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Constatações da Realidade em Moçambique. - Construindo uma melhor compreensão das dinâmicas da pobreza e bem-estar RELATÓRIO ANUAL.

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Embassy of Sweden Maputo

Constatações da Realidade em Moçambique

- Construindo uma melhor compreensão das dinâmicas da pobreza e bem-estar –

RELATÓRIO ANUAL

Ano Um, 2011

Em cooperação com:

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As ‘Constatações da Realidade em Moçambique’ são

implementadas pela ORGUT Consulting em associação com a AustralCOWI e o Chr. Michelsen Institute em nome da Embaixada da Suécia em Maputo.

As Constatações da Realidade são implementadas no período 2011-2016 e em cada ano o trabalho de campo é realizado no Município de Cuamba, no Distrito do Lago e no Distrito de Majune na Província do Niassa.

Este é o relatório anual referente ao primeiro ano do projeto e tem como objetivo apresentar um resumo das conclusões obtidas através de relatórios de estudos de caso em cada localidade. Este relatório foi escrito pelo líder do projeto em Moçambique, Dr. Inge Tvedten.

Este documento foi financiado pela Embaixada da Suécia em Maputo. A Embaixada não partilha necessariamente os pontos de vista expressos neste documento. O seu conteúdo é da inteira responsabilidade do autor.

Fotos da capa: A esperança do futuro: Ponte sobre o rio Luchimua, Majune:

Minna Tuominen; Menino no barco: Kajsa Johansson

ORGUT Consulting AB, 2012-02-08

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1

ÍNDICE

1. INTRODUÇÃO ... 3

1.1 As Constatações da Realidade ... 3

1.2 Metodologias ... 4

1.3 A Pobreza em Moçambique ... 6

2. ANTECEDENTES DO NIASSA ... 8

2.1 Lago, Majune e Cuamba ...10

2.2 Abordando os Locais de Estudo ...12

3. AS COMUNIDADES LOCAIS ...14

3.1 Panorama Institucional ...16

3.2 Principais Problemas na Comunidade ...22

3.3 Adaptações Económicas ...24

3.4 Categorias Sócio-Económicas e Agregados Familiares Focais ...27

4. RELAÇÕES SOCIAIS DA POBREZA ...35

4.1 Organização da Família e do Agregado Familiar ...35

4.2 Redes Sociais e Estratégias de Sobrevivência ...37

4.3 Relações de Género ...40

4.4 Perspectivas Futuras ...42

5. RESUMO ...44

5.1 Niassa ...44

5.2 As Comunidades ...44

5.3 Pessoas, Instituições e Relações de Poder ...45

5.4 Mobilidade Social ...46

5.5 Algumas Possíveis Implicações para a Cooperação Sueca de Desenvolvimento ...46

6. LISTA DE LITERATURA ...49

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2 Mapa 1. Constatações da Realidade em Moçambique / Niassa

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1. INTRODUÇÃO

A monitoria e avaliação da pobreza em Moçambique tem lugar principalmente no quadro da implementação da Estratégia de Redução da Pobreza em Moçambique PARP/A (GdM 2005;

2011), e é informada por dados quantitativos com origem em diferentes tipos de estudos nacionais e estudos similares feitos por organizações de ajuda bilaterais e multilaterais (ver e.g. INE 2010; MPD 2010; Banco Mundial 2007; UNICEF 2011).

Todavia, estes estudos, pela sua natureza quantitativa, não captam todas as dimensões da pobreza que são relevantes para o desenho de políticas e programas. Enquanto os dados quantitativos produzem informação valiosa sobre o mapeamento e o perfil da pobreza no espaço e no tempo, os dados qualitativos são necessários para melhor compreender a dinâmica da pobreza e as estratégias de sobrevivência dos pobres (ORGUT 2011; Addison et al. 2009).

1.1 As Constatações da Realidade

Com estes antecedentes, a Embaixada Sueca em Maputo e a Autoridade Sueca para o Desenvolvimento Internacional (Sida) decidiram ser necessário avaliar o impacto das políticas de desenvolvimento e redução da pobreza „a partir de baixo‟, e consultar regularmente as populações locais com o objectivo de entender os processos e relações locais.

Uma série de cinco “Constatações da Realidade” terá lugar no período 2011-2016 focando a dinâmica da pobreza e bem-estar com um enfoque particular na boa governação, agricultura/clima e energia que são sectores chave na cooperação Sueca para o desenvolvimento com Moçambique (Anexo 1). Cada Constatação da Realidade será publicada na forma de um Relatório Anual e três Sub-Relatórios de cada um dos três locais de estudo seleccionados (ver ORGUT 2011 para mais detalhes).

Mais concretamente, espera-se que as “Constatações da Realidade em Moçambique”:

i) Informem a discussão pública entre os actores de desenvolvimento mais importantes sobre a redução da pobreza, especialmente na província do Niassa;

ii) Contribuam para uma melhor compreensão dos métodos de monitoria qualitativa da pobreza em Moçambique; e

iii) Proporcionem à Suécia dados qualitativos relevantes sobre os desenvolvimentos e resultados da sua acção em Moçambique e apoiem a ulterior implementação do seu programa no Niassa.

Espera-se que as Constatações da Realidade atinjam estes objectivos aumentando o conhecimento sobre:

i) A pobreza (dimensões não tangíveis da pobreza, tais como vulnerabilidade e impotência; percepções de pobreza das pessoas pobres; processos causais que sustentam a dinâmica da pobreza: estratégias de luta/sobrevivência adoptadas por mulheres e homens vivendo na pobreza);

ii) As relações com o poder local e com as instituições do estado (instituições formais [i.e. políticas, administrativas] que permitem ou constrangem as pessoas a executar as suas estratégias; instituições informais [i.e. culturais, sociais, familiares ou baseadas no parentesco, etc.] que permitem ou constrangem as pessoas a realizar as suas estratégias), e;

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4 iii) As políticas e serviços (acesso, uso e procura de serviços públicos, de acordo

com as pessoas que vivem na pobreza; qualidade dos serviços públicos, de acordo com as pessoas que vivem na pobreza).

Há também uma expectativa de que as Constatações da Realidade deverão, na medida em que seja relevante para a população local em estudo, prestar atenção especial às “questões prioritárias identificadas nas revisões anuais de projectos e programas dentro dos sectores prioritários Suecos” (ver os Termos de Referência).

A série de estudos foi iniciada por um Relatório Inicial publicado em Agosto de 2011 (ORGUT 2011a). Devido a esse exercício foi decidido que as Constatações da Realidade se basearão em trabalho de campo em três Distritos/Municípios diferentes na Província do Niassa que apresentem variações em termos de localização geográfica, acesso a serviços públicos e níveis de pobreza e bem-estar. As três áreas seleccionadas foram i) o Distrito do Lago, ii) o Município de Cuamba e iii) o Distrito de Majune (ver o Mapa 2).

O trabalho de campo para a 1ª Constatação da Realidade realizou-se em Setembro de 2011. Os Sub-Relatórios do Distrito do Lago (ORGUT 2011b), Distrito de Majune (ORGUT 2011c) e Distrito de Cuamba (ORGUT 2011d) já foram publicados. Este é o Relatório Anual da 1ª Constatação da Realidade, o qual sintetiza as principais conclusões dos Sub- Relatórios. Os leitores interessados em descrições e análises mais detalhadas sobre os três locais devem consultar os Sub-Relatórios.

Sendo o 1º Relatório Anual das Constatações da Realidade em Moçambique, este relatório servirá de

„linha de base‟ para relatórios subsequentes. Inclui alguma informação geral sobre os antecedentes e dados acerca do Niassa e dos três locais do projecto que serão usados em fases posteriores como pontos de partida para uma análise mais profunda das relações de poder, pobreza e bem-estar locais. Cada um dos relatórios subsequentes terá também um enfoque temático especial, começando pela boa governação na Constatação da Realidade em 2012 (ver ORGUT 2011a).

