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Ao analisarmos as redes de sociabilidade construídas entre os moradores do sertão do Piancó percebemos que o acúmulo dos ofícios jurídicos e militares tornou-se algo recorrente entre alguns personagens, como nos casos de João de Miranda, Joseph Gomes de Sá, Manuel Martins Viana, Manuel Rabelo Figueiredo e Marcos Fernandes da Costa. É possível que devido à importância das patentes militares e funções jurídicas para manutenção do exercício da autoridade local e, consequentemente, para legitimação do ethos, a concentração desses dois ofícios acabou por funcionar também como uma estratégia que possibilitava aos ocupantes de tais postos atestarem sua distinção social.

Acreditamos que as relações de amizades construídas entre os homens do Piancó tenham facilitado tal prática, pois ao analisarmos a trajetória dos militares acima mencionados nos deparamos com o caso do Capitão José Gomes de Sá, filho do Capitão-mor Joseph Gomes de Sá. Assim como o pai, José Gomes de Sá também construiu uma trajetória militar no sertão do Piancó. Nas tropas de Ordenança ele chegou a exercer o posto de capitão e nas tropas Auxiliares alcançou nomeação para atuar como coronel, patente que lhe causou desavenças com João Dantas Rotéa, em 1789, de acordo com as fontes consultadas.86

As amizades construídas pelo Capitão-mor Joseph Gomes de Sá talvez tenham se estendido aos seus descendentes e lhes proporcionado gozar de certa importância social no seio da comunidade local, como ocorreu a José Gomes de Sá, que além atuar militarmente, exerceu o posto de juiz ordinário por duas vezes, em 1754 e 1759. Na ocasião ele ainda ocupava o posto de capitão de Ordenança, passando a acumular o serviço das armas e o das leis como forma de legitimar o ethos social adquirido. Ao

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A querela de João Dantas Rotéa contra José Gomes de Sá dizia respeito à posse indevida da patente militar de Coronel por esse último, que após ser destituído desse posto por crimes desonrosos, alcançou a restituição, ocasionando assim a retirada da pessoa que o exercia, João Dantas Rotéa. José Gomes de Sá era acusado pelo queixoso de ter usurpado escravos alheios e por ser o mandante do assassinado de sua própria esposa, Francisca Geralda do Sacramento, se encontrando por isso indigno de ocupar o posto. Para maiores detalhes conferir: (1) AHU (Projeto Resgate Barão do Rio Branco, Paraíba): Requerimento do tenente-coronel Francisco da Rocha de Oliveira, e mais oficiais do Regimento Auxiliar, ao Senado da Câmara de Pombal, solicitando declaração sobre a restituição de José Gomes de Sá ao posto de coronel de Ordenanças da vila de Pombal. 7 de novembro de 1789. Disco: 04. Pasta: 035. Subpasta: 001. Imagens: 0054 a 0057; (2) Requerimento de João Dantas Rotéa, ao governador e capitão-general de Pernambuco, [Tomás José de Melo], solicitando que se digne decretar ao governador da Paraíba, [Jerónimo José de Melo e Castro], que destitua José Gomes de Sá do posto de coronel do Regimento de Cavalaria Auxiliar do sertão do Piancó, colocando no cargo o suplicante, até que sua baixa seja decidida no Reino. 19 de dezembro de 1789. Disco: 04. Pasta: 035. Subpasta: 001. Imagens: 0058 a 0069; (3) 1º Cartório Coronel João Queiroga, Pombal-PB. Livro de Notas de 1762: Auto querella e denunciação que da o Sarg.to mor Ignacio da Cunha Sirqr.a e o Cap.m João Dantas Rotea como administradores de suas molheres Anna Maria da Conceição e Thereza de Jesus Maria do Cor.el Jose Gomes de Sá e outros. 3 de agosto de 1763. Folhas: não identificadas.

término de seu segundo ano como juiz ordinário, foi o Capitão Manuel Martins Viana que assumiu o ofício e substituiu José Gomes de Sá, nos levando a crer que o grupo Gomes de Sá teria se utilizado de sua influência para colocar um dos seus amigos em seu lugar.

