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4. RELAÇÕES SOCIAIS DA POBREZA

4.2 Redes Sociais e Estratégias de Sobrevivência

Conforme notado acima, as pessoas em Lago, Majune e Cuamba encontram-se num contexto político e económico e num sistema sócio-cultural de organização do agregado

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familiar que representam possibilidades e constrangimentos nas suas vidas diárias e para as suas opções de mobilidade social ascendente (ver também Orgut 2011a). Os constrangimentos não são apenas representados na forma de condições políticas e materiais e de pobreza per se, mas também em termos do que podemos chamar a „visão do mundo‟ das pessoas. As suas estratégias de sobrevivência dependem grandemente do conhecimento que têm acerca das diferentes opções alternativas e das suas ideias sobre o que podem realizar – incluindo o acesso a e o uso de instituições tradicionais e públicas. Na base da nossa experiência em trabalho de campo até aqui, daremos um olhar inicial às excepções, os agregados familiares mais pobres responderam consistentemente “Nós não temos planos” – em alguns casos seguido de afirmações implicando „Não serve de nada‟. As percepções um tanto fatalistas das opções para melhoramento das suas vidas são o resultado de dois processos: por um

lado, estes agregados familiares têm de focar todos os seus esforços e atenção na luta diária para obterem o suficiente para comer e arranjarem dinheiro para as despesas necessárias, e simplesmente não têm tempo nem força para pensar em investir num futuro melhor – reminiscência daquilo que alguns chamaram uma „cultura da pobreza‟. Por outro lado, muitos dos pobres simplesmente não sabem como melhorar a sua situação. Nesta relações com outros que eles acreditam estar em posição de poder ajudá-los tanto nas suas vidas diárias como em alturas de particular necessidade. Isto refere-se antes de mais aos membros da família alargada, que são vistos como tendo uma responsabilidade moral de ajudar os seus familiares mais pobres. A maioria dos agregados familiares pobres queixa-se de que é pouca a ajuda que podem obter da família imediata (irmãos ou filhos) – muitas vezes com o argumento de que eles são tão pobres como o próprio agregado familiar em questão. No entanto, os mesmos agregados familiares normalmente nomeiam um familiar mais distante (principalmente tios ou sobrinhos maternos) dos quais receberam ou esperam receber ajuda se a sua situação se tornar precária. O tipo de ajuda variava e incluía assistência directa na forma de peixe ou farinha, dinheiro para ir ao hospital ou para pagar medicamentos, e ajuda a longo prazo na forma de ferramentas agrícolas ou uma rede de pesca. O Grupo Focal de Agregados Familiares pobres disse também que os vizinhos e amigos podem ajudar com pequenos montantes de dinheiro, sobras de comida, etc., mas em pequenas quantidades e muitas vezes apenas na forma de „apoio moral‟.

Nos três locais de estudo há também sistemas baseados na comunidade de apoio social aos muito pobres e mais necessitados. Parece que tem de ser feita uma distinção entre os

„genuinamente pobres‟ ou Usuwedwa e os „pobres preguiçosos‟ ou Chilecua para usar a terminologia Nyanja sendo os últimos grandemente vistos como responsáveis pela sua

18 Como veremos mais detalhadamente no nosso Relatório de 2012 sobre agricultura/pesca e outros sectores produtivos, a pesca é exercida na base de um elaborado sistema de distribuição entre os donos dos barcos e da rede e os marinheiros, em que estes recebem uma pequena parte do total.

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“Umpahawi siulingana”

(A pobreza nunca é igual) Provérbio Nyanja

própria situação. As principais fontes de apoio são as autoridades tradicionais e a Mesquita – ou igrejas em Cuamba. O Grupo Focal de Agregados Familiares fez várias referências ao facto de que os régulos e as rainhas ordenaram que as pessoas dessem apoio em espécie às pessoas que estão em situação precária e que vêm pedir. Um chefe masculino de agregado familiar contou-nos que tinha ido à praia pedir quando os barcos de pesca chegaram porque não tinha nada para dar aos seus filhos – curvando-se e abrindo as suas mãos para o demonstrar. A outra fonte de apoio aos muito pobres é a comida e (embora muito mais raro) dinheiro que são recolhidos na Mesquita durante as orações das Sextas Feiras. Isto parece ser dirigido mais directamente aos mais velhos e aos deficientes e, de acordo com o chehe de uma das principais Mesquitas em no Lago, nunca conseguem colher

„como prescreve o Corão‟ dado que há muito pouca „gente rica‟.

Encontrámos muito poucos agregados familiares pobres que contassem com o Estado para melhorar a sua situação. Apenas 7% dos 360 agregados familiares no Estudo de Base receberam apoio do INSS ou da Acção Social, em dinheiro ou espécie e todos vivem em Majune ou Cuamba. De acordo com um líder comunitário, a maioria das pessoas em Meluluca não olha para o Estado como tendo quaisquer obrigações de apoiar os agregados familiares e indivíduos pobres – embora a maioria dos agregados familiares possa pagar impostos. Ao mesmo tempo as medidas de protecção social (transferências de dinheiro, sistemas de trabalho, etc.) e o „sistema dos 7 milhões‟ eram normalmente referidos como destinando-se aos que estão em melhor situação ou às pessoas com as ligações certas (às vezes com uma referência directa a „o Partido‟. Nem ouvimos quaisquer expectativas explícitas em termos de ONGs ou outras organizações da sociedade civil – provavelmente porque a sua experiência com essas instituições é tão limitada. Apenas quatro agregados familiares recebem das ONGs, todas em Majune, apoio directo em dinheiro ou espécie. As pessoas, como veremos, olham para o Estado em termos de melhorias na educação, saúde, água, electricidade, etc., mas isto parece estar ligado à comunidade mais do que ao seu próprio bem-estar privado.