1.2 Metodologias

Metodologicamente, os estudos baseiam-se numa combinação de informação quantitativa proveniente do Instituto Nacional de Estatística (INE) e das Autoridades Distritais; um Questionário de Levantamento nos três locais do projecto ( em 2011 e 2015); entrevistas a informadores chave na capital provincial Lichinga e nos Distritos/Municípios seleccionados;

observação participante nas comunidades locais seleccionadas para trabalho de campo; e um conjunto de metodologias qualitativas/participativas incluindo a imersão com agregados familiares em diferentes situações sócio-económicas. As metodologias são descritas detalhadamente num relatório separado intitulado “Constatações da Realidade em Moçambique. Abordagem Analítica e Metodologias” (ORGUT 2011f), mas damos a seguir um breve resumo:

Capa do Sub-Relatório, Distrito de Cuamba

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5 Dados Quantitativos

Para o mapeamento da pobreza e bem-estar no Niassa, a equipa referir-se-á activamente aos dados quantitativos existentes, os quais incluirão o Censo Nacional de 2007 (INE 2009b); o Inquérito Nacional à Despesa do Agregado Familiar de 2008/09 (INE 2010, ver também van den Boom 2010); e outros estudos sectoriais mais específicos (ver a Lista de Literatura). Além dos conjuntos de dados nacionais, usamos dados quantitativos de estudos baseados localmente prestando particular atenção aos dados produzidos pelos governos provincial, distrital e municipal que formam a base dos seus planos de desenvolvimento – incluindo o Plano Provincial de Desenvolvimento Social e Económico (GdN 2007, 2011) e o Plano de Desenvolvimento Económico e Social Distrital (PESODS).

Asseguraremos dados quantitativos adequados para mapear as relações das pessoas com os serviços públicos e a pobreza e bem-estar nos três locais de estudo desenvolvendo um Estudo de Base com um total de 360 agregados familiares (120 em cada local). O estudo será feito visitando duas vezes as mesmas famílias, i.e. no início (2011) e no fim (2015) do período do projecto e representa um magnífico painel de dados. O Estudo de Base e o estudo de acompanhamento procurarão combinar i) dados sócio-económicos clássicos sobre a composição dos agregados familiares, rendimento e despesa, níveis de educação, saúde e acesso aos serviços públicos; ii) questões relacionadas com as percepções das pessoas sobre as condições no agregado familiar e na sua comunidade e iii) as relações sociais (com as instituições públicas, projectos de ajuda, família, amigos, etc.) em que estão envolvidos.

Dados qualitativos

Relativamente às dimensões políticas/institucionais das Constatações da Realidade, basear- nos-emos principalmente em i) entrevistas semi-estruturadas com actores chave do desenvolvimento incluindo o governo provincial, governo distrital/municipal, Instituições para Participação e Consulta da Comunidade (IPCCs), autoridades tradicionais e representantes do sector privado, e ii) estudos de caso de programas e intervenções específicas particularmente nas áreas da governação, agricultura e energia. Complementaremos também a metodologia antropológica clássica de „observação participante‟ com um conjunto de metodologias participativas específicas concretas que serão aplicadas em grupos focais, e estudos de caso alargados ao nível do agregado familiar. Os grupos são compostos por homens ou mulheres, jovens ou velhos ou uma mistura desses grupos, dependendo dos tópicos em mão.

As metodologias participativas usadas na 1ª Constatação da Realidade incluem i) Histogramas (com o objectivo de averiguar a história de cada local em estudo, com ênfase em eventos e processos que tenham sido particularmente importantes para as actuais condições sócio-económicas de bem-estar e pobreza); ii) Mapeamento Comunitário (com o objectivo de mapear os edifícios e instituições considerados mais importantes para a vida da comunidade); iii) Análise de Forças de Impacto (com o objectivo de captar percepções sobre as condições que podem inibir ou acelerar o tipo de mudança e desenvolvimento preferido pela comunidade); iv) Diagrama de Venn (identifica os recursos mais importantes [pessoas e serviços] a que a comunidade tem acesso); v) Matriz dos problemas da comunidade (identifica e classifica os problemas mais importantes que afectam a comunidade ou grandes grupos de pessoas na comunidade); e vi) Classificação da Prosperidade (com o objectivo de captar a percepção da comunidade sobre os diferentes níveis e categorias de pobreza e bem-estar).

Agregados Familiares Focais

O exercício de classificação da prosperidade constitui a base da nossa identificação dos Agregados Familiares Focais com quem nos relacionaremos estreitamente através de várias

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6 formas de imersão no decurso das Constatações da Realidade. Conforme será discutido abaixo mais detalhadamente, as comunidades tendem a distinguir entre 2-4 níveis de pobreza ou „pessoas pobres‟ e entre 1-3 níveis de bem-estar ou pessoas „em melhor situação‟ – cada um com a sua própria dinâmica e posição nas comunidades. No total foram seleccionados 20 Agregados Familiares Focais dentro destas categorias, os quais serão entrevistados em profundidade em cada ano, com enfoque nas mudanças nas suas relações sociais com a família alargada, vizinhos e amigos, organizações comunitárias e instituições do estado, bem como nas alterações da sua posição sócio-económica.

1.3 A Pobreza em Moçambique

Concluiremos estas notas introdutórias com uma breve descrição da pobreza e bem-estar em Moçambique, com o fim de situar Niassa no seu contexto característico. Em Moçambique os esforços de desenvolvimento e de redução da pobreza encontram-se, em muitos aspectos, numa encruzilhada. Apesar de um crescimento económico impressionante durante as últimas décadas, numa média entre sete a oito por cento e do facto de a redução da pobreza ter tido um lugar elevado na agenda política, indicadores padrão como o PIB per capita (em 197º lugar entre 210 países), o Índice de Desenvolvimento Humano (em 184º lugar entre 187 países)1 e o Índice de Desenvolvimento do Género (em 123º lugar entre 130 países) revelam que a esmagadora maioria dos Moçambicanos continua pobre. Foram feitas recentemente melhorias importantes, particularmente no acesso à educação e saúde (INE 2010), mas ainda não se reflectem em melhorias da pobreza e bem-estar material.

Durante os últimos cinco anos, as reduções anteriores da taxa de pobreza sofreram uma paragem abrupta, questionando a relevância e eficiência dos esforços actuais. Embora a taxa de pobreza baseada no consumo tenha descido de 69,4% para 54,1% entre 1996/97 e 2002/03, aumentou de 54,1% para 54,7% entre 2002/03 e 2008/09 (INE 2010). Dito isto, a taxa de pobreza mostra grandes e por vezes incompreensíveis variações entre regiões geográficas (norte, centro, sul) e configurações sócio-económicas (urbano, rural).2 Há também indicações de um grupo relativamente grande de „ultra‟ e cronicamente pobres, que estão de facto encurralados na pobreza e destituição e que não estão em posição de se relacionar com os esforços de desenvolvimento que estão em curso (INE 2010, MPD 2010b, ver também Cunguara e Hanlon 2010).

Tabela 1: Indicadores Chave Sócio-Económicos – Moçambique e Niassa (em percentagem)

Fontes: MISAU 2005; INE 2010 e 2009a. * O Coeficiente de Gini mede a desigualdade económica, significando 0 desigualdade total e 1 igualdade total.

1 O IDH mede o rendimento, nível educacional e saúde. Apenas o Burundi, o Níger e a RDC se situam mais abaixo (UNDP 2011).

2 Ver van den Boom (2010) para uma interpretação alternativa dos dados do INE.

Indicador Moçambique Niassa

Contagem de Pobreza 54,7 31,9

Coeficiente de Gini (0-1)* 0,414 0,427

Agregados Familiares Chefiados por Mulheres 29,6 16,3 Analfabetismo do chefe do agregado familiar 44,3 51,6

Taxa de Frequência da Escola Primária 81 78

Malnutrição crónica abaixo dos cinco anos 43,7 45,0

Prevalência do HIV-SIDA 11,5 3,7

Qualidade da habitação (telhado sólido) 24,8 8,1

Luz eléctrica na habitação 13,2 5,8

Posse de bicicleta 38,1 65,4

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7 Nesta imagem, o Niassa distingue-se como tendo mostrado as mais claras e consistentes melhorias em relação à pobreza baseada no consumo – muito embora com um ponto de partida muito baixo. A pobreza na província foi reduzida de 70,6% em 1996/97 para 54,1%

em 2002/03 e 31,9% em 2008/09 – embora escondendo uma discrepância invulgarmente elevada na pobreza entre agregados familiares chefiados por homens (28%) e agregados familiares chefiados por mulheres (45%) (INE 2010). Como se vê na Tabela 1 abaixo, o Niassa mostra uma imagem variada em relação a outros indicadores quantitativos de pobreza e bem-estar em Moçambique. Um aspecto importante das Constatações da Realidade em Moçambique é avaliar o realismo, relevância e dinâmica por detrás destes números, através da aplicação de metodologias qualitativas e participativas envolvendo a própria população.

