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2.2 O QUE SE ENTENDE POR ARGUMENTAÇÃO DIALÓGICA?

2.2.1 A tríade argumentativa

A crítica aos estudos que não consideram o caráter discursivo-dialógico da linguagem no campo educacional consiste na defesa de uma investigação do processo de argumentação que vá além da atenção exclusiva ao argumento – como acontece na proposta de Toulmin (1958), por exemplo. Leitão diz que “a simples transposição do modelo monológico para a análise da argumentação em situações instrucionais não parece capaz de capturar o processo de constituição do conhecimento que nela opera” (2001 apud LEITÃO, 2007, p. 84), pois

os movimentos discursivos de justificação de pontos de vista e resposta a perspectivas contrárias criam, no discurso, um processo de negociação no qual concepções a respeito do mundo são continuamente formuladas, revistas e, eventualmente, transformadas. Tomados em conjunto, estes movimentos constituem, eles próprios, um mecanismo específico de aprendizagem que se postula inerente à argumentação.

(LEITÃO, 2007, p. 82).

Com essa proposta, a autora apresenta um conjunto de três elementos que compõem o fenômeno do argumentar, os três igualmente relevantes para a construção da argumentação, uma vez que correspondem às etapas do diálogo intrínseco ao discurso argumentativo, segundo a perspectiva dialógica. São eles: argumento, contra-argumento e resposta – a tríade argumentativa (LEITÃO, 2000).

O argumento corresponde ao ponto de vista representado em um discurso seguido de suas justificativas, as quais, por sua vez estão submetidas a critérios para que o argumento seja considerado. O contra-argumento, na proposta de Leitão (2000), define-se como uma ideia que põe em dúvida o argumento, coloca-o à prova, contesta-o ou apresenta dados que dão sustentação a opiniões contrárias a ele. Esse elemento da tríade pode partir de um interlocutor ou até mesmo do próprio proponente do argumento, ao recordar e selecionar mentalmente discursos contrários ao seu. Por fim, a resposta é o elemento que conclui o processo discursivo-dialógico, indicando a postura do proponente frente à confrontação de suas justificativas iniciais. O último elemento da tríade

pode ser do tipo destituição do contra-argumento, com preservação do argumento inicial sem alteração; concordância local, na qual se mantém o argumento inicial somando a este partes do contra-argumento; integração, na qual somam-se partes do argumento e partes do contra-argumento modificando-se, assim, o argumento inicial; e, por último, a aceitação10 na qual se aceita o contra-argumento integralmente, retirando-se, assim, o argumento inicial (LIRA &

LEITÃO, 2016, p. 70).

Ademais, o elemento resposta pode constituir um novo argumento, iniciando-se aí uma nova negociação.

Os elementos da tríade argumentativa constituem, juntos, uma estrutura de argumentação efetiva, de modo que, conforme defendido nesta pesquisa, considera-se proficiente em argumentação o sujeito capaz de envolver esses três fatores na construção de sua argumentação. A argumentação dialógica acontece, portanto, quando há defesa de opinião com justificativas cogentes, ponderação das justificativas mediante opinião contrária e conclusão do raciocínio com a devida referência à ideia inicial, seja para ratificá-la, seja para mudar de ideia.

Por último, é válido ressaltar também que, dentro da perspectiva dialógica, “a argumentação é vista como uma atividade que demanda competências discursivas particulares (de identificação, produção e avaliação de argumentos) a serem, elas próprias, adquiridas e desenvolvidas através de práticas educacionais específicas”

(LEITÃO, 2011, p. 16). Essa reflexão justifica, portanto, a premissa defendida neste trabalho de que o espaço para a argumentação dialógica precisa ser garantido em toda sala de aula, visto que a argumentação é um caminho para que os alunos exerçam a cidadania, aprendendo a lidar com divergências de ideias, ao mesmo tempo em que desenvolvam suas habilidades de expressão e persuasão por meio da linguagem. Tendo em vista que a escola é o local por excelência do ensino-aprendizagem formal, esta configura-se como um dos ambientes mais propícios a oferecer condições favoráveis para o amadurecimento das capacidades argumentativas dos indivíduos nela inseridos.

Por essa indissociável relação entre argumentação e linguagem, é natural que, nas aulas de língua portuguesa, ocorram com mais frequência atividades de cunho argumentativo. A respeito dessas atividades, há inúmeras maneiras de desenvolvê-las em qualquer eixo de ensino de português (CELESTINO et al., 2006; GOUVÊA, 2006; DE CHIARO & LEITÃO, 2005); contudo interessa-nos, no presente, a argumentação

10 Grifos dos autores.

trabalhada nas aulas de produção textual, pois, para nós, é notório que grande parte dos profissionais dessa área escolhem o referido eixo para trabalhar a argumentação (PINHEIRO & LEITÃO, 2007; PETRONI, 2005; PESSOA, 2002).

Com efeito, as aulas de produção textual, dentro da disciplina de língua portuguesa, parecem, de fato, convenientemente propensas para o amadurecimento da argumentação por desenvolverem nos alunos habilidades discursivas que facilitam o surgimento do pensamento crítico-reflexivo (LIRA e LEITÃO, 2016). Uma prova disso é o trabalho com modalizadores e operadores argumentativos que se realiza nas aulas desse eixo do ensino. Esses recursos linguísticos materializam a intencionalidade no discurso, isto é, revelam os objetivos que o autor persegue quando se dispõe a elaborar aquele texto. Para explicar melhor a função desses elementos dentro do texto, recorremos a Fiorin (2000), que teoriza sobre os modalizadores linguísticos; e a Koch (2011), que trata dos operadores argumentativos na organização dos enunciados opinativos.

Os modalizadores são elementos textuais que indicam intenções, sentimentos e atitudes do autor com relação a seu próprio discurso, revelando o grau de engajamento desse enunciador com o conteúdo do seu texto (FIORIN, 2000). Já os operadores argumentativos reforçam o que já foi dito e está sendo defendido no texto, confirmando as ideias e argumentos do autor, na intenção de obter adesão e/ou concordância do leitor.

Esses elementos também têm a função de concatenar o enunciado, determinando sua orientação discursiva (KOCH, 2011). É notório, portanto, que modalizadores e operadores argumentativos indicam, na materialidade do texto, atitudes discursivas pertinentes a uma situação de argumentação. Isso nos faz escolher esses marcadores para apontarmos os movimentos de argumentação que intentamos capturar nas análises que este trabalho apresenta.

Nesse sentido, julgamos relevante observar se há traços de uma compreensão da argumentação na perspectiva dialógica – que, por sua vez, se alinha ao pressuposto da linguagem enquanto prática de interação social – no texto argumentativo aprovado com a nota máxima no Enem. Como se subentende que os participantes cujas redações receberam essa nota máxima aprenderam a escrever na escola – uma vez que uma das funções do Enem é indicar níveis de aprendizagem ao final da educação básica –, tencionamos discorrer, no próximo capítulo, a respeito do ensino-aprendizagem da escrita e, mais precisamente, da escrita argumentativa nas aulas do EM. Nos interessamos por essa etapa específica da educação básica porque é principalmente nela que os estudantes procuram praticar a escrita argumentativa de forma mais intensiva.