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4.6 A TRADUÇÃO DE DON JUAN POR ROBERTO SCHRAMM

4.6.1 A Recriação Recreativa de Schramm

Na introdução que apresenta a publicação da Dedicatória traduzida por Roberto Schramm, há pequenas referências que situam o leitor quanto ao texto, o autor e o tradutor. A partir dessa breve introdução, o leitor poderá se orientar quanto ao que encontrará nas páginas seguintes. Entre as informações ali contidas merece especial destaque o projeto do tradutor, apresentado como “uma recriação (ou recreação) da comedia byroniana em oitava rima.”.

A partir dessa introdução compreendemos a abordagem que será dada ao texto byroniano na tradução ali apresentada. A alusão ao termo “recriação”, no que se refere aos conceitos da tradução, nos remete diretamente aos pressupostos da corrente concretista, como visto na análise das traduções de seus representantes Augusto de Campos e Décio Pignatari. Concepção que nos leva a crer que podemos esperar um projeto de tradução no qual o tradutor se sente livre para intervir no texto e promover adaptações, aculturações, de modo a degluti-lo e reescrevê-lo sob a ótica do antropofagismo, a qual defende a incorporação do texto traduzido à cultura local. Essas expectativas estão de fato de acordo com a tradução de Schramm (2012b), como podemos observar já na segunda estrofe, na qual os Lake Poets são abrasileirados e representados pelos Sapos de Manuel Bandeira numa analogia ao brado repetitivo e infrutífero de suas manifestações acerca da arte poética.

Dedication – Estrofe II Tradução de Schramm "Which pye being open'd they

began to sing"

Qual Sapos Cururus beirando o lago; (This old song and new simile

holds good),

– nova símile para a anciã cantiga, "A dainty dish to set before the

King,"

– batráquios vão cantando para o agrado

Or Regent, who admires such kind of food; –

do rei Bretão que (tradição antiga)

And Coleridge, too, has lately

taken wing,

paga a conta do Parnaso. Um, chamado

But like a hawk encumber'd with his hood,

Coleridge, se aparta um pouco dessa briga,

– Explaining metaphysics to the nation –

Ao explicar metafísica a nação I wish he would explain his

Explanation.

Quem dera explicasse a explicação.

Ainda nessa apresentação o termo recreação relacionado à tradução demonstra o caráter irreverente que o tradutor atribui a sua tarefa. Ao ser questionado sobre o sentido e a origem do termo declara:

Eu acho que a tensão entre recriar e recrear é uma das chaves para esse projeto de tradução do Don Juan. Eu duvido que funcione tão bem para explicar outros projetos, mas eu consigo reconhecer essa tensão até mesmo quando eu estou trabalhando em textos mais sisudos, ou em coisas mais sóbrias, – seja poesia ou prosa, própria ou alheia. Eu pesquei essa coisa do recrear/recriar do blog de uma amiga: ela botou lá alguma coisa como ‘translation is recreation’ – e na hora eu percebi (na verdade, foi o Paul de Man quem ensinou a percebê-lo) que quando uma sentença parece intraduzível ou muito difícil de se traduzir, a explicação dessa ‘intraduzibilidade’, (dessa dificuldade e dessa impossibilidade) implica, necessariamente, em algum discurso ou princípio importante para a teoria da tradução. No caso, ‘recreation’, que significa ao mesmo tempo recriar e recrear. Em português já houve o verbo ‘crear’, mas no estado da língua em que atualmente operamos, a grafia correta é ‘criar’. Esse afastamento, portanto, do re-criar e do recrear-se, se anula quando consideramos esses dois sentidos emanando de uma única palavra, como ocorre em inglês. É esse ‘desafastamento’ que eu procuro e utilizo para descrever o meu projeto tradutório, que está hedonisticamente orientado para uma concepção de ReCREATION:

‘recriar recreando-se, recreativamente’. (SCHRAMM, 2013).

Percebemos o quanto o conceito da tradução como processo de passagem não dolorosa permeia a concepção de tradução que Schramm aplica ao seu Don Juan. Concepção para qual o tradutor busca fundamentação na própria obra e estilo de Byron:

Eu percebo uma espantosa simetria com a prática de Byron como criador, porque ele criava recreativamente – até desdenhosamente, no sentido Pessoano de ‘creou-os como quem desdenha’. Mas esse poema, D. Juan, é uma obra recreativa e recreacional – pelo menos no sentido em que a altíssima comédia consegue, às vezes, nos capturar naquela esfera do puro deleite, de intensa luz solar, que pode suprimir as dores e angústias, inclusive (e sobretuo) a dor da criação (a dor do parto). Então, ficou claro que o modus operandi dessa tradução tinha que ser tanto um ‘re-criar recreativo’ como um ‘recreio recriativo’; – e como também, (e o mais importante:) a recriação desse recreio original byroniano; a recriação, enfim, de uma recreação. Depois de eu me ter dado conta disso, ficou relativamente fácil, o ‘tom’ da tradução foi estabelecido. A partir daí, na medida em que você colocar tempo e transpiração na fórmula, fica impossível errar – impossível não traduzir. (SCHRAMM, 2013). Essa mesma concepção é defendida por Schramm em seu artigo Infidelidade Consentida. Nele, o tradutor explicita a fundamentação do seu projeto tradutório a partir das concepções intertextuais que fundamenta na própria prática de Byron ao traduzir Morgante Maggiori de Pulci e Dante:

É justamente nesse “entrelaçamento de geometrias poéticas” que eu julgo encontrar o cerne de meu projeto tradutório. Um castelo recriado, uma construção “singular”, enquanto “arabesco de citação poética”; e, sendo assim, marcado por esse aspecto rizomatoso, interconectante, da criação e recriação textual, do qual a possibilidade mesma da tradução depende. Desse cruzamento de

perspectivas surge, pois, disponível ao tradutor uma possibilidade de confrontar o autor em favor da obra. Portanto, minha proposta “remete” – como a retextualização de Pimentel – para um esforço tradutório no qual as “caixas chinesas” e os espelhos distorcidos inerentes ao processo sejam encarados como franca oportunidade de encontrar relações, de domar anacronismos e de acessar o original criticamente e criativamente, (críticativamente, por assim dizer), de modo a achar nele o que nele “remete para uma rede de referências literárias”. (SCHRAMM, 2012a, p. 5- 6).

Desse modo, observamos que o projeto tradutório de Schramm está embasado na releitura intertextual e nas concepções antropofágicas de apropriação, deglutição e recriação do original pela tradução.

Importante destacar que o tradutor reconhece o caráter cômico da obra e certamente buscará reproduzir essa importante característica por meio dos recursos irônicos de que ela é constituída, desse modo poderemos observar detalhadamente a recriação dos mesmos por meio dessa recreação anunciada.

4.6.2 A reconstrução dos Marcadores de Ironia

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