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Redução da atuação impositiva da Administração

CAPÍTULO 4 – NOÇÕES SOBRE UMA GESTÃO COORDENADA DE

4.1 Redução da atuação impositiva da Administração

O Estado tem passado por um processo de reformulação do seu papel, que tende a deslocar o eixo de atuação impositiva para uma atuação coordenada, consensual, na qual o Estado atua em posição de diálogo e interação com a sociedade civil. A busca pela redução de privilégios e exclusividades se impõe tanto na gestão econômica, política, social como ambiental. Essa transformação estatal, por um lado, é reflexo da necessidade de conferir-se maior legitimidade às ações estatais. Por outro lado, representa uma exigência de melhor equalização dos múltiplos e mais diferenciados interesses que estiverem em causa.

A atuação estatal unilateral e impositiva é colocada em xeque a partir do momento em que diversas posições e interesses tentam fazerem-se prevalentes, fugindo da clássica visão monista de interesse público. A pressão por participação, por transparência, por razoabilidade e proporcionalidade nas decisões aliada a uma multiplicidade de interesses impõe métodos mais participativos. A decisão estatal terá de compor diversos interesses, em alguns casos antagônicos entre si, não podendo mais se fundamentar apenas no “interesse público”, de maneira abstrata, pois terá de explicar qual o interesse

especificamente irá satisfazer344. Nesse sentido leciona FLORIANO DE AZEVEDO

MARQUES NETO: “(...) o processo de fragmentação social e política também solapa o poder decisório, na medida em que (...) põe à prova a exclusividade da autoridade345”.

A participação na tomada de decisões da administração é fundamental para que sejam mais bem fundamentadas e atreladas aos anseios sociais. Isso não quer dizer que todos os interesses serão igualmente atendidos, pois é evidente que em algumas situações isso não será possível. O que se pretende com esse novo modo de atuação estatal é que os interesses em causa sejam observados e efetivamente avaliados no momento da decisão de. Isso não deve se dar apenas de modo formal, mas de modo efetivo.

O Estado passa a atuar não como autoridade superior, mas como autoridade que representa interesses sociais. Ou seja, uma autoridade que não perde em poder, mas que

      

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Essa justificação e até mesmo transparência da autoridade estatal também possibilita o controle de suas ações. Quando os mais diversos interessados participam mais difícil se torna a influência de um interesse isolado interferir no processo de decisão.

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112 usa o seu poder de modo instrumental, ou seja, para a consecução das atividades administrativas e para impor a sua própria vontade, como se superior o pudesse ser.

A aproximação da atuação pública e privada permite afastar-se da clássica relação de subordinação por parte dos particulares e hierarquicamente superior (e unilateral) por parte do poder público. Essa conjugação de esforços permite uma atuação coordenada e que tende a ser mais efetiva, porque envolve diferentes perspectivas e esforços conjuntos. Nos dizeres precisos de DIOGO DE FIGUEIREDO MOREIRA NETO:

“A conjugação de todos os esforços, particulares e públicos, a criação de um sistema coordenativo e subordinativo destinado a desenvolver e harmonizar o emprego de meios de toda ordem, visando à preservação do meio-ambiente, necessitam de atuação concentrante e concertante do Estado e, porque esta atuação deve se dar dentro dos balizamentos jurídicos de valor, decorre e justifica-se a necessidade de um sistema de instrumentos legais346”.

É considerando esse contexto que as obrigações e deveres de planejamento, gestão, regulação e fiscalização de políticas públicas relacionadas à proteção ambiental (e, mais especificamente, à gestão de resíduos) devem ser efetivadas. Ou seja, mediante a atuação conjunta de particulares (que podem ser empresas ou os cidadãos individualmente considerados), e do poder público na efetivação das ações e instrumentos aptos a efetivar as políticas ambientais.