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2. ANTECEDENTES DO NIASSA

A província do Niassa tem uma história longa e por vezes volátil (Newitt 1995; Medeiros 1997, pers.comm. Tore Sætersdal). Aglomerados originais de caçadores e recolectores desde o fim da Idade da Pedra até há 18.000 anos atrás, sendo provavelmente familiares dos Ba‟Twa das Grandes Florestas na África Central. Os migrantes Bantus da África Ocidental começaram a chegar ao Niassa entre 1800 e 2000 anos atrás. Trouxeram com eles as suas línguas, agricultura, ferro e cerâmica e fixaram-se tanto no planalto como ao longo do Lago Niassa. Os principais grupos etno-linguísticos eram os Macua, os Yao e os Nyanja.

A área foi abordada por comerciantes Swahili e Muçulmanos com mercadorias e escravos já entre 1200 e 1300, e foi colonizada pelos Portugueses entre 1600 e 1700 – seguidos por missionários Anglicanos a partir de meados de 1800 para conquistar também os corações e almas. O Niassa estava distante das principais áreas das actividades económicas coloniais em Moçambique e o controlo era eventualmente mantido entregando grandes áreas à Companhia Britânica do Niassa que por alvará controlava o Niassa e Cabo Delgado. A economia colonial era baseada num sistema de trabalho forçado (chibalo), sendo as pessoas obrigadas a pagar impostos e – em resultado disso – a produzir café, algodão e outras culturas de rendimento com limitação do tempo e das opções para produzirem os seus próprios alimentos.

A guerra da independência, iniciada em 1962, conduziu a uma paragem abrupta das actividades económicas e à crescente insegurança no Niassa. As pessoas na província foram activas na luta e firmes apoiantes da Frelimo. Embora fosse de muitas maneiras marginal no projecto colonial, os Portugueses despenderam no entanto consideráveis esforços em defendê-lo até finalmente o perderem em 1975. No entanto, após a Independência, o Niassa viu-se de novo crescentemente marginalizado – desta vez em relação ao estado da Frelimo. A província tornou-se a “Sibéria de Moçambique”, quando as pessoas „não produtivas‟ (desempregados, ladrões, prostitutas, os sem abrigo e outros

„indesejáveis‟ incluindo a oposição política) foram mandados para o Niassa no que foi chamado „Operação Produção‟.

Ao mesmo tempo, a „guerra civil‟ a partir de 1983 entre as forças da Frelimo e as da Renamo tornou-se perversa quando a Renamo adquiriu uma forte posição no Niassa – em parte como resultado das políticas da Frelimo de reassentamentos (forçados) e em parte devido à falta de investimentos e de desenvolvimento por parte do governo da Frelimo após a Independência. No fim da guerra civil em 1992, o Niassa era geralmente considerado a província mais pobre e menos desenvolvida de Moçambique. Os Exercícios de Histograma feitos para este estudo – onde os líderes tradicionais e os idosos narram a história como a vêem – reflectem largamente estes desenvolvimentos mas tendem a enfatizar o papel de liderança das autoridades tradicionais e as implicações dos desenvolvimentos para as suas comunidades locais (ver os Sub-Relatórios para mais detalhes).

Actualmente o Niassa é a maior província do país, com uma área de 129.056 km² e uma população de 1.415.157 indivíduos (INE 2007, 2010). É também a província menos densamente povoada, com uma média de sete pessoas por quilómetro quadrado. Sendo Lichinga a sua capital, a província tem 15 distritos e 4 municípios (Lichinga, Cuamba, Marrupa e Metangula). O Rio Rovuma forma grande parte da fronteira norte da província com a Tanzania, enquanto o Lago Niassa forma a sua fronteira ocidental, separando o Niassa do Malawi. Para leste e sul o Niassa faz fronteira com as províncias de Cabo Delgado, Nampula e Zambézia.

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9 Etnicamente, o Niassa é uma mistura de Macuas, que constituem 47,5% da população, principalmente no sul e leste à volta de Cuamba; Yaos, que constituem 36,9%, em Lichinga;

e Nyanjas, com 8,4% na área que faz fronteira com o Lago Niassa. Apenas 4,3% da população tem o Português como língua mãe. Grande parte da população é Muçulmana (60,8%), seguida pelos Católicos (26%) e Angelicanos (4,0%) (INE 2010).

Após um período de relativamente forte apoio à Renamo (ver acima), a Frelimo recebeu 81,3% dos votos nas últimas eleições nacionais (2009) – embora com uma participação de votantes de apenas 38,4% – e o partido vigente detém actualmente o cargo de Governador, a maioria política na Assembleia Provincial, controla os quatro Municípios e designou todos os 15 Administradores Distritais – tudo em conformidade com o actual sistema político. O Plano Estratégico de Desenvolvimento Provincial (GdN 2007) para o Niassa é ambicioso, com o objectivo de aumentar a redução da pobreza em 15% até 2017, havendo também planos ambiciosos nas áreas de boa governação, agricultura e energia (GdN 2007).

No contexto nacional Moçambicano, a província do Niassa é uma das mais destituídas em termos de infra-estrutura, o que está ligado ao facto de o Niassa estar distante dos principais centros de produção e consumo do país e às fracas ligações com a estrada principal e aos sistemas de transporte. Em resultado disso, o Niassa está insuficientemente integrado no mercado nacional. De facto, para muitas pessoas do Niassa é mais importante negociarem com o Malawi e a Tanzania. Dito isto, a construção de estradas tem sido uma das principais áreas prioritárias do governo provincial do Niassa, tendo sido feitos melhoramentos no que é chamado o “triângulo” entre os municípios de Cuamba, Lichinga e Marrupa (ver o Mapa 2 abaixo).

A agricultura é a principal actividade económica na província, contribuindo em média com 36% do PIB provincial, e é também a principal fonte de emprego e rendimento da população. Outras importantes fontes de rendimento e subsistência são o comércio informal e a pesca. Os desenvolvimentos recentes incluem grandes investimentos na silvicultura, com plantações dirigidas por e pertencentes a interesses internacionais. Isto criou emprego mas também originou conflitos de terra (UNAC 2011). Estão também em curso actividades de prospecção de carvão e gás que podem mudar fundamentalmente a economia da província. Por último, o Niassa tem a maior população de animais selvagens em Moçambique, principalmente na Reserva Nacional do Niassa. O turismo foi identificado como uma área de elevado potencial e há planos para o estabelecimento de mais destinos turísticos e ligações a uma indústria turística regional mais alargada.

Mapa 2. Constatações da Realidade em Moçambique / Locais do Projecto no Niassa

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2.1 Lago, Majune e Cuamba

De acordo com os Termos de Referência, foram escolhidos três Distritos para a implementação das Constatações da Realidade em Moçambique a fim de “reflectirem adequadamente diferenças de constrangimentos estruturais (como o acesso a serviços, infra-estrutura e oportunidades económicas) bem como nas relações políticas e sociais (grau de importância de instituições tradicionais vs. estatais, grau de acesso a diferentes tipos de redes sociais, etc.)”. Nesta base seleccionámos o Município de Cuamba, o Distrito do Lago e o Distrito de Majune para ulterior investigação (ver o Mapa 2). Cuamba é o centro económico da província, afectada pela sua proximidade às províncias de Nampula e Zambézia bem como ao Malawi. A população é principalmente Macua e as suas actividades económicas concentram-se à volta da agricultura (incluindo culturas de rendimento como o tabaco) e comércio. Lago é um distrito rural, com o Nyanja como grupo etno-linguístico dominante, diligenciando uma adaptação mista da agricultura e pesca e com novos investimentos emergentes no turismo e na mineração de carvão. Majune fica localizada no interior da província, sem relações fronteiriças significativas, e a população predominantemente Yao trabalha principalmente na agricultura com poucas fontes alternativas de rendimento e subsistência.

