• Nenhum resultado encontrado

Redirecionamento da Política Externa Turca

CAPÍTULO III O PAPEL GEOPOLÍTICO DA TURQUIA E SUA ADESÃO À

4.2 Redirecionamento da Política Externa Turca

O segundo fator de desaceleração das negociações para a adesão diz respeito à mudança de rumo da política externa turca.

Desde a criação da República, em 1923, a Turquia buscou se tornar um Estado independente e moderno, baseado no ideal de secularização e ocidentalização do País. Com esse objetivo, a sua eventual adesão à UE foi interpretada pela opinião pública turca em geral, como uma contrapartida necessária à ideologia do Estado.

No início do processo, os principais partidos políticos da Turquia eram assumidamente favoráveis à adesão. Mesmos os islamitas, habitualmente críticos às políticas européias, se posicionavam a favor, na esperança de que a liberdade de expressão, condicionante do processo, conferisse um ambiente mais favorável para o desenvolvimento de sua agenda política. Da mesma forma, os secularistas esperavam da adesão a garantia de progressão da Turquia em direção ao Ocidente. Os militares, por vez, encaravam o processo como a salvaguarda da integridade da Turquia, já os separatistas curdos viam a sua salvação no tratamento generoso às minorias defendido pela EU. Os nacionalistas percebiam a adesão como uma confirmação implícita da grandiosidade da Turquia e os liberais se voltavam para a Europa para combater o nacionalismo exagerado257.

Contudo, as barreiras erguidas durante as negociações, percebidas por uma parte da população turca como discriminatórias, e o conseqüente esfriamento das relações com o bloco europeu, fizeram com que a Turquia perdesse o ânimo inicial e buscasse maior preponderância internacional através da intensificação de suas relações com os países árabes

256 COMISSÃO EUROPÉIA. Turkey 2010 Progress Report. Disponível em:

<http://ec.europa.eu/enlargement/pdf/key_documents/2010/package/tr_rapport_2010_en.pdf>. Acesso em: 5

jan..2012

vizinhos, de modo a torná-la um importante interlocutor internacional, cada vez mais independente da aliança com os EUA e a UE.

Em retrospecto, três principais episódios podem ser identificados como marcos dessa mudança na política externa turca durante o período recente, ou, pelo menos, do estilo diferente com que vem sendo realizada, se comparada aos anos anteriores258.

O primeiro episódio foi a atitude do primeiro-ministro Recep Tayyip Erdoğan durante reunião do Fórum Econômico Mundial em Davos, que ocorreu em janeiro de 2009, na qual, saindo em defesa da causa palestina, manifestou crítica aberta às ações de Israel durante a guerra em Gaza, em prejuízo às relações diplomáticas, econômicas e de segurança turco- israelenses.

Após esse fato, substituindo o papel de mediador mais cauteloso por uma participação mais ativa, a Turquia continuou oferecendo críticas a Israel, levando ao declínio as relações bilaterais mantidas com aquele País, reduzidas ao nível mais baixo da história depois que, em 31 de maio de 2010, em águas internacionais, soldados israelenses invadiram um navio de passageiros Mavi Marmara, o maior de uma frota de seis barcos que transportam ajuda humanitária para a faixa de Gaza. A operação deixou nove ativistas mortos, oito dos quais eram cidadãos turcos, e mais de trinta ativistas feridos. Imediatamente após o ocorrido, as autoridades turcas condenaram abertamente Israel que se negou a formalizar pedido formal de desculpas.

O segundo episódio se refere à tentativa de solução diplomática para a disputa envolvendo o Irã e o Ocidente sobre o programa nuclear iraniano. Em 2010, a Turquia, juntamente com o Brasil, agindo de forma independente aos interesses dos países ocidentais, com destaque para os EUA e a UE, opôs-se à aplicação de sanções propostas pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas contra o Irã, convencendo o então presidente iraniano Mahmoud Ahmadinejad a assinar um acordo de troca de urânio enriquecido, como forma de por fim ao impasse. No entanto, recebido com descrença, dito acordo não foi capaz de evitar a aprovação de um pacote de sanções contra o País iraniano.

O terceiro episódio, finalmente, foi o compromisso firmado pela Turquia, em junho de 2010, com a Jordânia, o Líbano e a Síria, com vistas ao estabelecimento de uma zona de livre comércio regional, reforçando os laços comerciais com aqueles Países.

258ILGAZ, Mahir; TOYGÜR, İlke, 2011, p.14. Disponível em:

<http://www.realinstitutoelcano.org/wps/portal/rielcano_eng/Content?WCM_GLOBAL_CONTEXT=/elcano/elc ano_in/zonas_in/dt8-2011> > Acesso em: 5 jan. 2012.

Esse acordo foi reflexo da mudança do eixo econômico do sistema mundial do Oeste para Leste, ou do Norte para o Sul, decorrente da crise econômica mundial de 2008-2009.

Com efeito, após a crise, os países que compõem o BRIC - Brasil, Rússia, Índia e especialmente a China - emergiram ainda mais fortes da turbulência econômica, em contraste com outros países da UE, que tiveram quedas drásticas nos seus desempenhos na economia. Essa situação, fez com que a UE passasse a ser um destino menos atraente em termos de benefícios econômicos, contrariamente ao Oriente ou ao Sul, que passaram a ser tendências em termos de comércio e investimentos futuros.

Além disso, a crise mundial criou um impulso em favor da ampliação da estrutura de governança global, substituindo o G-8 pelo G-20, do qual faz parte a Turquia, que assim teve a oportunidade de ser um participante ativo no processo de moldar as novas regras e instituições da pós-crise da economia global. Desse modo, ultrapassando a crise financeira sem a necessidade de assistência direta do FMI, a Turquia assumiu uma postura mais independente e assertiva de política externa, procurando desde então fortalecer os esforços na busca de novos mercados, principalmente o do Oriente Médio, do Norte de África e o da região da antiga União Soviética, num momento em que a UE passa por grandes dificuldades.

Esse novo redirecionamento se refletiu na mudança de opinião da população da Turquia que, do percentual de 73% que era favorável à adesão em 2004, passou para 38% em 2010259, bem como na mudança de padrão do comércio exterior turco, que teve um declínio da participação dos países da UE e um aumento marcante, nos últimos anos, no comércio com a Ásia e do Oriente Médio.

Öniş considera que essa mudança de rumo não deve ser vista necessariamente como uma reversão do processo de integração da Turquia na UE, haja vista o elevado nível de integração já alcançado, ainda sendo presente o objetivo de continuidade do processo de reforma e democratização interna, conforme atestado pelo referendo constitucional ocorrido na Turquia em setembro 2010260.

Porém, diante da perspectiva do Chipre assumir em julho de 2012 a presidência da UE, a Turquia já manifestou, de antemão, que congelará seus vínculos com a União caso não seja até lá resolvido o longo conflito sobre a separação da parte turca da ilha cipriota.

259 Transatlantic Trends 2011 Partners. Disponível em:

<http://www.flad.pt/documentos/1316513948W0oQZ9bw2Xn79JY6.pdf>. Acesso em: 15 jan..2012.

260ÖNİŞ, ZİYA. Multiple Faces of the “New” Turkish Foreign Policy: Underlying Dynamics and a Critique.

Insight Turkey, v. 13, n. 1, 2011 pp. 48 Disponível em:

Documentos relacionados