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1 URBANIZAÇÃO E MIGRAÇÃO NO PARAGUAI: UMA DINÂMICA

2.3 Redes sociais

A abordagem de Redes Sociais ocupa um lugar significativo neste trabalho, pois se coloca no âmbito teórico a partir da necessidade de se explicar, em primeiro lugar, o motivo de alguém optar por se tornar migrante e escolher um determinado lugar de destino – no caso o grupo de mulheres em apreço – e, em segundo, o porquê,

as motivações das migrantes ao optarem por essa condição, sendo que outras mulheres não fazem esta escolha, embora possam viver as mesmas condições e estarem submetidas às mesmas condições estruturais, econômicas, políticas e sociais. (SOARES, 2003).

Seguindo o pensamento de Massey et al. (2009) as redes migratórias podem ser entendidas como “conjuntos de laços interpessoais que conectam migrantes, antigos migrantes e não migrantes em áreas de destino e origem através de relações de parentesco, amizade e origem comunitária comum” (MASSEY et al, 2009, p. 42, tradução minha). Essas redes constituem uma forma de relacionamento a que as pessoas podem recorrer para manter vínculos afetivos, mas também econômicos, sociais, culturais e religiosos: partilha da moradia, acesso a informações sobre o mercado de trabalho ou documentação (no caso de estrangeiros), primeira socialização no lugar de chegada, envio de remessas, participação em espaços étnicos e religiosos, entre outros.

Entende-se que rede social é o conjunto de atores ou “pontos centrais de convergências” – organizações ou instituições sociais – que estão conectadas por algum tipo de relação. As redes mais importantes são aquelas fundadas em relações de parentesco, de amizade, de trabalho e origem comum, haja vista que tais relações não se criam pelo processo migratório, mas são reforçadas por ele a partir da experiência da migração (SOARES, 2003, p. 50).

As redes migratórias são laços que ligam as comunidades remetentes aos pontos específicos de destino nas sociedades receptoras. Tais laços unem migrantes e não migrantes em uma rede complexa de papéis sociais complementares e relações interpessoais que são mantidas por um conjunto informal de expectativas mútuas e comportamentos prescritos (ASSIS; SIQUEIRA, 2009, p. 13).

A abordagem de Redes Sociais toma como relevante os laços interpessoais e seus conteúdos, e como estes integram e condicionam o processo de migração. Assim, a migração é pensada como estrutura comunitária que translada, uma vez que as unidades efetivas da migração são os conjuntos de pessoas ligadas por laços de amizade, parentesco e experiência de trabalho, que incorporaram o país de destino nas alternativas de mobilidade por eles consideradas (ASSIS; SASAKI, 2000, p.11).

Por outro lado, na ótica de Tilly (2004), que estabelece os conceitos de redes sociais no processo migratório com base em uma sólida concepção de estrutura e

organização social, os indivíduos migrantes, embora tenham racionalidade e liberdade de escolha, são constrangidos a todo instante por “grandes estruturas coletivas”.

Como contexto para alterações nos deslocamentos sociais, podemos ver o funcionamento da globalização de forma mais clara ao distinguir entre conexão de cima para baixo, adaptação de baixo para cima, e um meio-termo da negociação. De cima para baixo, a globalização produz conexões entre centros de poder: ligações comerciais entre os „nós‟, conexões financeiras coercivas entre as forças militares, ligações culturais entre grupos étnicos religiosos ou, combinações das três. De baixo para cima, a globalização parece diferente, inclui conexões como as migrações de longa distância, chamadas telefônicas através das fronteiras e oceanos, remessas e presentes enviados pelos migrantes para suas aldeias de origem, e partilha de conhecimento pelos organizadores dos deslocamentos sociais. (TILLY, 2004, tradução minha)

Em outras palavras, o contexto social dominado pela coletividade seria regido por estruturas, instituições, normas e interações cotidianas e, assim, definiria a “condição de migrante” dos indivíduos. Portanto, é preciso estar conectado às estruturas sociais adequadas para que a migração se configure como estratégia coletiva ou individual e, em outro momento, concreta e plausível.

Cabe ressaltar também o conflito e as ambiguidades que podem existir no meio dessas redes sociais, como comprovado em pesquisas que apontam a exploração dos recém-chegados por parte de seus conterrâneos (ASSIS; SIQUEIRA, 2009; MARTES, 2000). Neste sentido, a rede de amizade ou de parentesco pode constituir um espaço de solidariedade e empoderamento, mas também de exploração e dependência. Em outras palavras, as redes sociais amparam, mas podem também confinar e coagir.

Por outro lado, e retomando a ideia de que as redes sociais caracterizam-se como elementos típicos dos fluxos migratórios contemporâneos, não raramente, o êxito da migração depende da existência de redes e pessoas de apoio quanto da ação dos agentes intermediários (ASSIS, 2011).

O Hogar de Tránsito Santa Librada, nesta ótica, pode ser interpretado como um ponto central das redes sociais para a migração feminina no Paraguai, sobretudo no que diz respeito ao sucesso do projeto migratório, pois ali, além de receberem hospedagem e qualificação profissional, as mulheres são rapidamente inseridas no mercado de trabalho pela rede social historicamente construída através de relações de amizade, contatos e de conhecimento das coordenadoras do Hogar.

Neste sentido, podemos considerar que, no centro dos processos migratórios se encontra a protagonista racional que decide partir, embora não se trate de uma decisão meramente individual, mas sim familiar. As negociações acontecem, na maioria dos casos entrevistados, no interior da família, entre mãe e filha, tendo o pai como figura presente no âmbito, tios e tias que contribuem e participam do projeto migratório. Assim, somam-se ao fator econômico, outros fatores decisivos para a migração, tais como as redes sociais, os apoios advindos dos familiares, os amigos no âmbito da migrante. No aspecto macro, o amparo institucional para a capacitação laboral e o reconhecimento de direitos, providos às migrantes, servem como potencializadores da autonomia nos caminhos e descaminhos da migração. Este aspecto pode ser percebido no trecho abaixo:

Minha irmã foi me buscar em casa e me disse que tinha um trabalho para mim. Ela me levou diretamente no Hogar Santa Librada. Cheguei pela manhã e de tarde já fui trabalhar como empregada doméstica, bem pertinho do Hogar, umas oito quadras mais ou menos. Meu marido veio comigo e ficou sem trabalho durante um mês. (ACÁCIA)

Enfim, as várias abordagens teóricas supracitadas nos ajudam a compreender como nos fluxos migratórios analisados, os fatores econômicos de atração e expulsão se entrelaçam com dinâmicas políticas, estratégias familiares de sobrevivência ou diversificação das fontes de renda, redes sociais de amparo e solidariedade, além, claramente, da subjetividade do indivíduo. É importante considerar esta pluralidade de fatores que impulsionam a saída destas mulheres do campo, em especial as redes que acionam e as ferramentas internas das quais fazem uso para dar partida ao seu projeto.

Tendo em vista que o interesse maior desta dissertação é avaliar os processos internos que possibilitam à mulher migrante maior autonomia na gestão de sua própria vida, vale à pena revisitar algumas abordagens sobre as questões de gênero e suas interfaces com o processo migratório.

2.4 Perspectiva de gênero, empoderamento e autonomia nos caminhos da