Em termos quantitativos oficiais (INE 2010), os três Distritos possuem um conjunto de características sociais e económicas que revelam as suas similaridades e diferenças. Como se vê na Tabela 2, Cuamba é o distrito mais populoso seguido pelo Lago e Majune. Cuamba é geralmente visto como o distrito em melhor situação e Majune como o mais pobre e mais destituído dos três – com excepção da posse de bicicletas em que o Lago se situa abaixo, principalmente por razões „topográficas‟. Por outro lado partilham características de uma alta proporção de agregados familiares definidos como chefiados por mulheres. Os indicadores de pobreza e bem-estar são importantes e frequentemente usados nas contas estatísticas nacionais e dos doadores, e serão actualizados no fim do período do projecto das Constatações da Realidade quando novos dados comparativos estiverem disponíveis.

Todavia, veremos que esses indicadores apenas reflectem parcialmente as percepções das próprias pessoas sobre o que significa ser „pobre‟ ou estar „em melhor situação‟.

Tabela 2: Indicadores Sociais – Distritos do Lago, Majune e Cuamba

Indicadores Sociais Lago Majune Cuamba

População 83.099 29.702 184.773*

Agregados Familiares Chefiados por Mulheres 35,1 35,2 24,0

Frequência da Escola Primária 65,01 54,3 67,3

Habitação com Tecto Sólido 1,18 0,13 0,79

Electricidade em Casa 4,38 0,39 6,3

Posse de Rádio 67,5 45,0 55,0

Telemóvel 0,97 0,61 3,3

Posse de Bicicleta 29,8 63,1 68,0

Fonte: INE 2009 * Desta população, 79.779 pessoas vivem no Município de Cuamba.

O contexto económico em que as pessoas dos três distritos desenvolvem as suas estratégias de sobrevivência e esforços para mobilidade social ascendente está reflectido na Tabela 3. Os dados são retirados a partir dos Planos Económicos e Sociais Distritais e dos seus balanços, que são o principal instrumento de elaboração de política das Administrações Distritais. Estes dados também revelam diferenças entre os três distritos, tanto na sua capacidade de recolha deste tipo de dados como no tipo e nível de actividades económicas. Algumas diferenças são o resultado natural das diferenças na população (como a produção total agrícola), e outras resultam de distinções geográficas (como a produção de peixe e o número de turistas), mas algumas também indicam como cada Administração Distrital desempenha as suas responsabilidades no desenvolvimento do seu Distrito (número de extensionistas, investimentos em silvicultura, clientes de energia,

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11 número de beneficiários da segurança social, uso dos „7 milhões de MTn‟ do Fundo de Desenvolvimento Distrital, etc.). Em cada Constatação da Realidade serão fornecidos números actualizados a fim de apurar a representação pelos Distritos dos desenvolvimentos nas suas áreas de responsabilidade.

Tabela 3: Indicadores Económicos – Distrito do Lago, Majune e Cuamba

Indicador Económico Lago Majune Cuamba

Área cultivada (Ha) 23.828 n.a. 101.474

Produção agrícola (1.000 kg) 32.729 31.769 144.529

Extensionistas agrícolas (4º Trimestre) 0 4 8

Associações de agricultores 16 46 14

Produção de animais domésticos (1.000 kg) 6.673.7 n.a. 650 Reflorestamento (Novo, número de árvores) 6.050 5.000 156. 092

Número de turistas 8.000 n.a. 0

Produção de pesca (1.000 kg) 4.780,8 0 n.a.

Estabelecimentos comerciais 193 177 47

Fontanários públicos n.a. 92 n.a.

Energia (número de clientes) 1.156 223 140

Energia (clientes excluídos) 497 n.a. n.a.

INAS (Número de beneficiários)* 682 648 2.722

Fundo de Des. Distrital (Nº de Projectos) 117 136 159 Fundo de Des. Distrital (Total, Mt) 7.062.844 7.517.000 7.604.199 Fundo de Des. Distrital (Reembolsado, Mt) 300.000 562.500 1.500 Fontes: GdN/DdLago, Majune e Cuamba 2010 * Estes beneficiários representam 0,82% (Lago), 2,18% (Majune) e 1,47% (Cuamba) da população dos Distritos.

Finalmente, antes de iniciarmos a nossa viagem aos três locais de estudo, deixem-nos revelar o que as Administrações Distritais vêem como as suas principais metas e desafios para o seu distrito no futuro.

Para o Lago, isso é expresso como segue (GdN/DdLago 2010): „O enfoque principal do Governo do Distrito do Lago para 2011 é dar prioridade ao crescimento económico o qual será reflectido no bem-estar da população, [e] este desenvolvimento será fundamental para minimizar a desigualdade entre as comunidades. O Governo (também) continuará a implementar a Reforma do Sector Público, com ênfase no bem-estar da população e na mudança de atitude e comportamento dos funcionários públicos e consequentemente na melhoria da qualidade dos serviços oferecidos aos habitantes [tudo] com o fim de assegurar uma administração pública que seja transparente, eficiente e responsável‟.

Para Majune, a meta do desenvolvimento é fixada como segue (GdN/DdMajune 2010):

„Tornar o Distrito de Majune numa referência para o desenvolvimento dos distritos que compreendem o pólo da Área Nuclear de Marrupa (Marrupa, Maúa e Majune). Isto deve servir para promover as comunidades locais, garantindo assim uma melhoria das condições de vida através do emprego apropriado dos recursos disponíveis‟.

E para Cuamba, refere-se que (GdN/DdCuamba 2010): „O que precisamos de melhorar no distrito são as estradas, a distribuição de água, a rede de cuidados de saúde e a construção de escolas convencionais. Seria também bom se pudéssemos melhorar a rede de telemóveis de forma que todos os Postos Administrativos tivessem acesso à comunicação.

Estamos também a melhorar as condições de vida dos funcionários públicos‟.

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Celebração de ritos de iniciação Foto: Minna Tuominen

2.2 Abordando os Locais de Estudo

Levando consigo informação quantitativa e as metas de desenvolvimento dos distritos tal como descritas acima, as três sub-equipas viajaram até aos três locais de estudo. Ao chegar a Majune, a equipa de estudo escreve (ver ORGUT 2011b e d para descrições similares sobre o Lago e Cuamba):

“O Niassa é uma província escassamente povoada e isso torna-se visível quando se viaja para Majune. Ao longo da estrada passamos por algumas povoações mas entre elas há quilómetros e quilómetros de terra abundante sem a presença de qualquer aglomerado humano. Não admira, por isso, que a vida selvagem tenda a tomar o controlo destas terras.

Está-se em meados de Setembro e a maioria das aldeias está enfeitada com capulanas coloridas que ondulam como bandeiras nos telhados das casas e no alto das árvores. É um sinal da celebração do unyago. Nestas casas há crianças que tiveram ritos de iniciação e que agora são esperadas de volta a casa como membros de pleno direito da comunidade. O Unyago implica vários dias a comer, beber e dançar para celebrar a passagem das crianças à maioridade.

Antes de se atingir o Rio Luambala, o condutor abranda a velocidade, desliga o rádio do carro e tira o seu boné. Estamos a passar pela sepultura da primeira „rainha‟

Bibi Achivanjila, que é vista como a principal líder espiritual de Majune. A

„rainha‟ faleceu no princípio do século XX e para a substituir a população local designou sucessivamente quatro „rainhas‟

para continuarem o seu legado. Cada uma delas chama-se Bibi Achivanjila.

