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3. O TERRITÓRIO ORGANIZANDO A IDENTIDADE E A LUTA

3.1 Redimensionando o território

Os territórios estão sendo re-apropriados na nova dinâmica de entrada de capital com a exploração de ouro, com a execução de projetos de desenvolvimento, com os cultivos ilegais e com o conflito armado. Novas territorialidades estão se configurando no embate com os projetos de desenvolvimento e as empresas exploradoras, que por seu lado possuem suas próprias noções de território, pautadas em uma logica econômica de exploração dos recursos naturais e de progresso.

Essa dinâmica nem sempre se configura como relações de antagonismo pois, em muitas ocasiões, as comunidades afrocolombianas, através de seus consejos comunitarios, estabelecem alianças com os mineradores ou com os projetos de desenvolvimento.

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La lógica implícita en la construcción de territorialidad en el Pacífico, a lo largo de la historia, se puede entender como el escenario de tensión entre lógica externa, definida como espacio de mercado o como política de Estado, y la acción de las culturas tradicionales, que tienden a asegurar su reproducción resistiendo en los territorios o, en ciertos momentos, forzando proyectos de carácter regional que expresan una visión de territorialidad. En este contexto, el análisis sobre el desarrollo de los territorios colectivos de comunidades negras, reconocidos a partir de la Constitución Política de 1991, debe asumir como impronta y como limitante la economía extractiva que ha determinado la vida regional, que tiene expresión en el modelo estatal regional que ha fragmentado las culturas y ha desarrollado una institucionalidad que niega el escenario de la multiculturalidad que de modo esencial define la región.

Assim, no Pacífico colombiano e no Chocó, sempre conviveram estas dinâmicas globais-locais, desde o período da escravidão, que resultava de um comércio internacional, passando pelas economias extrativistas (sempre conectadas com mercados e politicas internacionais), pelos projetos de desenvolvimento (como parte de um projeto de modernidade) e pelos novos discursos de defesa dos recursos naturais e da biodiversidade biológica e étnica. Essa inter-relação global-local reflete-se também nas organizações das comunidades afrocolombianas.

Nesse sentido o local não é uma simples reprodução do global ou sua antítese, mas resultado de uma glocalização (HAESBAERT, 2006), que implica na localização de processos globais e na globalização de processos locais.

A região do Pacífico tem sido, portanto, palco do extrativismo desde o período colonial. Durante a Colônia os espanhóis exploraram intensamente o ouro e a platina, atividade que foi assumida posteriormente, em escala significativamente mais reduzida, pelos então libres. Posteriormente, por muito tempo o Pacífico foi percebido como uma área de bosques, rios, mar, manguezais e minas de ouro e platina, um grande arsenal de recursos naturais exploráveis com o aval das instituições estatais, que emitiam permissões, concessões e adjudicações às empresas (LEAL e RESTREPO, 2003). Não era reconhecida a presença das comunidades afrocolombianas e dos povos indígenas.

Havia uma exploração artesanal de ouro e platina e de madeira efetivada pelas comunidades afrocolombianas e o ingresso de esporádicas explorações efetivadas por estrangeiros. Na atualidade, a exploração mineral tornou-se um dos grandes problemas no Pacífico, especialmente por ter assumido uma proporção pelo menos dez vezes maior. Nesse sentido, afeta profundamente as organizações das comunidades afrocolombianas e tem favorecido um redimensionamento do território.

A concepção tridimensional que tinham do território que permitia a produção polifónica vai sendo restringida, pois a atividade de mineração passa a ser privilegio quase exclusivo de investidores estrangeiros.

A conquista da Lei nº 70/1993 passa a ser limitada na medida em que sua não regulamentação plena tem permitido a invasão desenfreada da exploração. Após de quase 20 anos de sancionada essa lei, só foram regulamentados 25 artigos de um total de 68, ficando entre os não regulamentados aqueles relacionados aos recursos naturais e desenvolvimento.

Como reflete Mejía80 (2012):

Há resultados muito significativos e atrasos muito significativos. Depois de 20 anos não há regulamentação de três dos capítulos mais importantes, então digamos que a pretensão da realização desse direito fundamental ao território das comunidades afro não é completa, não há realização porque não se trata só da titulação, então a regulamentação dos capítulos 4, 5 e 7, ou seja, todo o que tem a ver com recursos naturais, recursos minerais e fomento ao desenvolvimento, que é a vida da gente nesses territórios, que adicionalmente foram impactados pela guerra, faz com que esses direitos territoriais, já não o enfoque da terra, senão

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Claudia Mejía é antioqueña, fez parte da Comissão Especial como assessora já que era diretora do Plan Nacional de Rehabilitación. Atualmente faz parte de uma ONG.

o enfoque territorial tenha sido danificado e tenha sido afetado e que precise necessariamente de caracterizar-se o que é o que tem acontecido e de projetar-se a restituir esses direitos, e esses direitos se restituem também em poder conseguir regulamentar de forma favorável, esses capítulos da lei 70. Porque adicionalmente, no momento atual todos estes territórios encontram-se ameaçados e no nível jurídico, legal, o instrumento da lei não os protege, porque não esta desenvolvida. Estas comunidades continuam tendo uma grande assimetria frente aos atores que vão levar adiante as políticas de desenvolvimento da locomotora minera, da locomotora agraria, todos estes interesses frente aos recursos naturais renováveis e não renováveis e sobre os quais se afiança a projeção econômica, de desenvolvimento e de prosperidade81 (Tradução minha).

