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Fonte: Brasil (2019, p. 31).

34 Autora do gênero feminino

INTRODUÇÃO

A redação começa com uma quantidade considerável de linhas expositivas, isto é, sem movimentos argumentativos. Da linha 1 à linha 6, a autora apenas expõe a problemática da proposta, sem traços de argumentação no discurso, apesar do emprego de alguns conectivos. A única sequência argumentativa deste parágrafo é o último período, que começa na linha 7. Ainda assim, tal período expõe apenas o ponto de vista (a tese) da redatora, sem prenunciar as justificativas que serão desenvolvidas nos parágrafos seguintes, conforme se faz na maioria desses textos.

Ponto de vista: “...tal manipulação do comportamento de usuários pela seleção prévia de dados é inconcebível e merece um olhar mais crítico de enfrentamento.”

(linhas 7-9).

Como temos percebido, a citação é recorrente na maioria das redações que recebem nota máxima. Citar o discurso alheio é uma atitude de dar voz a outros, contudo relembramos que o importante é o “como dar voz aos outros”

(POSSENTI, 2002, p. 117): a citação precisa estar devidamente encaixada com a ideia principal do parágrafo e as relações de sentido entre o seu conteúdo e o conteúdo do texto precisam ficar evidentes no enunciado.

Na citação indireta realizada neste parágrafo, a redatora faz menção a uma canção sem, no entanto, transcrever nenhum de seus versos para a redação. Isso poderia ser um problema para um leitor que, porventura, desconhecesse a canção, no entanto não é o que ocorre aqui, uma vez que a paráfrase que a autora faz da letra é suficiente para que se explicite a relação entre o conteúdo da citação e o do texto.

Como a redatora demonstrou saber usar o recurso da citação, consideramos que o emprego dessa estratégia no parágrafo configura-se como indício de autoria.

DESENVOLVIMENTO 1

Este parágrafo apresenta uma construção complexa, com exigências de retomadas para o parágrafo anterior, períodos muito longos e trechos intercalados. O efeito disso é que o leitor pode sentir-se obrigado a ler mais de uma vez cada período a fim de garantir a compreensão. Essa característica do parágrafo, para nós, tem relevância, tanto em relação à construção da argumentação, quanto em relação aos indícios de autoria, pois a ausência de uma linguagem simples, quando o autor não domina bem as artimanhas da escrita, dificulta a construção da argumentação e conduz ao questionamento do seu nível de autoria.

Encontramos um movimento argumentativo peculiar nesta redação, dada a complexidade estrutural do parágrafo: a redatora anuncia seu ponto de vista no início do parágrafo – como se vê em boa parte dos textos dessa natureza –, porém construiu uma cadeia de raciocínio que lançou mão de uma série de períodos, os quais se constituem em uma única justificativa para o ponto de vista. Não há contra-argumento nem resposta explícitos no parágrafo.

Em uma estratégia incomum, a autora finaliza o parágrafo com um argumento que se relaciona à tese exposta na introdução, e não ao raciocínio desenvolvido no

parágrafo. Dessa forma, tem-se um conjunto ponto de vista + justificativa desmembrado, um elemento em cada parágrafo.

É possível perceber também a intenção da redatora de demonstrar que tal argumento decorre da justificativa do argumento anterior – o operador argumentativo “também” (linha 21) marca essa adição de mais um argumento para não aceitar a manipulação de dados: o combate ao individualismo. Abaixo, destacamos os movimentos argumentativos que localizamos:

Ponto de vista: “esse panorama supracitado [a manipulação do comportamento do usuário pela seleção prévia de dados] é capaz de limitar a própria cidadania do indivíduo” (linhas 10 e 11).

Justificativa: “[Segundo o filósofo J. Habermas, a ação comunicativa] consiste na capacidade de uma pessoa em defender seus interesses e demonstrar o que acha melhor para a comunidade, demandando ampla informatividade prévia. + caso os sujeitos não possuam um pleno conhecimento da realidade na qual estão inseridos (...), eles serão incapazes de assumir plena defesa pelo coletivo” (linhas 12-15 e 16-19).

Justificativa (da tese exposta na introdução): “a manipulação do comportamento não pode ser aceita em nome do combate, também, ao individualismo e do zelo pelo bem grupal” (linhas 20 e 21).

Obs.: O operador argumentativo “logo” (linha 20) marca a conclusão de uma prova irrefutável de que a ideia da tese tem fundamento.

