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A análise dos gêneros engloba além da análise do texto e do discurso, uma descrição da língua e visão da sociedade, bem como busca responder a questões de natureza sociocultural no uso da língua. Os gêneros são, por assim dizer, uma forma de ação social (MARCUSCHI, 2008).

Um estudante, por exemplo, para obter a graduação em determinado nível de ensino, necessita, ano após ano, realizar atividades de avaliação escritas, cujo

conjunto de notas culminará em boletins de notas, em seu histórico escolar e no certificado de conclusão do referido nível escolar. Com esses documentos, o aluno poderá ingressar no nível de ensino subsequente, ir à busca de emprego ou simplesmente poder dizer “terminei os estudos”.

O que se depreende desse exemplo é que todos estes textos, relativos à vida estudantil do aluno em questão, são gerados em situações sociais determinadas e, ainda, criam fatos sociais que afetam e afetarão as ações, direitos e deveres do indivíduo.

Apesar da noção que se pode ter, a partir do número praticamente ilimitado de gêneros existentes, de que suas características e delimitações seriam, de igual maneira, difíceis de serem determinadas, percebemos na situação supracitada – com o ciclo de textos e atividades – sistemas organizacionais bem articulados dentro dos quais tipos específicos de textos circulam por caminhos previsíveis, com consequências familiares e de fácil compreensão. Essas especificidades agrupam os gêneros em conjuntos e sistemas que vão gerando as possibilidades de ações humanas, nas mais diversas instâncias. Nessa perspectiva, Bazerman (2011) nos afirma que

cada texto bem sucedido cria para seus leitores um fato social. Os fatos sociais consistem em ações sociais significativas realizadas pela linguagem, ou atos de fala. Esses atos são realizados através de formas textuais padronizadas, típicas e, portanto, inteligíveis, ou gêneros, que estão relacionados a outros textos e gêneros que ocorrem em circunstâncias relacionadas (BAZERMAN, 2011. p.22).

Refletindo sobre os elementos explanados: a natureza do gênero textual e sua abrangência, os aspectos sociodiscursivos e linguísticos que o geram, em como a existência de tais gêneros, materializados em textos, têm influência na vida dos falantes, gerando assim o que entendemos como fato social, podemos perceber que não há como dissociar texto e discurso. Em períodos anteriores era possível observar esta como sendo uma tendência, mas o que hoje temos é um continuo entre ambos – texto e discurso –, suscitando a ideia de condicionamento mútuo.

Sabemos que o texto se acha constituído na perspectiva da enunciação e que a sequência de enunciados que o compõem não pode ser aleatória, sob o ponto de vista

da linguística, do discurso ou da cognição. Assim, privilegiar esta noção em que se percebe a relação cada vez mais interligada entre texto, discurso e gênero é importante, pois reitera a articulação entre o plano discursivo e o textual.

Este é um dos pontos que nos levaram a realizar esta pesquisa. Afinal, se as pessoas usam e partilham a língua, diuturnamente, em situações diversas e alheias ao processo de ensino formal do idioma, como conceber que estes mesmos falantes – produtores eficazes de um número significativo de gêneros textuais orais – não tenham a noção mais acurada de que estes ou outros gêneros, na modalidade escrita, têm igual importância e funcionalidade?

Segundo Miller (2012, p. 23), “uma classificação do discurso será retoricamente sólida se contribuir para uma compreensão de como o discurso funciona, (...) se refletir a experiência retórica da população que cria e interpreta o discurso.” Então, se dissermos que o gênero representa ação, a experiência do falante, ele precisa envolver a situação e o motivo que o geram, uma vez que a ação humana, simbólica ou não, alcança a completude de interpretação num contexto de situação e através da atribuição de motivos.

Para Bazerman (2011, p. 24), o fato social se constitui através de situações e/ou elementos que os indivíduos creem como verdadeiras e, assim, estas afetam o modo como eles definem tais situações. Podemos compreender, assim, como os fatos sociais afetam as palavras que as pessoas falam ou escrevem, bem como a força que estes enunciados irão possuir.

Entendemos que os estudos acerca da classificação e das teorias de gêneros mostram-se essenciais à linguagem, em suas mais diversas formas de manifestação, bem como à aprendizagem da mesma, muito embora ainda residam sobre estes certas divergências de ordem crítica, no tocante a quais discursos podem ou não ser considerados como pertencentes a um gênero textual.

Contudo, estas indagações nos fazem refletir e voltar ao ponto que entendemos ser a origem dos discursos: o fato de que por trás de cada discurso reside uma intenção. Ou seja, entendemos que se há um propósito para cada discurso e a partir deste temos os gêneros, ambos possuem em si função e utilidade na vida do falante que o utiliza ou cria. Assim, a infinidade de gêneros oriundas dos mais

variados discursos se configura como plausível, pois, para o indivíduo que o gerou, apresenta utilidade.

As afirmações de Campbell e Jamieson (1978) dão ainda mais embasamento à ideia sobre a importância da situação e do motivo, na gênese do gênero, exposta por Miller (2012), quando aqueles autores nos diziam que

um gênero não consiste meramente em uma série de atos em que certas formas retóricas recorrem[...]. Antes, um gênero é composto de uma constelação de formas reconhecíveis ligadas umas às outras por uma dinâmica interna (CAMPBELL; JAMIESON, 1978, p. 21).

Não podemos esquecer, entretanto, que muitos fatos sociais são realidades constituídas pelo discurso situado do falante e que este discurso desencadeia uma série de consequências de diversas ordens, na vida deste falante, a depender da ideia contida na mensagem a ser emitida. Este princípio é confirmado através das palavras de Marcuschi (2008, p. 150), quando nos diz que na escolha de um gênero textual “estão envolvidas questões mais do que apenas socioculturais e cognitivas, pois há nela (escolha) ações de ordem comunicativa com estratégias convencionais para atingir determinados objetivos”.

Dessa maneira, chegamos à compreensão de que as respostas estilísticas e substanciais às demandas situacionais percebidas pelo falante são as formas retóricas que dão origem aos gêneros ou, como diria Miller (2012, p. 24), “o gênero, dessa maneira, torna-se mais que uma entidade formal; ele se torna pragmático, completamente retórico, um ponto de ligação entre a intenção e o efeito, um aspecto da ação social.”

Em contrapartida, temos a visão de Black (1978) que, embora parta igualmente da noção de que o gênero está ligado à situação, baseou suas análises críticas nas estratégias de constituição do gênero, na dicção do falante e nos elementos linguísticos que do gênero fazem parte. Ou seja, para ele, a situação serviria, preponderantemente, para localizar um gênero, enquadrá-lo dentre as diversas categorias existentes, mas não para constituir seu caráter enquanto elemento retórico componente da língua.

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