Uma impressão inicial fundamental da 1ª Constatação da Realidade é de como os constrangimentos estruturais existentes parecem perpetuar a pobreza em famílias pobres ao longo de gerações. As histórias contadas tendem a enfatizar como as pessoas vêm de famílias pobres e como os seus filhos não estão em posição de ajudar porque também são pobres. Mas há excepções de pessoas que parecem conseguir apesar de todas as probabilidades contra eles. Olharemos mais para estes casos em posteriores Constatações da Realidade quando viermos a conhecer melhor os agregados familiares, mas um exemplo sobressai: numa das famílias „Usuwedwa‟ mais pobres, um rapaz de 19 anos tinha conseguido fazer a 7ª Classe em Meluluca. O seu pai tinha posto de parte algumas pequenas quantias de dinheiro e o próprio rapaz tinha trabalhado durante os fins de semana num barco de pesca como marinheiro. Em conjunto acumularam o suficiente para que o rapaz iniciasse a 8ª Classe em Metangula, onde alugou um pequeno quarto para viver durante a semana quando frequentava a escola. O seu sonho é obter „um emprego qualquer de forma que „Eu possa ajudar a minha família‟.

Os Que Estão Em Melhor Situação

Os agregados familiares que estão em melhor situação no Lago, Majune e Cuamba são geralmente caracterizados por terem mais opções alternativas, quer económica quer socialmente, do que os pobres.

Os agregados familiares deste tipo tendem a estar envolvidos em diversas fontes alternativas de

rendimento, muitas vezes viveram no Malawi ou viajaram bastante pelo Niassa e parecem ter planos para o futuro – tanto para eles próprios como para os seus filhos. Uma característica adicional dos agregados familiares em melhor situação é que eles podem manter relações sociais com a família alargada e outros com conteúdo material. Os favores

40 pendentes ligam as pessoas e representam uma forma importante de segurança social face a necessidades súbitas. Parece haver uma melhor base para a acumulação no Lago (devido à pesca) e em Cuamba (devido às actividades comerciais) do que em Majune que pouco tem para além da agricultura.

Ao mesmo tempo, poucas famílias parecem ter uma longa história de serem „ricas‟. No Lago, por exemplo, antes de 2008 e da construção da estrada havia simplesmente muito poucas possibilidades de acumular riqueza num contexto em que era difícil transportar a produção para os mercados e encontrar compradores. Os agregados familiares „odjifunila‟ e

„opata‟ que encontrámos podem ter tido um bom arranque em termos de posse de terra, canoas para pescar, etc., mas as suas condições melhoraram rapidamente depois de 2008 dado que foram capazes de explorar as opções de mercado melhoradas. Um outro denominador comum parece ser que muitos dos em melhor situação receberam em alguma fase apoio económico externo – ou dos familiares ou do „sistema dos 7 milhões‟ que os ajudou a progredir. Nas suas próprias palavras, „trabalharam mais duramente‟ que as suas contrapartes mais pobres – como indicado pela afirmação de um comerciante bem sucedido que acrescentou (“Tem que trabalhar para ganhar”).

Dito isto, há também uma forte pressão social sobre os que estão em melhor situação, a qual pode inibir a acumulação de propriedade e bens. Como já mencionado, espera-se que os que estão em melhor situação ajudem os familiares e os vizinhos mais pobres em tempos de dificuldade. Isto não é apenas uma responsabilidade „moral‟, mas é também visto como importante ter acesso a pessoas de que necessitam, por exemplo nos barcos de pesca ou nos campos agrícolas durante a plantação, colheita e outros momentos da época agrícola em que necessitam de mão de obra (ganho-ganho). Além disso, há sanções na forma de feitiçaria (ufiti) que vão contra as pessoas que são vistas como tendo-se tornado ricas à custa de outras, ou que são vistas como prejudiciais para a „ordem sócio-cultural‟ na comunidade – embora não tenhamos ainda muita informação acerca disto.

Embora haja um desenvolvimento claro no sentido de uma classe de pessoas „em melhor situação‟ e crescentes desigualdades, mesmo os que estão em melhor situação podem estar vulneráveis a grandes mudanças na sua situação. O emprego permanente é, como vimos, raro nas três comunidades e a agricultura bem como a pesca podem ver flutuações dramáticas de estação para estação em termos de produtividade. As pessoas estão atentas e reconhecem as mudanças no clima e nas condições naturais. Também no que respeita aos em melhor situação, ficámos impressionados pelas limitadas variações em termos de fontes de emprego e rendimento. Praticamente todas as pessoas estão envolvidas na agricultura, pesca ou comércio e encontrámos muito poucas pessoas com planos futuros que envolvessem emprego ou outras fontes de rendimento mais „seguras‟ – com excepção dos que estão em muito melhor situação entre os Agregados Familiares Focais.

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