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3 ENSINAR E APRENDER LÍNGUAS ESTRANGEIRAS COM TECNOLOGIAS DIGITAIS

3.2 Recursos digitais e ensino: pesquisas e práticas pedagógicas

Segundo Santaella (2013b), desde o início do século XIX, cinco gerações de tecnologias de linguagem têm implicado mudanças nos processos de comunicação e nos aspectos cognitivos e sensoriais das ações humanas. Na Figura 4, podemos observar uma síntese das características desses estágios de máquinas de produção de linguagem e que contemplam o que a autora denomina de tecnologias do reprodutível, da difusão, do disponível, do acesso e da conexão contínua.

Figura 4: Gerações de tecnologias de linguagem

Fonte: elaborado pela pesquisadora a partir de Santaella (2013b).

As especificações apresentadas na figura ressaltam características próprias que repercutem também nos processos de aprendizagem e no modelo educacional de cada estágio. Essas formas de ensinar e aprender podem ser influenciadas diretamente pelas potencialidades das tecnologias de acesso e de conexão (SANTAELLA, 2013b).

Importa destacar que nenhuma tecnologia da linguagem e comunicação elimina as tecnologias e formações culturais que as antecederam. Ainda que a tecnologia mais recente assuma maior visibilidade, isso não resulta no desaparecimento de mídias anteriores, uma vez que estas assumem uma refuncionalização de seus papéis. Traçando um paralelo com o contexto educativo, Santaella (2013b) propõe que as diferentes formas de aprendizagem, de modelos emergentes ou antecedentes, apresentem características que lhes sejam próprias e, se complementadas, que resultem em maiores potencialidades ao processo educativo.

Nesse sentido, é interessante notar a retrospectiva histórica traçada por Paiva (2008), que acompanha o percurso do uso de tecnologias, especificamente no ensino de línguas estrangeiras, iniciando com os recursos tipográficos, passando pelas tecnologias de áudio e vídeo, e chegando até a evolução da internet 2.0 e as transformações que seguem em curso.

É possível observar que a reprodução de som e vídeo foi uma das maiores inovações tecnológicas no panorama do ensino de línguas, contando inicialmente apenas com a

reprodução do som (como, por exemplo, através do fonógrafo, aparelho inventado por Thomas Edson, no século XIX) e, em seguida, com máquinas de projeção de imagem, as quais alcançaram posteriormente a conjugação de som e imagem (PAIVA, 2008).

Segundo a autora, os recursos da web 2.0 ofereceram possibilidades de uso da língua em variadas experiências de comunicação. Nesse espaço são dadas oportunidades ao aprendiz para que ele não seja meramente mais um consumidor de informações, passando a produzir e interagir com recursos textuais que se integram a outros elementos imagéticos, visuais e sonoros para a produção de sentidos dos textos do ambiente digital.

Em congruência com esse posicionamento, Braga afirma que

[...] a internet é uma ferramenta privilegiada como apoio para o ensino de línguas. Por oferecer uma circulação social sem precedentes, que tende a ser registrada através da escrita e de outras modalidades linguísticas, é possível explorar exemplos concretos de usos de língua nas mais variadas situações (contextos formais e informais). A produção do aluno pode ir além de um mero exercício escolar, realizado para a leitura do professor e com objetivos de avaliação. Agora o aprendiz tem a possibilidade de publicar seus textos online para leitores virtuais (BRAGA, 2013, p.54-55).

A partir do cenário descrito acima, as preocupações em torno das adequações de aspectos linguísticos no texto, do gênero a ser utilizado e da funcionalidade dos textos produzidos ganham contornos e públicos reais. Além disso, ter acesso aos usos reais, na modalidade oral e escrita da língua, e às diversas linguagens que integram os textos em circulação no meio digital é um dos aspectos que favorecem o ensino de línguas aliado às tecnologias. De acordo com a autora,

[...] as redes sociais e as publicações on-line propiciam diferentes oportunidades para a exposição e uso da língua alvo. Pode-se mesmo dizer que aprendizes de línguas estrangeiras, mesmo sem sair de seu próprio espaço geográfico, têm a possibilidade de usufruir uma imersão linguística virtual que permite o acesso a situações reais de uso da língua (BRAGA,2013, p.51).

