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3 MATERIAL E MÉTODO

NOTA COTIDIANO/ MORAR NO

4.2.2 Reabilitação psicossocial

4.2.2.2.2 Rede social

Evidenciou-se nas frases temáticas abaixo, a intensidade do vínculo entre o morador e sua rede social, antes das internações psiquiátricas:

SUJ I/ F1 L6-10: E as pessoas criticavam: "Ela vai morrer, tem que largar ela mesmo...". E a pessoa nunca acreditou que eu pudesse passar por cima, que eu pudesse me recuperar. E daí essa senhora, a vizinha, que chamava dona Maria, que é quase o nome da minha tia Maria... daí essa vizinha me pegou para cuidar.... E ela lutou muito, muito, muito para me ver saudável.

SUJ I/ F1 L14-15: "Você não vai deixar ninguém fazer mal pra mim?”. Ela falou: "Não, não vou deixar ninguém mexer com você e nem te fazer mal.". E ela cumpriu o que ela falou.

SUJ IV/ F29 L1-3: [Dia-a-dia] Eu penso num homem que eu morei com ele... Ele chamava A.... eu morei 1 ano com ele... mas eu não tive filhos com ele não. Mas eu tenho seis filhos com outro homem... Eu tenho 5 meninas e 1 menino.

A frase temática, abaixo, ilustra o conceito de desfiliação social concebido por Castel (2005), pois denota a exclusão social sofrida pelo sujeito como algo que foge a sua determinação individual:

SUJ I/F23 L1-2: Ah, foi legal, foi bacana (quando veio para a casa)... Eles falaram (a família): “É bobagem, sei lá...”. O que a minha família fala que é bobagem, 'ela vai ficar na rua ela vai ficar no mesmo jeito, ficar na rua...

4.2.2.3 Trabalho

O trabalho para Saraceno (2001) não deve ser visto como o simples desenvolvimento de tarefas delimitadas, já que isso pode ser uma forma de conter e restringir a pessoa com transtorno mental do campo existencial. Se visto pela perspectiva da inserção laboral pode incentivar o processo de mescla no campo dos desejos, das necessidades e dos interesses. Para Aranha e Silva (2012) o trabalho é a forma para superar as necessidades, de mudar a natureza e ser mudado por ela, de criar conhecimentos e se inventar.

O trabalho precisa ser compreendido como possibilidade de produção de produtos e serviços com valor de troca, ou noutras palavras, compreendido como trabalho produtivo. Andreade e Costa-Rosa (2014) identificam no Brasil, algumas experiências de articulação daqueles que experienciam o fenômeno loucura, com o trabalho produtivo, por meio da economia solidária, nos serviços de saúde mental comunitários.

Entretanto, as frases temáticas a seguir revelam a dificuldade que o morador já teve de conseguir um trabalho formal, os tipos de trabalho que eventualmente conseguiu e, de que forma se dava esse trabalho:

SUJ IV/ F12: (Minha irmã queria que eu arrumava dinheiro pra ela) e eu ficava procurando serviço e eu não arranjava serviço...

SUJ II/ F3: (Eu morava na rua) e catava papelão para vender...

SUJ IV/ F41 L1-7: Aí eu vim trabalhar em casa de família, de babá.. cuidar de criança.. eu cuidei do C., ele era bonzinho... dava mamadeira pra ele e ele já dormia. Trocava ele, não deixava mijado... E de tarde dava banho nele e ele dormia bastante. Ele tomava mingau... dava leite e ele bebia, mas ele ficava com muita fome... daí tinha que fazer mingau pra encher a barriga dele.

SUJ IV/ F9 L1-3: [quanto tempo ficou no albergue] Bastante tempo, mas não sei quanto tempo fiquei. Acho que um mês... depois eu arrumei uma casa de uma colega minha e eu fui morar com ela. Aí eu cuidava das crianças dela e ela ia trabalhar...

SUJ IV/ F40 L6-7: Eu tinha uma vizinha que gostava de mim.. Ela dava comida pra mim... daí eu fui na casa dela, ajudei ela e ela me deu umas roupas... Roupa e sapato.