4.1.1 Incentivos práticos às formas dialógicas de relação

A implementação da PNRS e especificamente da logística reversa impõe uma forma mais dialógica de relacionamento entre os cidadãos, os agentes econômicos e o Estado. Todos são convocados a refletir e a participar da consecução das políticas públicas e do gerenciamento estatal. Como leciona FERNANDO DIAS MENEZES DE ALMEIDA: “... a Administração consensual, notadamente por suas virtudes democráticas, pode até mesmo exercer uma função de recuperação de valores cívicos e da dimensão coletiva da ação dos indivíduos em sociedade, melhor os envolvendo nos assuntos da Administração e do Estado347”.

      

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Introdução ao Direito Ecológico e ao Direito Urbanístico, 1975, p. 24. 347

113 O art. 3º, inc. VI da PNRS visa a garantir mecanismos e procedimentos que possibilitem à sociedade a participação efetiva nas políticas públicas relacionadas aos resíduos sólidos tanto por meio de obtenção de informações como pela formulação de questionamentos e sugestões. Também se prevê a participação social na formulação dos planos nacionais, por meio de audiências e consultas públicas (art. 15, parágrafo único), além das entidades representativas dos consumidores ou das entidades interessadas poderem participar nos processos de formulação de acordos setoriais e nos grupos de acompanhamento da logística reversa articulados pelo CORI.

Os estímulos à implementação da política nacional de resíduos sólidos podem ser variados. A Administração tem a possibilidade de atuar tanto impositiva quanto consensualmente. No primeiro caso, a lei pode prever a adaptação das condutas dos particulares por meio da imposição de obrigações, proibições e sujeições ou ainda pela aplicação de sanções, como multas, compensações e indenizações. Na segunda hipótese, há os instrumentos colaborativos, sem os quais se dificultaria e, em alguns casos,

obstaculizaria a efetivação dessa pauta política348.

Dentre os métodos colaborativos é possível se celebrar parcerias público-privadas, consórcios ou convênios públicos. Nesses casos há aportes de recursos e a conjugação de esforços tanto dos particulares como da Administração Pública para a efetivação da gestão de resíduos, o que permite o desenvolvimento de atividades mais complexas, que, muito provavelmente, não poderiam ser desenvolvidas de modo individualizado.

A logística reversa é um instrumento um pouco diferenciado da parceria-público privada, primeiro porque a participação do particular não se dá apenas na execução, mas também na formulação e escolha das ações a serem executadas. Em segundo lugar, há um dever jurídico de atuação por parte dos fabricantes, comerciantes, importadores e distribuidores.

A maior abertura a participação social talvez decorra dessa circunstância de a logística reversa ser um instrumento imposto pela lei que modula a atuação da iniciativa

      

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Aqui se optou em dividir os instrumentos em repressivos e colaborativos por se compreender que outras subdivisões estão abarcadas nessas classificações, mas RAMÓN MARTÍN MATEO alude a cinco tipos de instrumentos: “Limitativos, que restringem a vontade dos sujeitos que devem adaptar suas condutas aos imperativos das normas que regem a matéria (...) Ampliativos, consistentes em subvenções, ajudas fiscais, concessões, empréstimos privilegiados, compras preferenciais, Cooperativos, que implica tanto a Administração como os particulares (...) Repressores, consistentes em multas e outras sanções; Fiscais e

Territoriais, dirigidos a localização adequada das instalações de tratamento de resíduos de acordo com os

114 privada, seja no sentido de reduzir o volume de resíduos produzidos, ou de reaproveitar os resíduos, ou de propiciar melhor práticas socioambientais.

Embora exista esse lado impositivo da logística reversa, ela não deixa de ser um método de colaboração, visto que a formulação do modelo adotado poderá se dar, como tem se dado, de maneira consensual, via formulação de acordos setoriais e não propriamente por regulamentos.

O Decreto 7.404/2010, que regulamentou a Lei 12.305/2010, dispõe sobre a importância da cooperação de todos os setores para a efetivação da logística reversa. O art. 7º assim dispõe: “O Poder Público, o setor empresarial e a coletividade são responsáveis pela efetividade das ações voltadas para assegurar a observância da Política Nacional de Resíduos Sólidos e das diretrizes e determinações estabelecidas na Lei nº 12.305, de 2010, e neste Decreto”.