravessadas e articuladas por uma teoria da subjetividade de natureza psicanalítica” (CAZARIN, 1998, p. 22).

Sobre o materialismo, observamos que essa região do conhecimento é fruto da releitura que Althusser faz de Marx, e o que interessa à AD são as questões ideologia/sujeito e as teorias idealista/materialista, ou seja, busca, a partir disso, verificar o modo pelo qual o sujeito torna-se assujeitado3. Nessa perspectiva,

Pêcheux e Fuchs (apud Cazarin, 1995, p. 6) assinalam “que a região do materialismo que interessa à AD é a da superestrutura ideológica, em sua ligação com o modo de produção que domina a formação social considerada”.

Do materialismo histórico, atestamos mais precisamente que

interessa à AD a questão da “interpelação” ou assujeitamento do sujeito como sujeito ideológico. É nessa “região” que autores propõem discutir a relação existente entre ideologia e discurso, entendendo o discurso como um dos aspectos materiais da materialidade ideológica (CAZARIN, 1998, p. 23).

3Movimento de interpelação dos indivíduos por uma ideologia, condição necessária para que o

indivíduo torne-se sujeito do seu discurso ao, livremente, submeter-se às condições de produção impostas pela ordem superior estabelecida, embora tenha ilusão de autonomia (FERREIRA, 2005, p. 12).

(13)

Seguindo essa acepção, Pêcheux busca construir os fundamentos teóricos da Teoria Materialista do Discurso, a qual é interligada por três eixos: a discursividade, a subjetividade e a descontinuidade ciência/ideologia. A teoria buscava a “desidentificação” do sujeito, isto é, o sujeito que não coincida com ele mesmo, não aja e nem pensa independentemente de determinações históricas.

Sobre a Linguística,

pode-se dizer que a AD inscreve-se no espaço lingüístico, isto é, pressupõe a linguística, mas não se propõe a descrever a língua, isso é tarefa da lingüística. A tarefa da AD é procurar marcas lingüísticas, tomadas como “pistas”, não necessariamente evidentes, que lhe permitam analisar o funcionamento do discurso e possíveis efeitos de sentido. A língua aparece então como condição de possibilidade do discurso (CAZARIN, 1998, p. 26).

Em relação à teoria do discurso assinalamos que

Eis aí o início da delimitação do campo da Teoria do Discurso. Ao propô-la como uma teoria da determinação histórica dos processos semânticos determinados pelas Condições de Produção, Pêcheux já a estava colocando em prática. A Teoria do Discurso consiste, então, no resultado da articulação que se dá entre o Materialismo Histórico e a Lingüística e permite à AD instaurar-se e operar sobre seu objeto, o discurso (CAZARIN, 1995, p. 10).

A AD, vale ressaltar, caracterizou-se, desde sua fundação com Pêcheux, através da ruptura de um sistema político e epistemológico, bem como da necessidade de articulação com outras áreas das ciências humanas, como já vimos, a lingüística, o materialismo histórico e a teoria do discurso, tudo isso embasado em um campo psicanalítico. É por esses motivos que a teoria se diferencia das outras disciplinas. Orlandi (apud Cazarin, 1995, p. 5) delega que o político contribuiu indubitavelmente para a origem da AD. Afirma que “a AD se constrói num lugar particular entre a disciplina lingüística e as ciências das formações sociais”.

A partir do entendimento da configuração teórica da AD podemos adentrar nessa teoria e compreender os principais conceitos que a mesma preconiza.

1.3 Quadro Conceitual da Análise do Discurso de Vertente Francesa

No âmbito da teoria da Análise do Discurso, que se apresenta no entrecruzamento das ciências humanas, nos interessa compreender suas principais

(14)

noções para que mais adiante tenhamos suporte teórico para elaborar nossas análises. Os principais conceitos em AD são: discurso, texto, interdiscurso/memória discursiva, formação ideológica (FI), formação discursiva (FD), concepção de sujeito e de sentido, ideologia, esquecimentos, autoria, leitura, interpretação e as condições de produção.

Ao abordar os conceitos da AD, precisamos elencar, em um primeiro momento, as três épocas de estudo da referida teoria para que possamos compreender a inserção das noções no seu âmbito conceitual. Essas épocas foram importantes para que se aperfeiçoassem os estudos acerca da teoria. Pêcheux aborda a delimitação teórica de cada uma delas: A AD-1 (anos 60/70) apresentava homogeneidade e estabilidade nas condições de produção, tendo o sujeito como inteiramente assujeitado. Já na AD-2, o marco divisor é a noção de formação discursiva (FD), que desestabiliza a suposta homogeneidade das condições de produção, é quando se percebe que o sujeito enunciador é afetado pela ideologia e a partir disso se produzem os enunciados e os sentidos. É também nesta fase que se revisa criticamente o sintagma AAD (Análise Automática do Discurso).

Na AD-3, institui-se “o primado teórico do “outro” sobre o “mesmo”” (CAZARIN, 1995, p. 5), fixando-se a noção de heterogeneidade da FD e do sujeito. É visto que a heterogeneidade é constitutiva da FD e se dá tanto internamente, pela relação da posição-sujeito com a forma-sujeito4, quanto entre as diferentes FDs. Isso

leva à heterogeneidade também do discurso, visto que o mesmo é historicamente constituído, portanto não tem um só sentido, é o contexto sócio-histórico que determinará os sentidos instituídos nos discursos. É neste entremeio ainda que se introduz a noção de interdiscurso.

A partir das considerações acerca da teoria, passamos a explicitar as principais noções discursivas, para que possamos ,mais tarde, embasar nossas análises.

1.3.1 Sujeito, Sentido e Ideologia

Um dos principais conceitos em AD é a concepção de sujeito que a mesma adota, visto que é dele que se parte para chegarmos a outras instâncias discursivas.

4Também chamado de sujeito do saber, sujeito universal ou sujeito histórico, a forma sujeito é a forma

(15)

Para Pêcheux, o sujeito não é um sujeito físico, ele é assujeitado porque enuncia de uma determinada posição, do lugar social que ocupa, e, por isso, o sentido não parte dele, pois ele sempre está em confronto com sentidos de outras posições. Esse sujeito, que é um sujeito imaginário, é efetivamente, outro: pensa por outro, fala por outro e age por outro. Para Orlandi (2006, p.15), “o sujeito da AD não é o sujeito empírico, mas a posição-sujeito projetada no discurso”, ou seja, o sujeito constituído pela ideologia enuncia de determinada posição que faz com que sejam produzidos uns sentidos e não outros, dependendo sempre da posição que ocupa. Como afirma Maria Cristina Leandro Ferreira (2005, p. 21)

o sentido de uma palavra, expressão, proposição não existe em si mesmo, só pode ser constituído em referência às condições de produção de um determinado enunciado, uma vez que muda de acordo com a formação ideológica de quem o reproduz, bem como de quem o interpreta. O sentido nunca é dado, ele não existe como um produto acabado, resultado de uma possível transparência da língua, mas está sempre em curso, é movente e se produz dentro de uma determinação histórico-social, daí a necessidade de se falar em efeitos de sentido.