A busca pelo aumento das oportunidades de troca de recursos e afeto através destes três eixos da reabilitação psicossocial, segundo Saraceno (2001), tem como finalidade perceber o sujeito com transtorno mental como alguém que se relaciona com a sociedade sendo, portanto, um sujeito de relação e de direitos.

4.2.2.4 Cotidiano

Compreendemos a reabilitação psicossocial, a partir da construção teórica de Saraceno (2001), como não sendo simplesmente a troca ou a substituição da desabilitação pela habilitação, mas sim como um repertório de tarefas com a finalidade de aumentar o poder de troca seja de recursos ou de afetos que envolvem o sujeito. Essas trocas acontecem no cotidiano.

Nesta primeira fase da pesquisa (Apêndice B), o subtema cotidiano englobou as falas dos moradores acerca de seu dia-a-dia no SRT, suas atividades, seu lazer e a forma de administração de seu próprio dinheiro.

A vida cotidiana dentro de um SRT possibilita a construção de uma identidade: a dos moradores – a de cidadão de direitos. O cotidiano no seu interior do assume uma singularidade importante a destacar, pois este espaço precisa ultrapassar a condição de um recurso terapêutico unicamente. Ele precisa ser o lugar onde os laços afetivo-sociais possam ser reconfigurados e reconstruídos (Ferreira et al., 2014).

Pudemos perceber que alguns moradores concebiam a casa (SRT) como seu lar:

SUJ I/ F12: Ah, (em um dia normal aqui na casa) eu fico descansando... fico feliz com a minha cachorrinha... às vezes ela apronta e eu começo a dar risada... ela é minha alegria!

SUJ IV/ F25 L1-2: [dia-a-dia] Acontece que a cachorrinha vem pra brincar comigo e eu vou brinco com ela, dou bolacha para ela comer...

As atividades instrumentais de vida diária (AIVD) são realizadas no cotidiano do usuário junto ao seu entorno social e demonstram a capacidade do indivíduo levar uma vida independente na comunidade, como: utilizar meio de transporte, realizar tarefas domésticas, preparar refeições, cuidar das próprias finanças. (Brasil, 2006)

SUJ I/ F13, 14: [O que faz desde a hora que acorda] Eu tiro os cocozinhos dela [cachorra], dou água, dou comida... normal.. [...] Descanso um pouco, né? porque às vezes é um pouco corrido. Às vezes eu estou lavando louça até o meio dia...eu vou lá, vejo a R. [cachorra] pra ver se tá tudo bem...

SUJ VI/ F19-22: [Um dia típico na casa] Levanto, lavo a roupa, lavo a louça e vou dormir...

SUJ V/ F5: Lavo louça... Limpo a pia... Limpo o chão...varro o chão... enxugo a louça... É, enxugo as colheres, as escumadeiras, os garfos e as colheres...

Também, as frases temáticas destacadas ilustram as atividades de lazer dos moradores no seu dia-a-dia:

SUJ IV/ F24 L1-3: [dia-a-dia] É bom né? Quando acorda já tem um café da manhã para tomar... quando não tô com dor que aí eu tô bem... Eu começo a cantar... eu pego umas música do sertanejo e começo cantar...

SUJ IV/ F28 L1-3: [dia-a-dia] Tem vez que eu fico em casa, tem vez que não saio nem para fazer caminhada [...] Eu fico em casa fazendo o serviço.... se tem serviço, eu faço serviço... Se não tem serviço eu assisto televisão... Mas eu tô fazendo caminhada sim. A AT [acompanhante terapêutico] minha vem de terça-feira...

SUJ II/ F16, 17: [dia típico] Eu faço o café e, depois do café, eu limpo a cozinha... E depois eu vou andar... mais nada.

SUJ VI/ F18: [dia-a-dia] Tem cama, tem comida, tem café, tem pão.. [...] Durante o dia eu compro o pão, eu faço o café, eu tomo café, fumo cigarro... e depois do almoço eu fumo cigarro.

SUJ I/F15 L1-2: Eu tenho que ir pro CAPS todas as quintas-feiras para a reunião. Aí eu vou, pego o remédio e volto.