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Ruptura nas organizações: Pacífico Norte e Pacífico Sul

2. E OS AFROCOLOMBIANOS VÃO À LUTA

2.2 Ruptura nas organizações: Pacífico Norte e Pacífico Sul

No âmbito da luta pela inserção da questão étnica na Constituição Política de 1991, começaram a se configurar as organizações de Valle, Cauca e Nariño, que fazem parte do que tem sido denominado Pacífico Sul, principalmente em Buenaventura, Guapi e Tumaco, que são cidades importantes na região, para onde convergem ativistas com nível de educação superior. As

“asociaciones campesinas” de Chocó, Pacífico Norte, já tinham um percurso de 10 anos, mas nesse

momento, outras organizações também começaram a se constituir nesse departamento.

Em julho de 1992, os ativistas do Pacífico Sul realizam a Primeira Assembléia Nacional de Comunidades Negras, em Tumaco. Dela participaram delegados das organizações de Chocó, Valle, Cauca e Nariño. Como os territórios aos quais se referia o AT55 eram restritos à região do Pacífico, os ativistas da Costa Atlântica não foram convidados.

Em maio de 1993, na Segunda Assembléia, a Costa Atlântica participou junto com os quatro departamentos do Pacífico. Nas duas assembleias foi discutida a criação da uma organização nacional de “comunidades negras”. Em novembro de 1993, depois de ser sancionada a Lei n°70/1993, realizaram a Terceira Assembléia em Puerto Tejada, da qual as organizações chocoanas não participaram (PARDO e ALVAREZ, 2001).

Segundo Pardo e Alvarez (2001) e Grueso, Rosero e Escobar (2000), as organizações de Chocó não participaram porque viam com desconfiança uma possível organização nacional. Entendiam que ali entrariam numerosas organizações novas e sem respaldo de base que se sentiriam em igualdade de capacidade decisória frente às de Chocó que representavam a massa “camponesa negra” mais importante do Pacífico.

Nas entrevistas com as lideranças chocoanas, ninguém fez referência a essas assembleias, e quando eu provocava a questão, algumas afirmavam ter uma vaga lembrança, enquanto outras diziam

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“El conjunto de familias de ascendencia afrocolombiana que poseen una cultura propia, comparten una historia y tienen sus propias tradiciones y costumbres dentro de la relación campo-poblado, que revelan y conservan conciencia de identidad que las distingue de otros grupos étnicos”.

não ter lembrança alguma. Porém, as organizações do Sul constantemente narram esses fatos, como fundacionais de suas organizações, como pode ser visto em múltiplos artigos escritos por intelectuais e lideranças.

Na terceira Assembléia criaram uma organização de caráter nacional, que passou a ser conhecida como Proceso de Comunidades Negras, PCN, com a participação das organizações de Valle, Cauca, Nariño e a Costa Atlântica. Como afirmam Pardo e Alvarez (2001, p. 247)

O PCN impulsiona, então, uma organização nacional conformada por seções departamentais ou regionais chamadas Palenques, uma para cada um dos três departamentos do Sul e outra para a Costa Atlântica, os quais a sua vez fundaram organizações sub-regionais ou locais que podem ser camponesas, urbanas ou culturais64 (Tradução minha).

Estes Palenques atuaram durante cinco anos, porém sua autoridade começou a diminuir quando foram se formando os consejos comunitarios e ocorrendo a titulação coletiva dos territórios. Dessa forma, começou a se reproduzir no Pacífico Sul o tipo organizativo que se tinha efetivado em Chocó (PARDO e ALVAREZ, 2001).

Nesse período, o PCN articulou a maioria dos consejos comunitarios, as organizações urbanas e as culturais do Pacífico Sul. Organizou ainda um trabalho com intelectuais que estavam fora do país e obteve um forte apoio da cooperação internacional.

Segundo Castro65 (2012), a divisão Pacífico Norte/Pacífico Sul obedece a razões “ideológicas”. As organizações do Sul tinham uma perspectiva de luta diferenciada daquelas do norte. Conforme Castro (2012) “os de Chocó éramos mais territoriais e os do sul eram baseados no marxismo, mas o marxismo não tem clara a luta étnica”66

(Tradução minha). Também tenho ouvido mencionar, nas conversas com algumas lideranças e intelectuais, que a divisão ocorre porque as organizações do sul se orientam para um movimento de tipo étnico, isolado da política tradicional, e essas organizações criticaram muito a orientação e a articulação das organizações chocoanas com a política. Segundo Arocha (2012) as organizações de Chocó sempre tiveram relação com a política, enquanto que o PCN se constitui num movimento social não político, de caráter contestatário.

Em Chocó, a relação das pessoas com os partidos políticos é muito forte, tanto que constitui uma relação familiar. Inclusive, as lideranças das organizações estão vinculadas a algum partido político ou em aliança com algum político. Isso devido a que o Estado é um dos maiores empregadores do departamento. Da aliança com os políticos que estão no governo, ou que estão pretendendo chegar lá, depende o aceso a empregos em instituições estatais. Assim existem alianças políticas de longa data entre famílias. Velásquez (2011) refere-se a isso:

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El PCN impulsa entonces una organización nacional compuesta por seccionales departamentales o regionales llamadas Palenques, uno para cada uno de los tres departamentos del sur y otro para la costa atlántica, los cuales a su vez federan las organizaciones subregionales o locales sean organizaciones campesinas, gremiales urbanas o culturales.

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Rudecindo Castro é uma liderança de Chocó, nascido no rio Baudó. Fez seus estudos de ensino fundamental em Quibdó e faculdade em Bogotá, nos anos 70 e princípios dos 80. Quando formado voltou para Quibdó e começou se envolver no Movimiento Cimarrón e depois fundou a ACABA com outras pessoas. Foi o primeiro presidente da ACABA. Fez parte da Comissão Especial de Comunidades Negras e atualmente é o diretor distrital de assuntos étnicos em Bogotá.

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Então, bom... porque eram dependentes de um fenômeno político que se vive na região e é o dos partidos tradicionais. Porque? Porque desafortunadamente ainda hoje não se faz nada em Chocó se você não esta afiliado ou adscrito...67 (Tradução minha).

De acordo com as entrevistas, durante a Comissão Especial estabeleceram-se relações de aliança de algumas lideranças chocoanas com políticos (representantes à Câmara), que também faziam parte da comissão. Por sua parte, Nina S. de Friedemann entrou em contato com congressistas para pressionar pela inclusão do projeto de lei na agenda do Congresso Nacional e por sua aprovação. Segundo Castro (2012), Serna68 (2012) e Arocha (2012), sem essas relações e diálogos com os políticos a lei nunca teria sido uma realidade, pois o que o governo pretendia era expedir um decreto com força de lei, não uma lei especial para “comunidades negras” e dessa forma diminuir as garantias e direitos das mesmas.

As lideranças do sul recriminaram duramente estes comportamentos e sempre deixaram claro que “eles não se contaminavam com os políticos, eles queriam permanecer puros e independentes como organização” (AROCHA, 2012). Sobre esse fato, Jimeno69

(2012) tem uma opinião totalmente diferente. Para ela, quem apresentou o projeto de lei foi o ministério de governo, que tinha a boa intenção de que a lei se tornasse realidade, e essas lideranças chocoanas e os políticos só atrapalharam o processo de articulação da Comissão Especial.

O fato é que essa ruptura é profunda e impede a parceria entre organizações e a criação de uma organização de caráter regional que poderia fortalecer as organizações ou pelo menos criar uma união pontual para exigir garantias e o cumprimento das obrigações do Estado (PARDO e ALVAREZ, 2001).