Atualmente, podemos interagir com pessoas de diferentes países e sem grandes custos para praticar a língua estudada. Tal fato é facilitado pela difusão e barateamento das tecnologias digitais, por meio de computadores, netbooks, tablets e smartphones, o que tem auxiliado ainda no uso de novas propostas pedagógicas e resultados significativos aos alunos. O mundo passou a estar em nossos bolsos (LEFFA; IRALA, 2014).

Em seguida, apresentamos alguns estudos que evidenciam experiências, potencialidades e desafios no que concerne à integração de tecnologias digitais às aulas de

línguas estrangeiras. Os critérios utilizados para seleção das pesquisas relacionaram-se à sua repercussão no contexto acadêmico e no alinhamento com o tema ora focalizado. As pesquisas transitam entre práticas com recursos digitais, redes sociais, metodologia interativa e aplicativos de gamificação.

A lousa digital, por exemplo, foi investigada por Costa, Puggian e Vilaça (2016) enquanto recurso didático para o ensino de língua inglesa, tendo como suporte para suas análises a narrativa de docentes que fazem uso desse dispositivo. Após a realização de entrevistas semiestruturadas, com professores que tinham prática reconhecida com uso da lousa digital, alguns dos aspectos apontados por esses docentes foram:

- Facilidade para a adoção de recursos visuais; - Rapidez de acesso às imagens e sons;

- Enriquecimento das aulas por meio do contato visual proporcionado pela lousa; - Engajamento e motivação por parte dos alunos;

- Maior participação dos alunos por meio da manipulação e interatividade com a lousa digital;

- Possibilidade de reutilizar e adaptar para outros momentos o que é produzido; - Dinamização do trabalho docente, visto que, com a disponibilidade de recursos

online, os professores não se centram nas produções paralelas de portfólios com materiais

visuais, flashcards, reprodução de cópias, por exemplo.

Os autores destacam ainda o aspecto da avaliação no processo de adoção da lousa digital. Nenhum dos professores entrevistados utilizava a lousa como instrumento pedagógico de avaliação. Alguns, inclusive, se remetiam a esse processo como diretamente relacionado às provas, concebendo-as como instrumento de maior peso ou adotavam apenas um tipo de formato avaliativo. Entretanto, os pesquisadores acreditam que estratégias poderão “[...] surgir para se apreciar a evolução dos discentes, como seminários, debates, projetos, participação das atividades colaborativas e engajamento nas aulas” (COSTA; PUGGIAN; VILAÇA, 2016, p.127), ou, ainda, para que outras formas avaliativas possam ser pensadas por meio das atividades desenvolvidas com o uso da própria lousa digital.

A pesquisa “Redes Sociais no Ensino Básico: Facebook e emoções de estudantes no uso de inglês”, de autoria de Rodrigo Aragão e Iky Anne Dias, foi desenvolvida em um semestre letivo do ano de 2013 e teve como objetivo explorar as experiências, integradas ao

Facebook, de estudantes de inglês do 8º ano do Ensino Fundamental de uma escola da rede

estadual no município de Itabuna (Bahia/Brasil). A proposta congrega ainda uma abordagem sobre as emoções e o uso da língua inglesa em sala de aula.

As aulas foram planejadas e executadas em consonância com as interações ocorridas em um grupo fechado, intitulado Clinging, criado no Facebook, e vinculado a outras estratégias didáticas utilizadas em sala de aula. Nesse ambiente foi observada a interação dos alunos no grupo mencionado, considerando os compartilhamentos e as reações dos colegas nas postagens. Dentre os resultados obtidos, destacam-se:

- Maior autoconfiança dos estudantes ao se expressarem na língua inglesa - geralmente, os alunos se sentem inibidos ao se expressarem na língua meta;

- Utilização da língua inglesa fora do ambiente do grupo proposto; - Facilidade para o aprendizado da língua;

- Possibilidade de expressão para os alunos que encontram dificuldades em se expor presencialmente;

- Avaliação positiva da experiência por parte de 100% dos alunos participantes da pesquisa;

- Maior interesse e motivação para aprender;

- Expressão de sentimentos de coletividade e formação de laços, característicos das interações em rede;

- Fortalecimento das relações entre os atores envolvidos no processo de ensino- aprendizagem;

- Possibilidade de habilitar a permissão para que os alunos possam compartilhar conteúdo, não ficando restritos apenas às publicações da professora, como ocorre em outros ambientes virtuais.