A partir dessa proposição, é necessário perceber que, para a AD, sujeito e sentido se constituem mutuamente, visto que um depende do outro para ter e fazer sentido. A partir dessa idéia, julgamos que o sujeito assume uma posição de sujeito, lugar este que não é real, ele é imaginário, porque apenas representa um lugar discursivo.

Dito de outra forma, o sujeito da AD é interpelado ideologicamente para que assim partam dele os sentidos. Sobre isso, discorre Orlandi (1999, p. 46) que “o indivíduo é interpelado em sujeito pela ideologia para que se produza o dizer”.

1.3.2 Texto e Discurso

Segundo Orlandi (1995, p. 110), a precursora da teoria no Brasil, “a especificidade da análise de discurso está em que o objeto a propósito do qual ela produz seu resultado não é um objeto lingüístico, mas um objeto sócio-histórico onde o lingüístico intervém como pressuposto”. Verificamos que o linguístico é muito importante para o analista de discurso, mas o que lhe interessa, e a AD considera como inerente ao texto, é o extralinguístico. A mesma autora (1999, p. 21), a partir dessa afirmação, define então o objeto de estudo da AD, o discurso: “o discurso é

(16)

efeito de sentido entre locutores”. Nessas palavras constatamos que é o objeto de estudo da referida teoria porque é um objeto histórico-ideológico, e que quando enunciado pode causar diferentes sentidos em diferentes épocas e contextos, visto que os discursos são efêmeros. Ainda nessa perspectiva, compreendemos que os discursos estão na rede de dispersão (interdiscurso), e que o sujeito, inserido em determinada formação discursiva (FD) e constituído por determinada formação ideológica (FI), é que se apropria de um e não de outro discurso; o faz significar então através da ideologia e da historicidade que apresenta.

Julgamos que o discurso é algo em aberto, pois está sempre em processo, se completando e produzindo sentidos novos e diferentes. A diferença entre o discurso e o texto está em que o texto representa, ele une os discursos para o interlocutor compreender como estes produzem sentidos. Orlandi (1999, p. 72) acrescenta ainda que “na análise do discurso não se toma o texto como ponto de partida absoluto (dadas as relações de sentido) ele é um exemplar de discurso”.

A AD, portanto, interessa-se pelo texto como unidade que permite ao analista ter passagem ao discurso, possibilitando-o a percorrer o processo de como são materializados os discursos e como o texto se estrutura a partir daqueles. O texto é apenas a materialidade pela qual o analista de discurso pode chegar até seu objeto de análise, que é o discurso.

O texto empiricamente possui início, meio e fim, mas se considerado discursivamente, percebemos que é inacabado, em constante construção, devido ao fato de que não podemos dizer tudo quando escrevemos ou falamos alguma coisa, pois sempre terão mais discursos subjacentes aos discursos que utilizamo-nos. Um texto apresenta significado porque possui um discurso que o sustenta, e para sua compreensão é necessário que o leitor conheça e relacione os sentidos (discursos) que ocorrem nele. Tem-se que levar em consideração sempre a relação com a situação em que é construído, pois o sujeito e o sentido são exclusivamente dependentes da historicidade. É imprescindível levar em consideração o sujeito que se apropria do texto, porque é a partir dele que se constroem os sentidos. Por isso que para a AD o texto não interessa, em um primeiro momento, em sua organização, mas interessa como se organiza discursivamente. Para Leandro Ferreira (2005, p. 22).

(17)

o relevante, no âmbito discursivo, onde o texto é tomado como discurso (enquanto estado determinado de um processo discursivo), é ver como ele organiza a relação da língua com a história na produção de sentidos e do sujeito em sua relação com o contexto histórico-social. Para a AD o texto é dispersão de sujeitos por comportar diversas posições-sujeito que o atravessam e que correspondem a diferentes formações discursivas. A completude do dizer é um efeito da relação do sujeito com o texto, deste com o discurso e da inserção do discurso em uma formação discursiva determinada. Esse movimento é que produz a impressão de unidade e transparência do dizer.

Salientamos a partir do que viemos tratando, que o texto deve ser considerado como um efeito ilusório de início, meio e fim. Isso decorre do fato de que nada nele é acabado, ou seja, tudo o que está escrito não envolve tudo o que se poderia dizer sobre o que se diz, pois sua relação com o interdiscurso é infinita, nem tudo está dito ou escrito, sempre há um a dizer. Eis que tenhamos que assinalar então que “texto é um objeto histórico. Histórico aí não tem o sentido de ser o texto um documento, mas discurso. Assim, melhor seria dizer: o texto é um objeto lingüístico-histórico” (ORLANDI, 1995, p. 110). O histórico é apontado como o que intervém, constituindo um discurso, mediante a formação ideológica (FI) em que o ouvinte/leitor está constituído, e por isso um mesmo enunciado pode significar de modos diferentes, dependendo da FI que é constitutiva do sujeito.

1.3.3 Formação Ideológica e Formação Discursiva

Formação ideológica (FI), segundo Pêcheux (apud CAZARIN 1998, p.34), “é entendida como um complexo de atitudes e representações que não são nem individuais nem universais, mas se relacionam mais ou menos às posições de classes em confronto umas com as outras”. Comporta, necessariamente, uma ou mais formações discursivas interligadas. No texto, são encontradas diferentes formações discursivas (FDs), e estas são identificadas pelas FIs que constituem os sujeitos. O conceito de FI é complexo, pois estabelece relações entre o mundo e a linguagem. Dito de outra forma, é a maneira como o sujeito vê o mundo e se apropria de determinadas ideias instauradas nos discursos, ou seja, uma FI estabelece a visão de mundo através da linguagem do sujeito que enuncia. Assim como preconiza Pêcheux (apud LEANDRO FERREIRA, 2005, p.15) “as palavras, expressões, proposições, mudam de sentido segundo as posições sustentadas por

(18)

aqueles que as empregam, sentidos esses que são determinados, então, em referências às formações ideológicas nas quais se inscrevem estas posições”.

A noção de formação discursiva (FD) é tributária de Foucault, filósofo e adepto aos preceitos da AD de linha francesa. Ele assim a define:

No caso em que se puder descrever, entre um certo número de enunciados, semelhante sistema de dispersão, e no caso em que entre os objetos, os tipos de enunciação, os conceitos, as escolhas temáticas, se puder definir uma regularidade (uma ordem, correlação, posição e funcionamentos, transformações), diremos, por convenção, que se trata de uma formação discursiva (...) (FOUCAULT, 2000, p.43).