Não deixaremos de fazer menção às estruturas de apreciação do próprio discurso, como a que se vê na linha 10: “é válido ressaltar...”. Assim como ocorre no Desenvolvimento 2 – “vale salientar” (linha 22), para nós, essa expressão figura como uma estrutura fixa memorizada pelo estudante como parte obrigatória da prova, ou seja, não consiste em um emprego deliberado, plenamente consciente do efeito de sentido que a expressão vai causar. Portanto, não consideramos que a redatora tenha se distanciado do próprio discurso nessas ocorrências.

DESENVOLVIMENTO 2

O parágrafo tem estrutura argumentativa semelhante à do anterior, porém resulta menos complexo, com frases na ordem direta. Essas características tornam mais fácil visualizar o percurso trilhado pela redatora na construção do argumento. Ela recorre mais uma vez a uma citação de autoridade – desta vez o filósofo pós-estruturalista Stuart Hall – para mostrar que o controle de dados é prejudicial. A justificativa também é composta por uma série de períodos, o que pode indicar uma limitação da redatora para construir sua argumentação, pois em ambos os parágrafos ela não ultrapassa os limites do argumento. Para finalizar o parágrafo, por exemplo, em vez de robustecer a discussão refutando um possível contra-argumento, a autora apresenta mais dois pontos de vista, formulados a partir da justificativa do ponto de vista 1. Isso dá a entender que ela não consegue ultrapassar os limites do argumento, demonstrando uma provável incapacidade de

executar movimentos argumentativos mais sofisticados, como o da tríade dialógica. Mostramos abaixo os elementos argumentativos que identificamos.

Ponto de vista 1: “o controle de dados pela internet vai de encontro à concepção do indivíduo pós-moderno” (linhas 22 e 23).

Justificativa: “de acordo com o filósofo pós-estruturalista Stuart-Hall, o sujeito inserido na pós-modernidade é dotado de múltiplas identidades. + as preferências e ideias das pessoas estão em constante interação, o que pode ser limitado pela prévia seleção de informações, comerciais, produtos, entre outros.”

(linhas 23-27).

Obs.: O operador argumentativo “sendo assim” (linha 26) é responsável por unir os períodos que compõem a justificativa.

Ponto de vista 2: “a tentativa de tais algoritmos de criar universos culturais adequados a um gosto de seu usuário criam uma falsa sensação de livre-arbítrio”

(linhas 28-30).

Ponto de vista 3: “[a tentativa de tais algoritmos de criar universos culturais adequados a um gosto de seu usuário] tolhe os múltiplos interesses e identidades que um sujeito poderia assumir.”

Obs.: o operador argumentativo “por fim” (linha 27) marca a relação de explicação que os pontos de vista 2 e 3 possuem com o período que os antecede.

Considerando as categorias dos indícios de autoria, chama atenção a passagem

“seria negligente não notar...” (linha 28) como uma atitude mais peculiar de manter distância do que diz. Diferentemente das outras vezes em que a redatora avaliou o conteúdo do seu texto, aqui ela parece fazer isso de uma forma menos engessada e mais autêntica. argumentativo na abertura do parágrafo é responsável por estabelecer a conexão.

Esse movimento de retomar trechos antecedentes para justificar opiniões posteriores parece ser um estilo da autora, um padrão que ela repete em todos os parágrafos. Entretanto também não ocorrem, neste parágrafo, elementos da tríade argumentativa além do argumento. O que há é outro movimento de justificativa de opinião marcado pelo operador “uma vez que”, na linha 37. Vejamos:

Ponto de vista: “Isso pode ser feito pela abordagem da temática, desde o ensino fundamental...” (linhas 36 e 37)

Justificativa: “uma vez que as gerações estão, cada vez mais cedo, imersas na realidade das novas tecnologias” (linha 37)

O conjunto apresentado acima também se enquadra na categoria manter distância do próprio discurso, pois ao interromper o que diz, usando travessões para incluir uma justificativa da frase anterior, a autora se afasta do local de enunciadora e aproxima-se do alocutário, julgando ser necessário explicar a sugestão que acabou de fazer. Na nossa visão, trata-se de um legítimo indício de autoria.

A principal característica da redação 1/2018, considerando a categoria da tríade argumentativa dialógica de Leitão (1999), é a ausência de elementos concretos que figurem como contra-argumento e resposta. A autora parece desconhecer ou não dominar os referidos movimentos, uma vez que eles não aparecem, senão em um vislumbre de algum trecho que poderia ser considerado um dos elementos.

Em relação às categorias de Possenti (2002) manutenção da distância e dar voz a outros, a redatora pareceu possuir mais a capacidade da primeira atitude do que desta última. Somente as citações do texto se enquadraram na categoria de dar voz aos outros e, ainda assim, nem todas com propriedade suficiente para configurar indícios de autoria.

Já os movimentos de manter distância do dizer foram melhor elaborados e mostraram-se mais facilmente como indícios de autoria.