A estrada leva-nos até à ponte sobre o rio Luambala; a ponte tem também o nome da muito respeitada „rainha‟. Antes da sua reabilitação, a estrada era um dos lugares mais perigosos no caminho para Lichinga,

dado que tinha de se atravessar o rio em canoas frágeis e instáveis. Conta-se que muitas pessoas perderam a vida ao atravessar o rio. Actualmente, a ponte forte livra-nos de tais perigos e a viagem continua.

Uma das características notáveis durante a nossa viagem é a ausência de comércio à berma da estrada. Não há bebidas ou frutas disponíveis para os viajantes, nem tomates ou pequenos biscoitos, nem sequer amendoim, que são alimentos típicos vendidos ao longo da maioria das estradas principais que atravessam Moçambique. No máximo, pode-se ver às vezes próximo da estrada grandes plásticos com farinha de milho espalhada, mas até isso está ali para secar e não para vender. Claramente, a população local ainda não se apercebeu das oportunidades comerciais abertas pela estrada reabilitada.

O carro aproxima-se de Malanga, a capital do distrito de Majune. Para chegarmos lá temos de sair da estrada principal e conduzir um quilómetro ao longo de uma estrada de areia. Por sorte ainda não estamos na época das chuvas e a areia está seca e fácil de passar.

Chegamos ao princípio da noite. Está escuro como breu porque não há electricidade na capital do distrito. De facto, não há electricidade em todo o distrito. Um par de painéis solares oferece escassa iluminação às poucas casas à volta da Administração Distrital, mas o resto do distrito está engolido pela escuridão. Quase não há pessoas nas ruas. Apenas os

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13 grilos cricrilam nesta noite quente e escura. São 7:30 da noite de uma Terça-feira e o distrito de Majune já está a dormir”.

Um elemento central dos nossos esforços para captar percepções e relações de pobreza e bem-estar nos três locais de estudo é seguir os agregados familiares seleccionados nas diferentes categorias de pobreza e bem-estar que identificámos através do exercício de Classificação de Riqueza (ver Orgut 2011f e abaixo). Visitá-los-emos, seguí-los-emos nas suas rotinas diárias e ouvi-los-emos falar sobre as suas percepções de como a sua situação muda de ano para ano. Há uma assinalável congruência entre os três locais de estudo nas percepções destas diferentes categorias, embora expressas em diferentes idiomas (Nyanja, Yao e Macua) e com diferentes ênfases. Em termos gerais, as pessoas tendem a distinguir entre 3-4 níveis de pobreza e 2-3 categorias de agregados familiares em melhor situação. É dada ênfase à combinação de pobreza material com o acesso a relações sociais com a família alargada, vizinhos, amigos, instituições tradicionais, bem como a instituições do estado – combinando assim questões de pobreza e vulnerabilidade.

Um destes agregados familiares no Posto Administrativo de Meluluca no Lago é definido como usuwedwa, que é a categoria mais pobre caracterizada por “completamente dependente de outros”: o agregado familiar consiste numa mãe solteira, um dos seus dois filhos e o filho de uma irmã mais velha que vive permanentemente com ela. A filha mais velha da chefe do agregado tem 15 anos, um filho e tinha acabado de se mudar para ali perto com um homem. A casa onde vive a Usuwedwa é feita de tijolo queimado, tem quatro compartimentos e um quintal cercado. Neste caso, porém, a habitação é um fraco indicador de pobreza e bem-estar: a Usuwedwa cuida da habitação para um irmão mais novo que acabou de casar-se e que se mudou para casa da sua esposa em Metangula, e a verdadeira habitação da Usuwedwa é uma pequena cabana no quintal. A Usuwedwa não tem contacto com os pais dos seus filhos e nunca recebeu qualquer tipo de ajuda (um deles é o que ela descreve como um „bêbado‟). Nunca frequentou a escola e os seus filhos deixaram de estudar na 3ª Classe „dado não haver dinheiro‟. Não tem machamba e sobrevive vendendo pequenos bolinhos a 1 MT cada um, tem cinco galinhas e dois patos e consegue peixe em troca do „aluguer‟ a pescadores do pequeno quintal onde costumava viver.

Em Cuamba, num dos nossos muitos exercícios participativos, foi pedido às pessoas que tirassem fotografias daquilo que para elas significava „pobreza‟ e „bem-estar‟. O resultado pode ser visto nas imagens que se seguem:

„Pobreza e „Bem-Estar‟, tal como são vistos pelos pobres em Cuamba Selecção das Fotos: População Local

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3. AS COMUNIDADES LOCAIS

Dentro de cada um dos três Distritos seleccionados para a série de Constatações da Realidade, foram identificadas comunidades específicas em cooperação com as Autoridades Distritais locais (Mapa 3; ver os Sub-Relatórios para descrições mais completas).

No Distrito do Lago foi seleccionado um dos quatro Postos Administrativos. O Posto Administrativo de Meluluca fica localizado na parte sul do Distrito e foi estabelecido em 2008 para „substituir‟ o anterior Posto Administrativo de Metangula que, naquele ano, se tornou um Município. Meluluca tem uma população de 8.500 pessoas, espalhadas por uma extensão de aproximadamente 70 km em 15 aldeias diferentes. A grande maioria da população vive nas redondezas do Lago Niassa. Historicamente, Meluluca tem estado bastante isolado, com acesso por estrada muito fraco e com o Lago como meio principal de transporte para outras partes do Distrito ou para o Malawi. A agricultura e a pesca têm sido as fontes principais de emprego e rendimento, com opções limitadas para a produção de excedentes. As autoridades tradicionais têm tido uma forte posição, com muito poucas instituições públicas presentes e com fraca educação e instalações sanitárias. Uma estrada nova e melhorada feita em 2008 „abriu‟ partes da área e tem tido – como veremos – fortes implicações nos desenvolvimentos políticos e sócio-económicos em Meluluca. A parte sul (desde a aldeia de Ucungo e 40 km para sul) está ainda muito isolada e será um ponto importante de referência para compreender as implicações de várias intervenções de desenvolvimento.

Majune fica no coração da Província do Niassa e é limitado a norte pelo Distrito de Mavago, a sul por N‟gauma, Mandimba e Maúa, a leste por Marrupa e a oeste por Muembe e Lichinga. O último Censo Nacional (2007) estimava a população de Majune em 29.700 habitantes e a densidade populacional em 3,28/km2.3 Majune está dividido em três Postos Administrativos: Malanga, Nairubi e Muequia. Destes, Malanga, a capital distrital, é o mais populoso; de acordo com o Administrador do Distrito, mais de 80% da população do distrito vive em Malanga. Apesar da sua localização central, ficou durante muitos anos isolado dos centros urbanos provinciais, Lichinga e Cuamba, devido às fracas condições rodoviárias. Foi apenas entre 2003 e 2005 que foi reabilitada a estrada nacional 14 (EN14), que liga Lichinga a Majune e Marrupa, e que terminou o isolamento físico do distrito. As comunidades seleccionadas para estudo mais aprofundado são a capital do distrito, Malanga, e a aldeia de Malila localizada 3 km a sul de Malanga.

O Distrito de Cuamba situa-se no Sul da Província do Niassa, a cerca de 300 km da capital provincial Lichinga. Enquanto Lichinga é a capital política da província, Cuamba é a capital económica devido à sua localização na encruzilhada com as províncias de Nampula e Zambézia e a menos de 100 km da fronteira com o Malawi. O distrito de Cuamba tem uma população total de 184.000 habitantes e 43% da população do distrito está concentrada na sua capital Cuamba. O Município de Cuamba é dividido em cinco localidades e onze bairros, estando cada bairro dividido em diferentes povoados. A Constatação da Realidade teve lugar em duas destas localidades. A Localidade 3 (Bairro do Aeroporto e Bairro Mutxora) foi escolhida por ser a mais populosa do Município e a Localidade 4 (Bairro Maganga) foi escolhida por ser a mais afastada do centro da cidade e – de acordo com as autoridades municipais – a que tem um nível de serviços menos desenvolvido.

3 Censo de 2007/2008; Governo do Distrito de Majune, 2007: Plano Estratégico de Desenvolvimento do Distrito de Majune. Horizonte 2007-2011.