Pêcheux incorpora esse conceito à AD com breves modificações:

Formação discursiva é aquilo que, numa formação ideológica dada, determinada pelo estado da luta de classes, determina o que pode e deve ser dito (articulado sob a forma de uma arenga, um sermão, de um panfleto, de uma exposição, de um programa, etc.) (PÊCHEUX, 1988, p.160).

Formação discursiva, na perspectiva de Pêcheux, é o lugar de inscrição dos sujeitos, é quando há regularidade entre muitos enunciados. Quando o sujeito recolhe, se apropria de um desses enunciados, ao se apropriar, ele se inscreve em uma formação discursiva. FD é aquilo que, em certa FI, determina o que pode e o que deve ser dito. Para exemplificar, podemos dizer que os machistas e as feministas são duas distintas FDs, pois só se projetam de tal lugar porque pertencem a esse grupo. Os machistas não podem “dar razão” às mulheres, visto que ocupam uma FD que é contrária a elas. É importante salientar que a FD não tem origem no sujeito, mas no discurso que o sujeito profere, pois leva-se em conta o que se pode ou não dizer. Entendemos que uma FD, enquanto conjunto de enunciados que possuem certa regularidade, não estão ligados por laços gramaticais, psicológicos, lógicos ou ao nível das proposições; Cazarin (1995, p. 13) afirma que os enunciados, enquanto conjunto de performances lingüísticas, estão ligadas ao nível dos enunciados.

Formação discursiva é quando, por conseguinte, o sujeito é atraído pelo enunciado. A “escolha” de um enunciado e não de outro é feita levando em conta a ideologia pela qual somos constituídos. Lembremos que a relação entre as diferentes FDs pode ser de oposição ou de aliança. Reportamos a um exemplo para afirmar essa proposição: existe a religião católica e a evangélica. Embora sejam

(19)

religiões distintas, inscrevem-se em diferentes FDs (oposição), ambas se relacionam porque acreditam em Deus (relação de aliança).

1.3.4 Interdiscurso e Memória Discursiva

No interdiscurso, encontram-se os discursos pré-construídos, e, conforme Cazarin (1995, p. 19) “o pré-construído é apresentado como o “sempre-já-aí” da interpelação ideológica que impõe a “realidade” e seu “sentido” sob a forma de universalidade (mundo das coisas)”. Nesse sentido, assinalamos que interdiscurso é o conjunto de tudo o que foi dito anteriormente e o que pode vir a ser dito, é o lugar onde se encontram os dizeres, na rede da dispersão. As palavras não são particulares, pois tudo o que falamos está na linha do repetível. Falamos o que outros já disseram em contextos e épocas diferentes, e as mesmas palavras não significam a mesma coisa, porque o que determinará o sentido dos enunciados será a FI pela qual o sujeito está constituído, pelas condições de produção e pela FD na qual está inscrito.

O interdiscurso serve de “base” para o que será dito “sustentando cada tomada de palavra” (ORLANDI, 1999, p. 31); é o já-dito e esquecido e o vir a ser, dando as condições para determinar o que falamos, pois, “para que minhas palavras tenham sentido é preciso que elas já façam sentido” (ORLANDI, 1999 p. 33). Podemos pensar o interdiscurso como uma teia, a qual consideramos como uma teia discursiva, ou seja, é um lugar onde tudo se encontra, tudo está posto e interligado. Embora pensemos estar originando um novo dizer, na verdade ele está esquecido em nossa memória, nós o “ativamos” para uma determinada situação e fizemos o enunciado readquirir um novo sentido diante da situação em que o estamos proferindo. Além disso, ressalta Orlandi (1999), este esquecimento ocorre para que, quando os enunciados retornem em nosso dizer, possamos nos subjetivizar com outros sentidos e enquanto sujeitos. Leandro Ferreira (2005, p. 17) reafirma o que Orlandi sustenta e atesta que o interdiscurso “se inscreve no nível da constituição do discurso, na medida em que trabalha com a ressignificação do sujeito sobre o que já foi dito, o repetível”. Ambas as teóricas defendem a posição de que na verdade há uma particularização dos enunciados já-ditos e esquecidos. Enfocam que esses dizeres são ressignificados ao serem proferidos, portanto ocupam o lugar da

(20)

diferença. O interdiscurso é, portanto, a significação, a historicidade política e ideológica de um dizer.

Podemos nos valer aqui da memória discursiva, também denominada memória do dizer. Ela dá, segundo Leandro Ferreira (2005, p.19), “possibilidades de dizeres que se atualizam no momento da enunciação”. De outro modo, podemos afirmar que a memória discursiva é atravessada por distintos dizeres, dando-nos pistas de como outros domínios de dizeres são atravessados nos enunciados.

As noções de interdiscurso e de memória discursiva estão intimamente imbricadas. Orlandi (1999, p. 31) trata a memória discursiva como equivalente ao interdiscurso, ou seja, ambos reportam “o saber discursivo que torna possível todo dizer e que retorna sob a forma do pré-construído, o já dito que está na base do dizível”. Já Cazarin (2010, p. 107), ao tratar dessas noções, afirma que elas não podem ser tidas como a mesma coisa. Para essa autora, a memória discursiva faz relações com o pré-construído, ou seja, quando acionamos o interdiscurso, ativamos a memória discursiva para que a partir dela se façam ligações entre os enunciados recolhidos na cadeia de discursos para que eles possam fazer sentido, já que, como mencionado acima, “para que minhas palavras tenham sentido é preciso que elas já façam sentido” (ORLANDI, 1999 p. 33). Em suma, essa autora defende que

talvez seja o caso de compreendermos que o interdiscurso fornece elementos para a reconstituição/restabelecimento da memória discursiva, que é da ordem do interdiscurso, mas que, para produzir sentidos, precisa ser mobilizada pela posição-sujeito. Mobilização essa que funcionaria, então, tanto como gesto de interpretação, quanto como categoria de análise, nos moldes do trabalho de Courtine (1981). Isso nos levaria a aceitar, como já sinalizamos, que a memória discursiva é lacunar (pois aí interfere a posição-sujeito que a mobiliza), ao passo que o interdiscurso é saturado de sentidos – tudo está lá. Se nosso entendimento se sustenta, a noção de interdiscurso, então, não poderia ser colocada numa relação de equivalência com a de memória discursiva.

A diferença entre o interdiscurso e a memória discursiva está, então, em que o primeiro abarca o já-dito e o a dizer, enquanto a segunda trabalha somente com o que já está na cadeia do que já foi dito, não atinge o que está por ser dito.

(21)

1.3.5 Condições de Produção e Ideologia

Ao propor sua Teoria do Discurso, articulada com a Linguística e com o Materialismo Histórico, Pêcheux (1969) busca a relação entre os discursos e a exterioridade, levando em consideração as condições de produção dos mesmos.