A não regulamentação desses decretos reflete a tensão entre os interesses das comunidades afrocolombianas e setores da sociedade civil e do governo que consideram a titulação de territórios coletivos para essas comunidades como um entrave aos interesses desenvolvimentistas. Nesse sentido, Mejía (2012) considera a não regulamentação da Lei n°70/1993 como falta de vontade política do governo.

Não há vontade política. Uma vez que se é consciente da dimensão que tem essa titularidade coletiva, estas possibilidades que têm os territórios, existem inimigos na sociedade, que não veêm com bons olhos estes territórios, estas comunidades, continua-se com uma visão excludente que estabelece os territórios de comunidades negras como obstáculos a um olhar de desenvolvimento, a uma forma e a um enfoque de desenvolvimento econômico e social, no qual estas comunidades desde suas formas culturais, desde sua visão de recursos humanos, do aproveitamento, são inconvenientes82 (Tradução minha).

No âmbito das organizações afrocolombianas, a exploração do ouro tem criado tensões internas, dividindo os consejos comunitarios, entre aqueles que se deixam seduzir pelos lucros advindos dessa exploração e aqueles que insistem em manter um resguardo do território. Neste sentido, De la Torre83 (2012) manifesta sua preocupação em relação à ACIA:

Neste momento eu a vejo [a ACIA] com muita muitíssima preocupação, as lideranças que estão governando a ACIA têm caído na miragem do ouro, então têm uma tese supremamente perigosa: ‘como vão explorar o ouro, antes que outro leve a grana, eu pego ela’. Se você maneja essa ética, você perde o rumo porque então vão vender ao melhor preço, então não lutam por defender o território senão lutam por tirar proveito do território, a posição é muito diferente. Então agora é que os consejos comunitarios vendam a terra ou emprestem a terra ao

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Hay logros muy significativos y atrasos muy significativos. A 20 años no hay reglamentación de tres de los capítulos más importantes, entonces digamos que la pretensión de la realización de ese derecho fundamental al territorio de las comunidades afro no es completa, no hay realización porque no solamente es la titulación, entonces está la reglamentación de los capítulos 4, 5 y 7, o sea, todo lo que tiene que ver con recursos naturales, recursos mineros y fomento al desarrollo, que es la vida de la gente en esos territorios, que adicionalmente fueron impactados por la guerra, hace que esos derechos territoriales, ya no el enfoque tierra sino el enfoque derecho territorial, haya sido dañado y haya sido afectado y necesite necesariamente de caracterizarse que es lo que ha pasado y de proyectarse frente a restituir esos derechos, y esos derechos se restituyen también en poder lograr reglamentar de manera favorable esos capítulos de la ley 70. Porque adicionalmente, en el momento actual todos estos territorios se encuentran amenazados y a nivel jurídico, legal, el instrumento de la ley no los protege porque no está desarrollado. Estas comunidades continúan teniendo una gran asimetría frente a los actores que van a llevar adelante las políticas de desarrollo de la locomotora minera, la locomotora agriaría, todos estos intereses frente a los recursos naturales renovables y no renovables y sobre los cuales se afianza la proyección económica y de desarrollo y prosperidad.

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No ha habido voluntad política. Una vez se es consciente de la dimensión que tiene esta titularidad colectiva, estas posibilidades que tienen los territorios existe enemigos desde la sociedad misma que no ven con buenos ojos que estos territorios, estas comunidades, se continua con una visión excluyente que establece a los territorios de comunidades negras como obstáculos a una mirada de desarrollo, a una forma y a un enfoque de desarrollo económico e social en el cual estas comunidades desde sus formas culturales, desde su visión de los recursos del aprovechamiento, son inconvenientes.

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Gonzalo de la Torre é sacerdote da ordem religiosa claretiana, é chocoano, estudou em Bogotá e em Europa e trabalhou como professor em diversas universidades e institutos. Leva 33 anos trabalhando em Chocó como missionário onde trabalha tanto na parte sacramental e também na parte de desenvolvimento social. Tem dedicado sua vida no trabalho no médio Atrato com as populações que ali moram, concretamente desde o ano 1979 até 1994.

melhor proponente, ao que mais lhes pague, ao que mais lhes cubra, ao que mais os beneficie. Então ai já há perigo de que as dividas da ACIA as paguem estes grandes mineiros, que lhes digam: ‘eu lhes pago todas as dividas que tenham e lhes dou mais, mas me dão licença de explorar isso’, isso não é lógico. Então há a sede de ouro, ou seja, o governo com seu projeto da locomotora minera84 que vai mover toda essa economia, então tem dado maior amplitude a todos estes mineiradores estrangeiros e nacionais, mas condicionada aos comitês locais, então os comités locais estão seguindo o jogo que é tirar grana, que é não cuidar a terra, defende-la... quer dizer, ao mesmo tempo sabemos que é muito difícil o processo minerador, muito difícil mesmo, porque ali jogam milhares de milhões, mas ali se joga o que você nem imagina, são máfias, então corrompe a toda a pessoa que entre, lhe fazem ofertas de dinheiro do que você quiser85 (Tradução minha).

A ACIA começa a se mobilizar face a entrada das empresas exploradoras de madeira nos seus territórios. A luta dessas comunidades afrocolombianas do rio Atrato focaliza-se, então, no acesso e controle dos recursos naturais. Essa demanda enfrentou fortes obstáculos ao longo dos trabalhos da Comissão Especial para Comunidades Negras, porque o governo insistiu no controle dos recursos naturais.