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15 Mapa 3. Constatações da Realidade em Moçambique / Comunidades em Estudo

Map 3b: Localidade de Meluluca /Distrito do Lago Mapa 3a: Distrito de Majune

Mapa 3c: Município de Cuamba

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16 Mapa Comunitário do Lago/Lussefa

Foto: Inge Tvedten

3.1 Panorama Institucional

Como realçado na introdução a esta 1ª Constatação da Realidade em Moçambique, as características das instituições tradicionais e do estado são fundamentais para compreender os processos e forças que capacitam e constrangem as pessoas nos seus esforços de mobilidade social ascendente. Os três locais de estudo têm um conjunto de instituições complexo com que as pessoas se relacionam, embora varie a importância relativa das instituições tradicionais e do estado: em termos gerais as instituições tradicionais parecem ter maior impacto no Lago, o que pode ser atribuído à sua importância histórica, ao relativo isolamento da área e à recente „inclusão‟ nas estruturas do estado. Majune parece estar numa fase transitória, com os líderes tradicionais a perderem aparentemente influência nas comunidades a favor das estruturas fortes e activas do estado e do partido – até mesmo ao ponto de tornar necessária a filiação dos líderes tradicionais na Frelimo para conservarem a sua posição. Cuamba, situando-se na interface entre o rural e o urbano, apresenta um panorama institucional mais desconcertante: há uma aparente sobreposição entre as instituições do Distrito e do Município, ao mesmo tempo que as autoridades tradicionais estão presentes tanto na cidade de „cimento‟ formal como nos arredores rurais.

Para se ter uma visão inicial das intuições que as pessoas experimentam como importantes nas suas vidas, foram elaborados mapas comunitários nos três locais através do Exercício de Mapeamento (ORGUT 2011f).

Primeiro, as pessoas tinham de decidir o que constituía a sua „comunidade‟ e consequentemente o que devia ser colocado no mapa. Em todos os casos a „comunidade‟ foi entendida como o bairro ou a aldeia mais próxima, indicando como a visão do mundo pelas pessoas tende a confinar-se às outras pessoas com as quais têm contacto

cara-a-cara e cujas decisões e acções têm implicações mais imediatas.4 Neste sentido, foram evocadas as instituições num sentido lato (i.e. instituições tradicionais, instituições do estado, indivíduos, bem como outros pontos marcantes como estradas, rios e montanhas) – deixando instituições consideradas não importantes embora possam fisicamente estar presentes (ver a ilustração à direita como um exemplo do Lago/Meluluca). O exercício terminou com o grupo considerando as escolhas feitas.5

Em linha com a discussão que se seguiu aos exercícios de mapeamento, apresentaremos o panorama institucional nos três locais de estudo sob três títulos principais: instituições tradicionais e baseadas na comunidade, instituições do estado e aquilo a que chamaremos

´sobreposições institucionais‟ em que a fronteira entre as instituições tradicionais e baseadas na comunidade e o estado é menos do que clara (para descrições mais detalhadas, ver os Sub-Relatórios individuais). Depois desta descrição, apresentaremos os resultados relevantes do Estudo de Base no que respeita ao uso actual destas instituições pelas pessoas.

4 Noutros contextos, um exercício similar resultou em que as pessoas desenharam tanto espaços físicos maiores, incluindo um Distrito inteiro (com o argumento de que todas as decisões importantes são tomadas no Centro do Distrito), como bairros próximos mais pequenos em bairros da lata urbanos (com o argumento de que só se pode ter confiança e relacionamento com vizinhos próximos e amigos).

5 O mapa será apresentado e discutido novamente no fim da série das Constatações da Realidade em Moçambique, para verificar se houve mudanças nas percepções da importância das instituições.

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Pessoas influentes de Cuamba Foto: Carmeliza Rosário Instituições Sócio-Culturais

As autoridades tradicionais e religiosas têm longas raízes históricas e representam a continuidade para as pessoas em contextos como o Lago, Majune e Cuamba – onde as representações políticas formais se alteraram e onde o governo apenas está parcialmente presente na vida diária das pessoas. A importância da tradição é também ilustrada pelo facto de 75,3% dos agregados familiares praticarem „cultos ancestrais‟ (o Estudo de Base).

Régulos e Rainhas: as raízes e influência tradicionais variam entre os diferentes líderes, mas estes partilham as opiniões sobre qual é o seu papel: „olhar pela‟ sua comunidade;

alocar terra; executar rituais; e relacionar-se com o governo e visitantes. Os régulos e rainhas desempenham assim papéis que estão no coração da vida e bem-estar tanto dos agregados familiares individuais como da comunidade em geral. A posição é hereditária dentro de clans, linhagens matrilineares e famílias alargadas específicos. Os régulos que não exerçam devidamente os seus papéis ou que adoeçam são substituídos por familiares chegados, frequentemente tios maternos ou irmãos e irmãs mais novos, mas nunca por descendentes directos.

Conselheiros e N’dunas: Os régulos e rainhas são assistidos por conselheiros a fim de serem capazes de desempenhar os seus deveres ao nível da aldeia/comunidade individual.

Os conselheiros são muitas vezes familiares chegados (irmãos de irmãs) do régulo, enquanto os n‟dunas são seleccionados em famílias específicas com raízes profundas na comunidade em questão. Os conselheiros são frequentemente chefes dos tribunais comunitários, que são supostos “resolver a maioria dos conflitos que temos”. Os n‟dunas estão relacionados com questões menos importantes na sua comunidade, incluindo a cobrança do imposto pessoal, mas remeterão para o régulo os casos mais sérios/controversos. Os chefes de povoação, como nível mais baixo da autoridade tradicional, são vistos como tendo perdido parte da sua influência e dos seus papéis, mas a situação pode mudar dado que foram recentemente reconhecidos pelo Estado (ver abaixo).

Líderes religiosos: de acordo com o Estudo de Base os não-Muçulmanos representam apenas 2% no Lago, e 5%

em Majune, enquanto os Cristãos representam 64,2% em Cuamba. As Mesquitas têm um lugar central nas duas primeiras áreas e os chehes são pessoas influentes não apenas em aspectos religiosos mas também na comunidade em geral. Enfatizam a importância da oração, que as pessoas se respeitem umas às outras, e que haja paz na comunidade.6 A sua influência é também forte através das escolas Muçulmanas ou madrassas, que praticamente todas as crianças frequentam desde os 4-5 anos de idade.

E o seu poder efectivo de acção económica pode ser exemplificado pela construção de uma grande Mesquita de tijolo nova em Lago/Meluluca. Há também igrejas Angelicanas e Católicas e líderes religiosos nos três locais de estudo, mas só desempenham um verdadeiro papel em Cuamba.

6 Ao mesmo tempo, o Diagrama de Venn feito em Lago/Meluluca mostra explicitamente que actualmente o impacto dos chehes está um pouco reduzido devido a „lutas internas‟…

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Posto Administrativo de Lago/Meluluca Foto: Inge Tvedten

Instituições Públicas

A estrutura governamental em Moçambique é composta por i) Governo Central, ii) Governo Provincial, e iii) Governo Distrital. A liderança política em todos estes níveis é designada pelo partido dominante, que tem sido a Frelimo desde a Independência. Além disso, as maiores áreas urbanas podem ser declaradas Municípios, com as suas próprias eleições Municipais (como Cuamba). O Governo Distrital tem financiamento para o seu próprio pessoal, manutenção e infra-estrutura, mas as maiores despesas do governo em educação, saúde, protecção social, etc. são directamente canalizadas através dos ministérios sectoriais. De facto, as Administrações Distritais sublinham quão pequeno é o espaço que actualmente têm para responder às necessidades e questões nas comunidades que devem servir.7

Para além da Administração Distrital, as instituições do governo presentes ao nível de Distrito incluem algumas Direcções Distritais como as Direcções de Educação, Juventude e Tecnologia e Saúde, Mulher e Acção Social (ambas presentes nas comunidades locais através de escolas e postos de saúde); a Direcção de Actividades Económicas (agricultura, mineração, turismo, pesca, indústria); e a Direcção de Planificação e Infra-Estruturas. Há também representações do Instituto Nacional de Acção Social (INAS), do Instituto Nacional de Estatística INE (Cuamba), do Comando Distrital da Polícia e do Registo e Notariado.