As condições de produção, em 1969, eram pensadas como estáveis e homogêneas. Já em 1975, “o conceito sofre um deslocamento, ou seja, aquilo que, em 1969, era pensado apenas como externo ao discurso, passa a ser pensado na sua interioridade, ou seja, a exterioridade é constitutiva do discurso” (CAZARIN, 1995, p. 21).

Falar em Condições de Produção implica a aceitação do extralingüístico, no sentido fora do texto, ou seja, que a exterioridade é constitutiva do discurso. As condições de produção implicam o sujeito e a situação, incluem o contexto sócio-histórico e ideológico, pois os enunciados são produzidos a partir das condições de produção nas quais intervém a história, tudo isso registrado em nosso imaginário. As condições de produção (os interlocutores, a situação, nossas crenças, o lugar social que ocupamos, o contexto histórico-social, etc.) são de fundamental importância no que tange a AD, pois essas condições externas ao texto fazem com que haja a produção de determinados enunciados e de determinados sentidos. É necessário perceber que as condições de produção (contexto) possuem laços com a ideologia, pois leva em conta as relações de força. Esta noção diz respeito ao lugar de onde o sujeito enuncia, isto é, fala de acordo com sua colocação na sociedade. Orlandi (1999, p. 39) reporta ao exemplo de professor e aluno, quando a palavra do primeiro vale (significa) mais do que a palavra do segundo, visto que o lugar social que o professor ocupa permite que se faça valer essa hierarquia. Cazarin (1995, p. 22) preconiza que

quando se diz algo, se diz de algum lugar da sociedade para alguém também de algum lugar da sociedade e isso faz parte da significação. Há nos mecanismos de toda formação social regras de projeção que estabelecem a relação entre as situações concretas e as representações dessas situações no interior do discurso. Diante disso, é preciso considerar o lugar social dos interlocutores.

(22)

Podemos trazer essa citação para exemplificar a importância desse conceito para a teoria, já que ela se situa em um lugar social e não individual. Deixar as condições de produção de um discurso de fora implica deixar o sentido social e histórico desse discurso de fora também.

1.3.6 Autoria e Esquecimentos

Outra questão que emerge, quando falamos em texto, é a constituição do autor dentro do mesmo. Para esse esclarecimento, levamos em consideração que o sujeito que enuncia tem a ilusão de ser autor de seu dizer, o enunciador primeiro, mas há por detrás dessa ilusão esquecimentos no discurso que se apresentam sob duas formas. Vejamos elas.

O esquecimento n° 2 leva em consideração a enunciação, isto é, ao enunciar podemos fazê-lo de diferentes formas, com palavras ou sintaxe distintas. Esse esquecimento abriga tudo o que poderia ser dito, é a zona do formulável, do dizível, e que ocorre conscientemente, isso porque podemos reestruturar nosso enunciado caso achemos que não foi o que se queria afirmar (CAZARIN, 1995, p. 23). No esquecimento número 2, “o sujeito-falante “seleciona conscientemente”, no interior da FD (no sistema de enunciados), um enunciado dizível, com o qual estrutura a seqüência discursiva” (op. cit).

O esquecimento n° 1 representa o modo como somos afetados pela ideologia e pelo nosso inconsciente, ou seja, pensamos ser a fonte do dizer, quando na verdade estamos retomando sentidos que já existem (ORLANDI, 1999, p. 35). Embora pensemos estar inaugurando um novo dizer, isso apenas é representado pelo inconsciente, os sentidos são determinados conforme nos inscrevemos na história. Este esquecimento, segundo Cazarin (1995, p.23), serve para que nos subjetivemos enquanto sujeitos.

Nessa perspectiva, os esquecimentos fazem com que, quando dizemos algo pré-construído, nos constituamos enquanto sujeitos, e é por isso que as mesmas palavras podem ter o mesmo sentido e outros também dentro de um discurso. Vale lembrar, no entanto, que existe um espaço onde o sujeito se subjetiviza, ou seja, onde ele particulariza enunciados tendo-os como seus (ORLANDI, 1999, p. 35).

Em relação à autoria dos discursos, (op.cit. p. 35) registra que “quando nascemos os discursos já estão em processo e nós é que entramos nesse processo.

(23)

Eles não se originam em nós. Isso não significa que não haja singularidade na maneira como a língua e a história nos afetam”.

Considerando o que vínhamos tratando, podemos constatar que sobre a autoria podemos utilizar duas concepções distintas. Uma é proposta por Foucault (1992), o qual atesta que autor é aquele que instaura um novo discurso (o enunciador primeiro), é aquele que instaura uma ruptura nos discursos já existentes. Foucault defende que na verdade se trata de uma concepção denominada de função-autor, e a separa em três: a primeira função-autor diz respeito à responsabilidade pelo que escreve, é autor quem escreve e assina seu nome responsabilizando-se pelos escritos; a segunda função caracteriza diferentes tipos de textos, por exemplo, Freud e Saussure se distinguem porque escreveram sobre assuntos distintos; a terceira função assume a posição de que os discursos constituem a função-autor, ou seja, o texto é reconhecido porque foi escrito por determinado autor, um exemplo disso ocorre quando dizemos “li Machado de Assis”, sabemos que foi lido um texto legitimamente seu.

Para afirmar a importância do autor, Foucault (1992, p. 44-45) assinala que um nome de autor não é simplesmente um elemento de um discurso (...) ele exerce relativamente aos discursos um certo papel: assegura uma função classificativa; tal nome permite reagrupar um certo número de textos, delimitá-los, selecioná-los, opô-los a outros textos. Além disso, o nome de autor faz com que os textos se relacionem entre si(...) o nome de autor serve para caracterizar um certo modo de ser do discurso: para um discurso, ter um nome de autor, o facto de se poder dizer “isto foi escrito por fulano” ou “tal indivíduo é o autor”, indica que esse discurso não é um discurso quotidiano, indiferente, um discurso flutuante e passageiro, imediatamente consumível, mas que se trata de um discurso que deve ser recebido de certa maneira e que deve, numa determinada cultura, receber um certo estatuto.

Foucault (1992, p. 57) assegurou “como autor de um texto, de um livro ou de uma obra a quem se pode legitimamente atribuir a produção”. Isto significa dizer que a partir das obras desses sujeitos, outros poderão tomar lugar e escrever através do já-dito. Os fundadores da discursividade, isto é, aqueles que instauram um novo discurso verdadeiramente, são aqueles autores que, a partir de suas obras, pôde-se estudar, provar e comprovar através do que foi escrito, pois outros textos serão possíveis a partir deles; citemos Marx, Freud e Saussure como autores que marcam o lugar da diferença, de inauguração de idéias que depois entraram na cadeia de retomadas.