Diante de tais resultados, o estudo apontou para uma tendência positiva quanto ao uso do Facebook. Essa rede social se apresentou ainda como um importante espaço para explorar a produção escrita do aluno em um trabalho que contemple o contato com hipertextos e hipermídias. Ademais, mostrou-se como oportunidade de expressão, por outros meios, aos alunos que eventualmente sintam-se inibidos em sala de aula.

Em pesquisa realizada com professores em formação, que trata da metodologia

WebQuest11 interativa e adaptável ao ensino-aprendizagem de língua inglesa, Canto (2016) nos apresenta algumas reflexões provenientes desse estudo. A pesquisa explorou a metodologia WebQuest intitulada “Back to the future” (que aborda o uso dos tempos verbais) no ensino superior, realizada com alunos do curso de Letras de uma universidade

11 Metodologia com atividades previamente organizadas, orientadas para a investigação, de modo que os recursos disponíveis online possam ser utilizados na resolução das tarefas propostas. A introdução, tarefa, processo, recursos, avaliação e conclusão são elementos que compõem uma metodologia WebQuest, e o trabalho colaborativo destaca-se como um de seus princípios (BOTTENTUIT JUNIOR; SANTOS, 2014).

da cidade de Pelotas/RS. A partir dos depoimentos dos alunos, a autora destaca os seguintes aspectos referentes à aprendizagem da língua estrangeira e ao contato com essa metodologia. Vejamos:

- Motivação, interesse e maior envolvimento do aluno com a língua inglesa; - Estímulo à pesquisa;

- Interação entre os pares, o professor e a atividade proposta;

- Exposição à língua estrangeira por meio de atividades desafiadoras e dinâmicas; - Possibilidade de feedback quase instantâneo ao aluno;

- Ensino dos tempos verbais de modo contextualizado.

O ensino-aprendizagem de línguas também pode contemplar atividades apoiadas em dispositivos móveis e baseadas na gamificação. É nesse sentido que Gazotti-Vallim, Gomes e Fischer (2017) descrevem um estudo de caso realizado em aulas particulares de inglês, para as quais foi criada uma unidade didática sobre as temáticas “descrição de características físicas e atividades cotidianas” com o uso do Kahoot!. Trata-se de uma plataforma online interativa, com elementos característicos da gamificação, que possibilita a criação de quizzes educativos por meio de perguntas de múltipla escolha, visualizadas em projetor multimídia, cujas respostas são indicadas nas telas dos próprios dispositivos dos jogadores (computador, notebook, celular, tablet).

As autoras relataram o envolvimento das alunas com o conteúdo; a sensação de descoberta, estímulo à criatividade, desafio; aumento da motivação; monitoração dos “erros” e estímulo à construção de novos conhecimentos.

Contudo, as pesquisadoras ressaltam que, apesar do uso dessa plataforma digital ter contribuído para uma aprendizagem significativa, houve uma preocupação no que concerne ao formato do jogo, por ser baseado em perguntas de múltipla escolha e conhecimentos factuais. Desse modo, as autoras julgaram necessária a inserção de uma outra atividade, ainda via Kahoot!, que apresentasse um viés mais interpretativo, de modo a fomentar um posicionamento crítico-reflexivo sobre um tema retratado em um dos vídeos trabalhados por elas.

As experiências pontuadas acima oferecem em seus resultados implicações positivas sobre a integração de tecnologias digitais às aulas de línguas estrangeiras, trazendo alguns indicativos de como as tecnologias digitais podem contribuir para o ensino-aprendizagem de outras línguas. Sobre isso, cabe salientar que

[...] a questão da cultura digital hoje deve ser compreendida para além de inserir um dispositivo, aplicativo ou serviço tecnológico nas práticas pedagógicas. Esta perspectiva é reducionista e pode atender mais a vontade de parecer atual e inovador do que ser de fato. Deve-se evitar o risco de dispositivo ou aplicativos "da moda", sem uma reflexão mais abrangente sobre as implicações em questões didáticas, discursivas, éticas, legais (VILAÇA, 2017, p.1.768).

Com efeito, o foco das atividades não deverá recair no uso das ferramentas e recursos digitais como acréscimo de elemento inovador ou estratégia de motivação às aulas, mas deverá estar em consonância com os objetivos planejados, buscando-se como resultado do processo a aprendizagem. É interessante que, quando propostas, nessa perspectiva, as atividades congregam a integração da ferramenta digital de modo criativo, aliado a uma estratégia pedagógica que pode ser adaptável às necessidades de cada contexto de ensino.