Além dos personagens expostos ao longo desse capítulo, muitos outros capitães-mores, capitães, alferes, sargentos-mores, coronéis e tenentes também buscaram ocupar a função de juiz ordinário, ora exercendo apenas a função de juiz, outrora exercendo as duas funções a fim de legitimar o ethos adquirido durante a ocupação de ambos os ofícios. Isso fica perceptível quando observamos a tabela 2, onde estão expostos os nomes das pessoas que atuaram como juiz ordinário do Piancó entre os anos de 1711 e 1771.87

TABELA 2: Homens que exerceram a função de juiz ordinário no sertão do Piancó entre os anos de 1711 e 1771

ANO NOME ANO NOME

1711 Manuel de Araújo de Carvalho 1746 Francisco da Cunha de Carvalho 1712/

1718 * 1747 Capitão Manoel Pereira Monteiro

1719 Manuel Soares Marinho 1748 Alferes Pedro Soares da Silva

1720 ** 1749 Licenciado Manoel Martins

Vianna 1721 Capitão Jacinto Alves de

Figueiredo 1750

Licenciado Manoel Martins Vianna

1722 ** 1751 Tenente Antônio de Araújo

Figueira

1723 ** 1752 *

1724 Francisco Cardozo da Silva 1753 Alferes Pereira da Cruz 1725 Coronel Marcos Fernandes da

Costa 1754 Capitão José Gomes de Sá

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As informações apresentadas na tabela nos foram cedidas por Yan Bezerra de Morais, que vem desenvolvendo pesquisa sobre a formação de redes de reciprocidade no sertão do Piancó em sua dissertação “Ser de conhecida nobreza: redes de reciprocidade e formação de bandos locais nos sertões do Piancó, Capitania da Paraíba do Norte, séc. XVIII”, pelo Programa de Pós-Graduação de História Social da Cultura, na Universidade Federal Rural do Pernambuco.

1726 ** 1755 Sargento-mor Frutuoso Cabral Travassos

1727 Coronel Marcos Fernandes da

Costa 1756 Capitão Manoel Gonçalves Rabelo 1728 Coronel Marcos Fernandes da

Costa 1757

Tenente Coronel Manoel Pereira Monteiro

1729 Coronel Marcos Fernandes da

Costa 1758

Capitão Domingos Alves dos Santos

1730 Joseph Gomes de Sá 1759 Capitão José Gomes de Sá 1731 Bento Freire de Souza 1760 Capitão Manoel Martins Vianna 1732 Capitão Manoel Pereira

Monteiro 1761

Capitão Manoel de Mello e Oliveira

1733 Bento Correa de Lima 1762 Tenente Antônio de Araújo Filgueira

1734 Sargento-mor Manoel Rabelo

Figueiredo 1763 Capitão João da Silva e Almeida 1735 Coronel Marcos Fernandes da

Costa 1764

Sargento-mor Antônio Borges Barbosa

1736 Francisco da Cunha de Carvalho 1765 Sargento-mor Antônio Borges Barbosa

1737 Capitão Vicente Carvalho de

Azevedo 1766 Alferes Pedro Soares da Silva 1738 Capitão-mor João de Miranda 1767 Capitão João Dantas Rotéa 1739 Capitão Caetano Rodrigues 1768 Capitão Gonçalo da Rocha de

Carvalho 1740 Tenente Coronel Frutuoso

Barboza da Cunha 1769

Capitão Manoel de Mello e Oliveira

1741 Sargento-mor Manoel da Silva

Passos 1770 Capitão Nicolau de Faria Franco 1742 Capitão-mor Joseph Gomes de

Sá 1771

Capitão Francisco de Arruda Câmara

1743 *

LEGENDA *fontes perdidas **sem registro nas fontes 1744 Coronel João Leite Ferreira

1745 Coronel João Leite Ferreira

De acordo com as informações expostas percebemos que entre todos os nomes identificados, 27 deles são de homens que durante o exercício da função jurídica assumiram patentes militares ou já haviam sido nomeados em algum momento. Mesmo após o fim do tempo de duração da nomeação ao posto militar, muitos homens continuaram a integrá-lo ao seu nome como uma espécie de título nobilitante. Este foi o caso dos capitães-mores João de Miranda e Joseph Gomes de Sá: ao exercerem a função de juiz ordinário foram também registrados na documentação como capitães-mores, mesmo após o término do triênio de sua patente e não ocupando o referido cargo.

Apesar do valor que as patentes militares e as funções jurídicas tinham para a legitimação do ethos, elas não eram suficientes por si só. Fazia-se necessário ainda a posse de um significativo cabedal capaz de indicar a importância financeira e qualidade social de seu detentor. Por isso, dedicamos o terceiro capítulo desse trabalho a análise do inventário do Alferes Pedro Soares da Silva, que também foi juiz ordinário do Piancó por duas vezes, com o objetivo de identificar quais os bens que constituíam o cabedal desse militar e qual sua importância para legitimar o ethos adquirido no exercício dos ofícios ocupados.

CAPÍTULO III

DOS TÍTULOS AOS BENS MATERIAIS: A IMPORTÂNCIA DO CABEDAL