(24)

Já Pêcheux, ao retratar a noção de autor, o descreve como um efeito, pois o sujeito busca no interdiscurso vários enunciados, os contextualiza e dá-lhes um efeito de texto. Denomina-se esse processo de “efeito de autoria”, porque se dá a partir dos processos de identificação com determinados sentidos e não outros, pois tudo o que está no interdiscurso já é existente, não há nada de novo, não há novas idéias, e já afirmava Orlandi (1999, p. 33) que é preciso que as palavras já façam sentido para que as outras também possam significar.

Para a AD, a noção de autor não se restringe somente à originalidade que toma Foucault, mas ocupa esse lugar aquele que busca no interdiscurso enunciados já ditos e os ressignifica, particularizando-os. O autor é considerado enquanto tal quando configura, dá forma ao texto e nele se pode produzir sentidos. Para diferenciar a concepção de Pêcheux da concepção proposta por Foucault, Orlandi (1996, p. 69) afirma que

à diferença de Foucault, que guarda a noção de autor para situações enunciativas especiais (em que o texto original, “de autor” se opõe ao comentário) procuramos estender a noção de autoria para o uso corrente, enquanto função enunciativa do sujeito, distinta da de enunciador e de locutor” (ORLANDI, 1996, p. 69).

1.3.7 Leitura e Interpretação

Na perspectiva do texto pressupomos que para se materializar enquanto tal será necessário haver leitores/interlocutores para que haja a leitura e, consequentemente, a interpretação.

A interpretação é a construção de sentidos que o sujeito pode perceber no texto, e isso depende fortemente da bagagem discursiva que o mesmo possui. Mas interpretar não é a mesma coisa que decodificar. A decodificação está no nível da inteligibilidade, ou seja, decodificar significa levar em consideração apenas a forma, o intralingüístico. A interpretação, na acepção da AD, visa à compreensão do texto e à construção de sentidos, interessa, portanto, principalmente o extralingüístico.

Durante a leitura, mobilizamos diferentes conceitos para poder dar sentido ao que estamos lendo. Reiteramos que os sentidos podem sempre ser outros, as condições de produção, a FI e a FD em que o leitor se inscreve é que determinarão os sentidos. Em um primeiro momento, o sujeito-autor recolhe do interdiscurso os enunciados e os contextualiza. Lembremos que o sujeito-autor escreve inscrito em

(25)

determinada formação ideológica e discursiva, dando certo sentido ao que escreve, dependendo do lugar social que ocupa e as condições de produção subjacentes à produção do texto. Ao contextualizar os diferentes discursos, dizemos que o sujeito- autor costura esses discursos produzindo um texto visivelmente acabado, com efeito de início, meio e fim, e conseqüentemente com efeito de homogeneidade (INDURSKY, 2001).

Essa costura o caracteriza como um efeito-texto, pois aparentemente não tem nele “nada faltando e nada sobrando” (op.cit., p. 33); justamente nesse efeito de fechamento que se instaura a produção de leitura. É necessário frisar que o leitor, assim como o autor, é interpelado ideologicamente e se inscreve em uma certa formação discursiva; isso significa que sua leitura pode coincidir ou não com o lugar social em que o sujeito-autor produziu o texto. O processo de leitura se dá então primeiramente com a desconstrução do texto, para que depois se possa construí-lo novamente. Esse processo de desconstrução consiste em perceber os diferentes discursos existentes em um mesmo texto para que depois se possa reconstruí-lo dando sentido ao construído conforme a bagagem discursiva que cada sujeito possui.

(26)

2 SOBRE O CORPUS DE ANÁLISE E A METODOLOGIA

A partir de inquietações devido ao excessivo material dirigido ao público jovem, nos propusemos a analisar, à luz da teoria da Análise do Discurso de vertente francesa, a maneira como esse material se apresenta e também como produz (efeitos de) sentidos naqueles que leem. Claro que, como analistas de discurso, interpretaremos de uma forma que, talvez, outro analista não interpretaria, ou ainda, outras interpretações seriam feitas.

Neste capítulo, exporemos o corpus e a metodologia utilizados para essa pesquisa. Para a AD, as noções de corpus e de metodologia são bastante peculiares e necessitam de um bom entendimento para que se possa desenvolver as análises.

Na acepção da AD, o corpus e a metodologia já se constituem como parte da análise, nas palavras de Cazarin (2005, p. 46) “corpus e metodologia constituem-se já como momentos de análise e a metodologia usada na pesquisa resulta da reflexão (análise) utilizada sobre o corpus”. Vemos que não se tem uma metodologia a priori, o analista precisa construir a “sua” própria metodologia, considerando a teoria pela qual perpassará a análise e o corpus que será analisado, ou seja, o analista de discurso precisa conhecer seu corpus para que depois veja qual a melhor metodologia a ser aplicada sobre ele. A relação entre a metodologia e o corpus é tão intrínseca, que “decidir o que faz parte do corpus já é decidir acerca de propriedades discursivas” (ORLANDI, 1999, p. 63).

Podemos afirmar que a própria escolha do corpus é um gesto interpretativo, pois dentre tantas opções escolhemos um e não outro corpus para ser analisado. Nessa perspectiva, para este trabalho, o gesto de escolha das edições das revistas, e a escolha dos enunciados que nelas se encontram, já se constituiu como um gesto de interpretação. Seguindo esse raciocínio, nos reportamos a Orlandi (1999, p. 60), a qual atesta que “uma mesma palavra, na mesma língua, significa diferentemente, dependendo da posição do sujeito e da inscrição do que diz em uma ou outra formação discursiva”. Então, como já mencionado, nossas análises poderiam ser outras, mas as condições de produção e o contexto sócio-histórico que as regem fazem com que signifiquem de um jeito e não de outro.

(27)

No que diz respeito ao corpus e a metodologia, podemos dizer então, que o primeiro passo é fazer a escolha de certo material que interesse ao analista para ser analisado; a esse material denominamos arquivo. Depois é necessário que se faça uma “triagem”, ou seja, que se escolha certos enunciados que fazem parte do arquivo montado para que sejam analisados: essa escolha constituirá o corpus do trabalho. Ao serem analisados, os enunciados passam a ser denominados sequências discursivas (Sds). Estas, por fim, podem ser separadas em blocos/recortes, dependendo da temática/assunto que nelas contêm e o que se propôs a analisar. Em relação à metodologia, julgamos, em uma primeira instância, que, ao escolhê-la, já estamos analisando, portanto, interpretando também. Depois de visto isso, confirmamos que, conforme Cazarin, (2005, p. 46) “na verdade, em AD, metodologia e constituição do corpus são aspectos profundamente imbricados.”