Todavia, como veremos, muitos destes organismos ou são desconhecidos da população local ou não sabem que espécie de serviços podem oferecer. Há também uma tendência de que muitos dos seus serviços permaneçam na capital.8

Para as pessoas das comunidades em estudo as instituições do estado mais imediatamente acessíveis e as que elas entendem como representando “o governo” são o Posto Administrativo e o Chefe do Posto. De acordo com os Chefes de Posto a sua principal responsabilidade é representar o governo, informar o governo sobre as necessidades da comunidade e verificar em nome dele se as políticas do governo são devidamente executadas. Cada Posto Administrativo está dividido em Localidades, que formalmente devem ter um representante do governo mas nem sempre é o caso. Por último, os Municípios e as aldeias maiores são

divididos em bairros com um Secretário do Bairro (não há mulheres com esta tarefa nos três locais) que em princípio é eleito pela população local mas que de facto é nomeado pelo Partido e que normalmente também chefia a Célula do Partido.

Uma instituição especial do Estado que merece particular atenção é o Fundo de Desenvolvimento Distrital ou o chamado

„7 milhões de MTn‟. Este fundo teve início em 2006, destinado a apoiar iniciativas locais de desenvolvimento económico e criação de emprego. As decisões são tomadas através de um elaborado processo de candidatura envolvendo Conselhos Consultivos aos níveis de

Localidade, Posto Administrativo e Distrito – tendo este último a palavra final. Como se vê na Tabela 1, em 2011 foram financiados 412 projectos num valor total aproximado de 22 milhões de MTn, o que representa um montante substancial de dinheiro. Embora os pobres

7 No Distrito do Lago, por exemplo, o orçamento „livre‟ disponível total para 2011 é de 7.800.000 MTn, os quais a Administração Distrital tenta distribuir entre os quatro Postos Administrativos de forma equilibrada.

8 No Lago, por exemplo, nenhum dos 682 beneficiários dos programas de protecção social do INAS em 2011 pertence ao Posto Administrativo de Meluluca – embora este represente mais de 10% da população do Distrito.

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19 tendam a queixar-se que os projectos apenas “vão para os ricos”, as Administrações Distritais tendem pelo seu lado a argumentar que o dinheiro – que é, por exemplo, equivalente ao total do orçamento de investimento para o Distrito do Lago – seria melhor usado em projectos que “interessam a muitos” como estradas terciárias e pontes.

Sobreposições Institucionais

O Estado e as instituições tradicionais têm diferentes papéis e responsabilidades, sendo o primeiro responsável por intervenções de desenvolvimento „formais‟ e as últimas pelo bem- estar „informal‟ da população. Contudo, existe também um alto grau de dependência mútua:

o Governo não pode implementar as suas políticas e intervenções sem a cooperação das autoridades tradicionais e as autoridades tradicionais dependem grandemente de desenvolvimentos tangíveis nas suas comunidades para manterem a sua posição. Isto foi reconhecido pelo governo, muito concretamente através de dois tipos de políticas:

Uma é a remuneração das autoridades tradicionais pela folha de salários do governo. Os régulos e as rainhas recebem um pagamento trimestral de 2.400 Mtn ou seja 800 Mtn por mês (1º Escalão), mais uniformes para serem usados em ocasiões especiais como visitas do governo provincial ou central. Os n‟dunas recebem um pagamento trimestral de 1.200 Mt ou seja 400 Mt por mês (2º Escalão). E muito recentemente os Chefes de Povoação foram reconhecidos como o quinto nível do governo e receberão uma remuneração trimestral de 900 Mtn (3º Escalão). O pagamento tem sido descrito de várias formas, como a remuneração bem merecida de pessoas que desempenham tarefas importantes para o governo e como uma tentativa por parte deste de co-optar as autoridades tradicionais. Os líderes tradicionais no Lago, Majune e Cuamba queixam-se de que não recebem a sua

„compensação‟ a intervalos regulares conforme previsto, mas reconhecem que „por fim‟

acabam por recebê-la.

A segunda maneira de as instituições públicas e tradicionais se „sobreporem‟ é através dos Conselhos Consultivos do Distrito, do Posto Administrativo e da Localidade. Os Conselhos foram estabelecidos em 2008, com o objectivo de contribuírem, num sentido lato, para o desenvolvimento. Têm geralmente entre 10 e 40 membros (com um número mais alto quanto mais se sobe na hierarquia), dos quais a maioria são líderes tradicionais e religiosos, membros da sociedade civil, membros da comunidade de negócios e pessoas locais „de particular estima‟. É suposto 30% serem mulheres, mas isto não é cumprido em nenhum dos três locais do projecto. Os Conselhos são geralmente chefiados pelo representante do governo ao nível de Distrito, Posto ou Povoação – o que sublinha a influência de facto que estes têm no que é suposto ser uma instituição „democrática‟. Na prática, a tarefa principal dos conselhos tem sido avaliar e aprovar as candidaturas de indivíduos e associações ao sistema dos „7 milhões‟, que são submetidas ao Conselho Consultivo Distrital para aprovação ou rejeição final (ver abaixo). Seguiremos de perto este processo em relatórios subsequentes.

Embora a Frelimo como partido político dominante não seja uma „instituição pública‟ como tal, está estreitamente entrelaçada com as autoridades governamentais. O Partido está representado de facto na forma de Secretários de Bairro, particularmente nas comunidades maiores (ver acima), que são formalmente eleitos pela comunidade mas na verdade seleccionados pela Frelimo que identifica o(s) candidato(s) que pretende(m). Os Secretários recebem também uma remuneração ao nível do 1o Escalão (ver acima) o que, de acordo com os membros da comunidade que tomaram parte no Exercício de Mapeamento, não implica que tenham o mesmo impacto que os líderes tradicionais. Em áreas onde se supõe que a oposição é mais forte, os Secretários de Bairro são particularmente activos. Em outras áreas menos „sensíveis‟ o seu papel relaciona-se principalmente com a mobilização das Células do Partido quando das eleições ou outros eventos políticos. Embora a oposição

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20 (Renamo e MPD) seja bastante forte em partes do Niassa, é ainda raro ver exibições abertas de filiação em partidos da oposição na forma de bandeiras, etc.9

Os Tribunais Comunitários foram no início uma instituição tradicional com o objectivo de ajudar a resolver problemas comunitários e domésticos. Originalmente eram chefiados por líderes tradicionais e/ou idosos respeitados pela comunidade e estavam por isso em posição de usar autoridades tradicionais (líderes de clan, líderes religiosos, chefes de famílias alargadas, etc.) para exercer pressão, por exemplo em casos de compensação por adultério. Este é ainda o caso no Lago/Meluluca onde o tribunal é chefiado pelo irmão mais velho da rainha, mas em Majune o tribunal é grandemente dirigido por representantes do Estado e do Partido e tornou-se „semi-oficial‟ adquirindo um tipo diferente de influência. De acordo com um informador chave em Majune, as mulheres não têm lugar no tribunal porque

“elas não têm coragem de participar na tomada de decisões”. A polícia comunitária tem um papel transitório similar. Designada pela comunidade e „aprovada‟ pelo governo (embora não sendo paga), é vista como não tendo a autoridade tradicional necessária para cumprir a sua tarefa de uma boa forma.