Visto tudo isso, julgamos que

cada material de análise exige que seu analista, de acordo com a questão que formula, mobilize conceitos que outro analista não mobilizaria, face a suas (outras) questões. Uma análise não é igual a outra porque mobiliza conceitos diferentes e isso tem resultados cruciais na descrição dos materiais. Um mesmo analista, aliás, formulando uma questão diferente, também poderia mobilizar conceitos diversos, fazendo distintos recortes conceituais (ORLANDI, 1999, p.27).

A partir dessas considerações, podemos adentrar mais especificadamente no que tange ao corpus do respectivo trabalho. As revistas (arquivo) que foram escolhidas são de cunho juvenil e circulam mensalmente em todo território brasileiro: Atrevida, Todateen e Capricho. A natureza das mesmas ancora-se quase sempre em matérias que retratam o namoro e a questão do “ficar5”. Nessa perspectiva, delimitamos que as revistas a serem analisadas seriam aquelas publicadas no mês de junho, mês destinado aos namorados, pois julgamos que nesse mês teríamos um grande leque de material retratando os temas escolhidos para serem analisados nesse trabalho. De maneira mais delimitada ainda, propomo-nos a verificar o título

5Segundo Nelson Vitiello, especialista em educação sexual, o “ficar” começou a ser praticado entre os

jovens em meados da década de setenta, especialmente nos grandes centros urbanos, difundindo-se mais tarde a praticamente todos os locais onde existam adolescentes. Consiste num contrato informal mútuo de companhia, pelo qual os jovens “ficam” juntos durante um determinado período, trocando experiências e aprendendo os princípios mais elementares da convivência e da afetividade. Geralmente o “ficar” implica falta de compromisso e continuidade, sendo comum que adolescentes que “ficaram” em uma festa, por exemplo, nem se falem no dia seguinte (RASIA, 2006, p.208).

(28)

das matérias que abordam os temas namoro e “ficar”, para analisar como esses aspectos são discursivizados nestas revistas, e como, da forma como estão redigidos, produzem sentidos naqueles que as leem. Outra questão que suscita é o lugar de quem escreve esse tipo de matéria.

Dentro do arquivo montado, fizemos dois recortes discursivos distintos. No primeiro recorte, dispusemos as sequências discursivas (sds) que rememoram a noção de namoro. No segundo recorte, estão as sequências discursivas que retratam a noção do “ficar”.

Depois de passar pelo campo conceitual da teoria da AD e relatar o modo como as análises serão feitas, passamos, a partir de agora, a analisar as sequências discursivas que fazem parte do corpus que por nós foi montado.

(29)

3 AS ANÁLISES

3.1 Recorte 1 – Enunciados que fazem Menção ao Namoro Sd 1 Capricho

“Para ele, com carinho – sem ideia do que dar para o garoto no dia 12? Inspire-se aqui! Selecionamos presentes para você comprar ou fazer em casa que vão deixá-lo suspirando”.

O sentido primeiro que instauramos ao ler o título da matéria é que esse discurso ecoa de outra época, ou seja, retoma o discurso segundo o qual a mulher deve ficar em casa, preparando presentes para o namorado. Podemos interpretar dessa maneira porque ativamos o interdiscurso/memória discursiva, pois é através dele(a) que se “torna possível todo dizer e que retorna sob a forma do pré-construído, o já-dito que está na base do dizível, sustentando cada tomada de palavra” (ORLANDI, 1999, p. 31), ou seja, só podemos interpretar assim porque em nosso inconsciente está presente esse discurso já ouvido em outro contexto, em outra época. Nessa acepção, a memória que trazemos é o retorno do velho enxoval, quando a mulher fica em casa se preparando e preparando coisas que agradem ao companheiro, emergindo aí o papel submisso da mulher. O sujeito autor está inscrito na FD em que mulheres têm um papel inferior na sociedade, onde elas apenas acatam o que lhes é imposto. Podemos também apontar essa mesma FD àqueles que leem essa matéria, pois o fazem porque se identificam com o título; se não se identificassem não a leriam, já que o sujeito somente inscreve-se em uma FD quando se identifica com ela, dependendo sempre da FI que o constitui.

Podemos ainda analisar as palavras “inspire-se” e “selecionamos” através de suas formas verbais. A primeira encontra-se na forma verbal imperativa, a qual “expressa uma atitude de mando, conselho, súplica” (ABAURRE, PONTARA, p.277, 2006), mostrando, através de seu discurso, o lugar que ocupa o sujeito que escreve, isto é, ocupa um lugar de autoridade, nesse caso o poder da escrita sobre seus leitores. A palavra “selecionamos” encontra-se no Pretérito Perfeito, o qual “exprime os processos verbais concluídos e localizados num momento ou período definido no passado” (INFANTE, 2001, P. 261), isso mostra que o sujeito-autor dessa matéria

(30)

escolheu os presentes e são essas as únicas alternativas que o leitor tem, se quiser agradar ao namorado. Mais uma vez vê-se a autoridade da revista em relação aos seus leitores.

Sd 2 Todateen

“Presente perfeito – o que eles querem ganhar no Dia dos Namorados? Anote as dicas”.

Nessa Sd podemos perceber as mesmas manifestações do sujeito-autor que ocorrem na Sd 1, no que tange os relacionamentos. Novamente é retratado o valor do homem em uma relação. Segundo Ferreira (2005, p. 15), uma FD é “manifestação, no discurso, de uma determinada formação ideológica em uma situação de enunciação específica”. Seguindo esse raciocínio, percebemos que mesmo o sujeito-autor dessa matéria ser uma mulher, ela inscreve-se na FD em que concorda com o discurso de que mulher é quem deve seduzir e ser submissa ao homem. Ao escrever “Anote as dicas”, está impondo aos leitores que façam o que lhes será passado, isso para que não compre um presente inadequado ao menino. Novamente vemos o quanto as revistas são apelativas aos jovens, ou seja, elas fazem com que os adolescentes sigam seus “conselhos” para que tudo dê certo entre meninos e meninas. Essas matérias não preveem os sentimentos, elas apostam nos bens materiais, sugerindo uma postura capitalista.

Sd 3 Todateen

“Eles contam TUDO! Saiba o que os caras famosos procuram em uma garota mais que especial”.

A primeira coisa que olhamos na Sd 3 é a expressão “Eles contam TUDO”, onde esta última palavra está grafada em letras garrafais. Na perspectiva da AD, não podemos falar tudo, pois, segundo Cazarin (1998, p. 29) o texto é um objeto com começo, meio e fim, mas se tomado como discurso, não podemos precisar sua origem nem sua finitude, por isso, nunca pode se esgotar um assunto. Outro aspecto que salientamos nesse enunciado é a expressão “mais que especial”, nos fazendo rememorar a exigência dos homens em relação às mulheres. Através desse enunciado, ativamos o interdiscurso e trazemos para nossa memória duas possibilidades: a de que uma garota mais que especial seja aquela que tenha uma beleza prestigiada socialmente, ou então que ela tenha um diferencial positivo em relação às outras garotas.

(31)

Podemos ainda apontar para esse enunciado vendo que “os caras famosos” são ainda mais exigentes do que os homens sem fama, já que o lugar social que ocupam é mais prestigiado, não podendo, os famosos, ficar com qualquer garota. Diante disso, faz-se emergir a noção de FD, onde os garotos famosos fazem parte do grupo que não podem ficar com uma menina se ela não tiver padrões definidos, que a enquadrem como especial e diferente das demais.

Sd 4 Todateen

“Namoro dos sonhos – Dicas pra que todos os momentos sejam como o dia 12 de junho: perfeitos!”.

A Sd 4 faz emergir um discurso exposto nos contos de fadas, ou seja, traz como se deve agir para que um romance seja perfeito, além da vida “normal”. Ao escutarmos o enunciado “namoro dos sonhos”, ativamos nossa memória discursiva e lembramos logo dos romances das princesas, já que o sonho de toda garota é ser tratada como uma, e principalmente, encontrar o príncipe de sua vida, aquele garoto que a faça feliz. Vemos claramente que as leitoras dessa matéria são aquelas que se inscrevem na FD em que realmente acreditam que existem homens perfeitos, que podem ser considerados príncipes.

Outra questão que emerge nesse enunciado é o dia em que todos os momentos são perfeitos: no dia dos namorados. Esse discurso também é proveniente daquelas meninas que acreditam em romance perfeito. Mas essa acepção pode ser diferente para diferentes leitoras, pois o discurso é efeito de sentido entre autor e leitor (Orlandi, 1999). Se alguma leitora passou por um dia dos namorados brigada com seu namorado, ela não interpretará da mesma maneira que uma menina que passou o dia dos namorados de bem com seu par, ou ainda uma menina que não tem namorado. Isso nos faz ver que “a interpretação sempre pode ser outra” (FERREIRA, 2005, P. 18), visto que são as condições de produção que fazem um enunciado ter um sentido e não outro em determinado momento de enunciação.

3.2 Recorte II – Enunciados que Retratam o “Ficar” Sd 5 Todateen

“Tô na pista! Namorado pra quê? Muita garota quer mesmo é curtir a vida! Uhul!”.

(32)

Essa Sd mostra um discurso da atualidade, que nem mesmo as meninas, sexo frágil e submisso, querem mais namorar. Representa a garota moderna, aquela totalmente distante do “tempo da vovó”. A memória discursiva que ativamos ao ler esse enunciado é que, ao contrário de antigamente, as mulheres não precisam mais casar para encontrar a felicidade, como mostra a palavra “Uhul” no final do enunciado. Essa palavra ativa ainda um discurso de que aproveitar a vida pode-se fazer sem namorado, ou seja, que solteira não tem que dar satisfações a ninguém, enquanto que casada (ou com namorado), não se pode aproveitar a vida devido ao tempo que se tem que dedicar ao cônjuge. Considerando que quem escreveu essa matéria foi um sujeito do sexo feminino, percebemos que sua ideologia é de primeiro aproveitar a vida para depois assumir um compromisso sério com alguém, totalmente diferente dos tempos passados, quando não era permitido a mulher se expor antes de ter um namorado.

Encontramos também no início desse enunciado a palavra “to”, a qual remete a uma linguagem fragmentada, mostrando a que lugar social pertence o sujeito-autor. Encontra-se ele em uma posição em que não prioriza a norma culta, e que se identifica pelas palavras cifradas, o que mostra ainda que deseja chegar no mesmo nível lingüístico de seus leitores, os jovens, para que eles se identifiquem ainda mais com essa matéria.

Sd 6 Todateen

“24 h de paquera! Roteiro TDB pra aproveitar da manhã até a noite – e encontrar um gatinho fácil, fácil...”.

Em uma primeira leitura ativamos o interdiscurso para entender o que significa a sigla TDB, que há algum tempo atrás era remetida aos homens bonitos, denominados “tudo de bom”. Mas nesse contexto essa sigla tem o mesmo e outro significado ao mesmo tempo. Trata da sigla TDB como “tudo de bom”, referendando um roteiro diário onde se fará atividades agradáveis, e ainda pode referir-se ao “gatinho” que poderá ser encontrado durante esse dia. Ao ativar o interdiscurso diante dessa sigla, estamos, na verdade, dando sentido ao que estamos lendo, já que, “o interdiscurso determina materialmente o efeito de encadeamento e articulação de tal modo que aparece como o puro “já-dito”” (FERREIRA, 2005, p. 17). O sujeito-autor elenca atividades que, quando realizadas, pode-se, ao mesmo tempo, encontrar um ficante.

(33)

Outra interpretação que também podemos fazer é que o sujeito autor dessa matéria expressa no título o desespero em estar sozinha, propondo um roteiro para que dentro de um dia se possa encontrar um, pelo menos, ficante. A FD que se inscreve o sujeito-autor, assim como os leitores que se identificam com a matéria, é que a mulher precisa de um companheiro para ser feliz, que a mulher não pode ficar sozinha, e feliz ao mesmo tempo. Conseguimos interpretar dessas diferentes formas porque “os já ditos que tecem essa memória não são explicitados, mas podem ser inferidos” (RASIA, 2006, p. 209).

Sd 7 Atrevida

“Falar “eu te amo” para o ficante é careta?”.

Como já tratado, nesse trabalho a expressão “ficar” tem o sentido de efemeridade, e como sabemos “eu te amo” é uma expressão que abarca sentidos muito carregados de sentimentos; estes que não se conquistam em um curto período de tempo. No enunciado acima, o sujeito autor faz uma pergunta a seus leitores, indagando se a expressão “eu te amo” dita a um ficante é careta. Diante da conceituação que temos em relação ao verbo ficar na acepção que vimos trabalhando (ficar com alguém por um curto período), interpretamos que “eu te amo” não cabe nesse tipo de relação, e só interpretamos desse jeito porque a historicidade desse discurso nos faz interpretar assim. Inscreve-se nessa FD aqueles que compactuam ao dizer que ficar e namorar são, efetivamente, a mesma coisa, um tipo só de relacionamento. Nesse viés, o sujeito-autor está na verdade questionando seus leitores se concordam com a assertiva de que “eu te amo” pode ser dita a um ficante, pois ficar e namorar encontram-se em um mesmo patamar.

Sd 8 Atrevida

“O make da conquista – Se você está a fim de atrair todos os olhares do pretê, prepare-se: é preciso apostar certo no visual. Para dar aquela mãozinha, saímos atrás dos garotos com a missão de descobrir qual o tipo de make que eles mais curtem. Copie o look e arrase!”.