As Organizações Não Governamentais (ONGs) também se encontram de algum modo na interface entre tradição, sociedade civil e estado. São normalmente financiadas por governos estrangeiros; estão mais directamente envolvidas com as comunidades locais do que as organizações de ajuda bilaterais; e geralmente preenchem as „lacunas‟ na provisão de serviços pelo governo.10 Apesar de uma forte presença global de ONGs no Niassa (ver Orgut 2011a), a sua presença nos três locais de estudo varia consideravelmente. No Distrito do Lago, apenas a ONG Moçambicana „Estamos‟ (que trabalha com o HIV-SIDA) tem uma presença permanente. Em Meluluca nenhuma ONG está representada. A Concern foi útil para apoiar a nova estrada em 2008 mas retirou-se em 2009, e a WWF está presente apenas indirectamente através de tentativas em curso para introduzir um novo sistema de gestão da pesca no Lago Niassa. Em Cuamba há algumas ONGs principalmente a trabalhar no apoio a actividades agrícolas (FORASC, FHI, PROMER). Finalmente, em Majune há um curto número de ONGs, incluindo o Conselho Cristão de Moçambique, Mundukide, Ibis, Concern Universal e União de Camponeses. A maioria delas trabalha na área da boa governação e na construção da capacidade dos cidadãos para monitorar o desempenho do governo local. Nesse sentido as ONGs têm sido importantes a alargar a visão em Majune, e têm sido bem sucedidas em incitar discussões sobre a democracia e a participação dos cidadãos na governação local.

Sector Privado

Historicamente, no Niassa as empresas que adquirem produtos agrícolas, principalmente tabaco e algodão, têm sido as representantes mais importantes do sector privado. Mais recentemente, as empresas privadas na área florestal colocam a sua marca em grandes partes da província comprando terra e plantando pinheiros. Há também interesses internacionais emergentes em minas de carvão e em turismo/vida selvagem.11

9 Num caso particular a povoação era conhecida por ter um N‟duna com forte simpatia pela Renamo que „levava‟

uma grande parte da população a votar na Renamo. Após um período com um forte Secretário de Bairro, o N‟duna foi-se embora e „o problema foi resolvido‟ como disse o Secretário.

10 A ONG mais influente no Niassa é actualmente o Centro Cooperativo Sueco (Scc) que trabalha com as organizações locais da sociedade civil.

11 A Suécia tem apoiado o sector privado no Niassa através da Fundação Malonda.

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21

Diagrama de Venn pelo Grupo Focal Masculino, Cuamba

Foto: Carmeliza Rosário

A presença e o impacto do sector privado nos três locais de estudo varia consideravelmente.

No Lago/Meluluca, não está presente nenhuma das grandes empresas que compram produtos agrícolas e plantam florestas – de acordo com a população local porque o solo arenoso não favorece a produção de tabaco, as suas áreas de terra são demasiado pequenas e porque „os nossos régulos se recusam a ceder terra às empresas florestais‟. A presença mais proeminente do sector privado é o Mbuna Bay Lodge (em Ngolongue, ver o Mapa 3), que emprega uma grande parte da população da aldeia de 331 pessoas e apoiou o estabelecimento de um Posto de Saúde e a renovação de uma escola primária. Em Majune

há empresas do sector privado activas como a Mozambique Leaf Tobacco (MLT), a Luambala Jatropha, a Tenga, Lda. que produz nozes de macadamia e a Majune Safari que trabalha em turismo e vida selvagem. Embora estas empresas empreguem mão-de-obra local, a grande maioria da força de trabalho local ainda está desempregada ou restringida à agricultura familiar (ver abaixo). Em Cuamba, as empresas de tabaco e algodão têm uma presença muito mais forte e há um maior número de oportunidades de emprego no sector privado, devido à posição de Cuamba como centro económico da província. No entanto, a relação é actualmente marcada por conflitos dado que as empresas tabaqueiras – na opinião da população local – ou não compram os seus produtos ou compram-nos por um preço demasiado baixo (ver o Sub-Relatório de Cuamba para mais detalhes).

Para avaliar a importância das diferentes instituições na comunidade, o Exercício do Diagrama de Venn (ORGUT 2011a) indicava claramente que as instituições tradicionais são consideradas as mais importantes para a vida das pessoas. Nos três locais do projecto o régulo ou a rainha surgiam como os mais influentes, frequentemente seguidos pelos líderes das instituições baseadas na comunidade como os imams ou chehes. As instituições governamentais eram geralmente consideradas de menos importância com excepção do Secretário de Bairro que até certo ponto tem „substituído‟ as autoridades tradicionais particularmente em Cuamba.

A importância relativa das diferentes instituições para a população local é também captada no Estudo de Base, que mostra a proporção de agregados familiares que contactaram e usaram instituições tradicionais e públicas nos seis meses antecedentes ao estudo (Tabela 4). Como se pode

ver, as pessoas relacionam-se principalmente com o Chefe (Régulo) e com o Chefe de Povoação (N‟duna), sendo os „representantes do estado‟ na forma do Chefe do Posto Administrativo e do Secretário de Bairro relativamente importantes. Igualmente significativo é o facto de que, embora as pessoas no Lago consultem as autoridades tradicionais bem como as autoridades públicas com uma relativamente alta frequência, as pessoas na Cuamba (peri)-urbana fazem-no com frequência consideravelmente mais baixa o que provavelmente reflecte um nível de confiança mais baixo no interesse e capacidade de essas instituições as ajudarem.

Vila e da floresta, Lago Foto: Inge Tvedten

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22 Tabela 4. Proporção de Agregados Familiares que Usaram Instituições Públicas e

Tradicionais Chave Seis Meses Antes de Serem Entrevistados (em percentagem)

Instituição Lago Majune Cuamba

Administrador Distrital 5,0 3,3 2,5

Chefe do Posto Administrativo 12,5 1,7 0,0

Chefe (Régulo) 36,7 10,8 5,0

Chefe de Povoação (N‟Duna) 19,2 1,6 1,6

Secretário de Bairro 23,3 5,8 6,7

Chefe da Célula do Partido 0,8 4,2 1,7

Polícia (incl. Polícia Comunitária) 1,7 5,8 5,0

Chefe da Mesquita (Chehe) 10,8 13,3 0,0

Médicos Tradicionais (Curandeiros) 5,8 4,2 0,8

Outros 4,1 2,5 1,6

Fonte: CR Moçambique Estudo de Base 2011

3.2 Principais Problemas na Comunidade

Os dados gerais sobre o Niassa apresentados na parte inicial deste relatório revelam uma situação de melhoria da pobreza baseada no consumo e indicadores sócio económicos variando à volta da média nacional. Através do Exercício dos Problemas Mais Importantes (ORGUT 2011a), foi solicitado aos grupos focais nos três locais de estudo que listassem os problemas mais importantes da comunidade e que depois votassem i) a proporção da população afectada pelos mesmos e ii) a gravidade do problema em questão.

Como se vê na Tabela 5 abaixo, os problemas centram-se no acesso a serviços básicos como saúde, educação e água, mas revelam também peculiaridades locais do Lago, Majune e Cuamba. Daremos abaixo um instantâneo destes problemas como nos foram descritos nas três comunidades, referindo novamente os Sub-Relatórios para mais detalhes.

Tabela 5. Principais Problemas Comunitários (votos) Problemas no

Lago

Votos Problemas em Majune

Votos Problemas em Cuamba

Votos Fraca Qualidade

da Água

22 Falta de Água 20 Falta de Água 10

Fracas Instalações de Saúde

22 Conflitos Homem- Animal

20 Fracas Instalações de Saúde

10

Falta de Energia 22 Falta de Emprego 20 Fracas Estradas 9 Apenas Escola

Primária

17 Falta de Mercados Locais

10 Crime 9

Fracas Estradas 17 Falta de Electricidade

10 Desemprego 8

Fonte: CR Moçambique Exercício dos Problemas Mais Importantes 2011

O Acesso a Água é visto como um grande problema tanto em Majune como em Cuamba, e a água contaminada é considerado o problema principal em Lago/Meluluca. Há apenas um total de 10 fontanários no P.A. de Meluluca para uma população de 8.500 pessoas, e em Meluluca Sede com a mais alta concentração populacional há apenas um fontanário em funcionamento. De acordo com o Estudo de Base, 48% dos agregados familiares usam um fontanário, 13% usam poços e 39% depende da água do Lago para beber – bem como para lavar, pescar e outras actividades. Tanto em Majune como em Cuamba a principal fonte de água são os poços, para 64,2% e 70,0% dos agregados familiares respectivamente.

Referências

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