Em um primeiro momento, percebemos a presença de palavras estrangeiras, isso se dá pelo fato de que os jovens, principalmente, internalizam essas palavras tidas como gírias6, inscrevendo-se na FD que se ocupa desse tipo de fala para se comunicar, subjetivando-se enquanto sujeito autor de “suas” palavras. Nesse

(34)

instante, podemos ver que há o lugar de subjetivação dos enunciados, quando os são particularizados. Seguindo, o enunciado apela para o visual, isto é, valoriza a parte externa da mulher. Com isso, podemos fazer uma analogia com relação a AD, que preconiza o exterior, ou seja, para a AD não interessa somente o intralingüístico de um texto, é o extralingüístico que faz haver sentido.

Percebemos fortemente que o sujeito-autor, que é uma mulher, preconiza a exterioridade da mulher como sendo uma parte importante para a conquista. Encontra-se, portanto, em uma posição que assume que os homens só se interessam pelas mulheres bonitas aparentemente, o que destoa profundamente do que era preconizado antigamente, quando eram valorizados atributos interiores e jamais exteriores. Outra interpretação que podemos adentrar é de que a mulher deve estar atraente para seduzir, ainda sempre com o aval do homem, que dita o que gosta ou não. Retornamos ao velho mundo machista, aquele em que as mulheres são passivas perante os homens. Esse discurso parecia já estar em decadência, mas nesse enunciado fica clara a posição que o sujeito-autor ocupa, de que a mulher ainda é, de certa forma, submissa aos caprichos masculinos. Ao lermos “copie o look e arrase” entendemos que, independentemente de tamanho, peso, idade, a mulher tem o poder de conquista na maquiagem que usa, incitando novamente que a mulher bem arrumada tem maiores chances de atrair o sexo oposto, pois os homens só se interessam pelas mulheres aparentemente bonitas.

Sd 9 Atrevida

“Complicado e perfeitinho – Conquistar um garoto desse tipo dá trabalho, mas também pode ser muito emocionante. Só é preciso saber se o amor que o sujeito tem pra dar compensa o sacrifício. Se a resposta for “sim”, o jeito é correr atrás! Já, agora, pra ontem”.

Segundo os constructos teóricos da AD, para que “minhas palavras tenham sentido é preciso que elas já façam sentido” (ORLANDI, 1999 p. 33), desse modo, ao ativarmos o interdiscurso vemos que “complicado e perfeitinho” é uma expressão usada em uma letra de música denominada “Mulher de fases”, cujos cantores fazem parte do grupo “Raimundos”. Para que essa matéria tenha e faça sentido para quem lê, é necessário antes conhecer essa música. A letra exprime como as mulheres são efêmeras nas emoções, e esse mesmo conteúdo se aplica nessa matéria, salvo que agora a expressão “complicada e perfeitinha” muda apenas de gênero.

(35)

Nesse enunciado, percebemos que é a mulher que tem que ir em busca de um namorado, que os esforços partem dela. Podemos usar essa assertiva para cotejar com as épocas passadas, quando eram os homens que deveriam cortejar as mulheres para depois conquistá-las. Vemos que fica claro, nesse enunciado, que agora são as mulheres que devem achar maneiras de conquistar o sexo oposto. Sabemos que tudo mudou e está diferente porque nossa memória “em uma situação enunciativa, possibilita, pela emergência de fragmentos enunciativos, o eco de outros, anteriores, que o antecederam e que reaparecem, muitas vezes ressignificados” (RASIA, 2006 p. 204). Ainda podemos analisar o restante do enunciado, quando o sujeito-autor questiona seu leitor sobre a compensação em conquistar esse tipo de menino. Percebemos que quem ler esta matéria inscreve-se na FD em que vale tudo por um amor, ou seja, que qualquer sacrifício, pelo garoto que se quer, vale a pena.

(36)

CONSIDERAÇÕES FINAIS

São considerações finais porque nada está concluído ou acabado, este é um pequeno esboço do que pode significar hoje estes enunciados que por nós foram recolhidos. Amanhã poderão ter novos e outros sentidos, já que, como postula a AD, as interpretações podem ser múltiplas e variam conforme as condições de produção a que são postas. No entanto, esta pesquisa nos possibilitou observar o modo como são discursivizadas as matérias referentes aos tipos de relacionamentos, das revistas que nos propusemos analisar. Em um primeiro momento, chegamos à concepção de que a edição analisada de todas as revistas intentam o mesmo propósito, buscam cativar o leitor e fazer com que experimentem colocar em prática o que a eles é proposto. Isso decorre do fato de que os leitores se inscrevem na mesma FD de quem escreve as matérias, pois só leem se lhes interessa o que está sendo apresentado. Esse já é um indício de que os leitores adquirem a revista justamente com a intenção de nela encontrar alternativas para conquistar o garoto dos sonhos, comprar um presente bacana para ele ou buscar maneiras de se divertir mesmo sem namorado ou ficante, mas sempre com a intenção de conseguir um.

Observamos ainda que nos três exemplares há matérias dirigidas a quem tem namorado e a quem é solteiro, mas pouco diferenciam os dois modos de relacionamento. Isso quer dizer que as revistas estão inscritas na FD em que namorar e ficar encontram-se numa linha tênue. Nos dois recortes que analisamos, vimos que não se distingue namorar e ficar, o que importa é estar junto no dia dos namorados e acertar no presente para esse dia.

Pudemos perceber que nenhum enunciado analisado dedicou-se aos homens, ou seja, em nenhuma Sd houve dicas dadas aos meninos para que eles coloquem-nas em prática nas relações. Talvez isso decorra do fato de que foram

Referências

Documentos relacionados

O objetivo principal deste estudo de caso era verificar o grau de valorização da medicina popular de plantas entre o próprio povo, tendo por base uma comunidade com diferentes

Outro aspecto a ser observado é que, apesar da maioria das enfermeiras referirem ter aprendido e executado as fases do processo na graduação, as dificuldades na prática

Após a implantação consistente da metodologia inicial do TPM que consiste em eliminar a condição básica dos equipamentos, a empresa conseguiu construir de forma

No final, os EUA viram a maioria das questões que tinham de ser resolvidas no sentido da criação de um tribunal que lhe fosse aceitável serem estabelecidas em sentido oposto, pelo

Tendo em conta, os efeitos que as soluções de irrigação exercem, não só no tecido dentário, como também nas propriedades dos materiais de obturação do

“O aumento da eficiência e o plano de produção fizeram com que a disponibilidade das células de fabricação aumentasse, diminuindo o impacto de problemas quando do

Como objetivos específicos pretendeu-se iden- tificar os taxa existentes nesta gruta, determinar a riqueza de es- pécies de sua comunidade; verificar a influência de fatores

Este dado diz respeito ao número total de contentores do sistema de resíduos urbanos indiferenciados, não sendo considerados os contentores de recolha