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Apesar de constarem em grande quantidade nos inventários de povoamento romano decorrentes de trabalhos de prospecção (Perestrelo, 2003: 148; Osório, 2006: 103; Carvalho, 2007: 289), constituindo uma das categorias de ocupação mais frequente na região da Beira Interior, são raros os casais integralmente escavados e publicados. Segundo Jorge de Alarcão, o casal é a unidade menor do mundo rural, com óbvia iden- tidade unifamiliar, distinguindo-se dos sítios maiores pela menor área de dispersão dos vestígios à superfície, pela fraca qualidade dos materiais, pela modesta posição em relação aos recursos naturais e pela menor superfície cultivada (Alarcão, 1990: 417 e 421). Para este investigador, os indícios materiais reveladores de um casal podem en- contrar-se dispersos por uma área de apenas 100 m2 a um máximo de 1000 m2 (Alarcão,

1995: 390), rondando em média os 400 a 600 m2 (Alarcão, 1998: 95). Já para a região

da Cova da Beira, Pedro Carvalho propôs os valores médios de 900 a 1500 m2 (Carvalho,

2007: 295 e 412). No Alto Côa foram definidos como casais 8 sítios com uma dispersão à superfície de 1000 a 4000 m2 (Osório, 2006: 109). No casal do Relengo os valores

registados ficaram aquém dos apresentados, devendo-se ao facto do pequeno outeiro onde foi edificado este casal não ter sofrido trabalhos agrícolas intensos e sucessivos que provocassem uma grande dispersão dos materiais, aproximando-se mais dos valores indi- cados por Jorge de Alarcão. É natural que em terrenos inclinados ou bastante lavrados os valores de dispersão possam ascender a 3000 ou 4000 m2.

Ao contrário do que ocorre em outras regiões portuguesas (Lopes, Carvalho e Gomes, 1997: 137), os casais romanos da Beira Interior, detectados em prospecção, revelam também menor qualidade do espólio, podendo resumir-se os vestígios superficiais apenas à cerâmica de construção e à cerâmica comum doméstica (Carvalho, 2007: 409). No inventário dos casais do Alto Côa, apenas em duas situações foram também reco- lhidos pesos de tear e mós manuais à superfície (Osório, 2006: 104). Se no momento da descoberta e limpeza do terreno, o sítio do Relengo apenas proporcionou os imbrices e a cerâmica doméstica, com a escavação foi possível exumar espólio de grande qualidade, talvez inesperado para um assentamento rural menor: os objectos de vidro, o denário de prata, o artefacto de prata, a conta de colar e as sigillatas, assemelhando-se ao espólio geralmente identificado, por exemplo, no Alentejo (Lopes, Carvalho e Gomes, 1997: 137). Na região do Alto Côa, verifica-se que os casais situam-se sobretudo no topo ou na encosta de relevos (tal como na região da Cova da Beira: Carvalho, 2007: 404), em- bora haja algumas situações em zonas planálticas, mas sempre em pontos de elevada altitude: quatro deles acima dos 850 m de altitude (Osório, 2006: 110). Encontram-se geralmente em áreas de solos mais pobres, expostos à erosão e às más condições clima- téricas, onde escasseiam as villae (como ocorre por exemplo na região de Serpa: Lopes, Carvalho e Gomes, 1997: 138) e abundam as aldeias, às quais podiam, em determi- nadas situações, estar associados (Alarcão, 1998: 94). O contexto natural do casal do Relengo enquadra-se perfeitamente neste panorama.

Ainda hoje perdura no interior do país a denominação de casal aplicado às tradicionais habitações isoladas, de planta rectangular, feitas em alvenaria de xisto e de granito (Dias, 1951: 108). Estes edifícios, quando são de xisto, possuem nos cunhais, nas portas e nas janelas, pedra aparelhada de granito. A cobertura tem duas a quatro águas e o telhado é feito com telha mourisca (imbrices) (Marques, 1936: 188). Este tipo de habitação adapta-se melhor às necessidades agrícolas e, por isso, tem sido mantido até aos nossos

este investigador considera que a figura está subdimensionada para o período romano (apud Carvalho et al., 2002: 134, nota 13), como se comprova em função dos resultados obtidos com o estudo do casal do Relengo (Figura 6).

Concluindo, com o Relengo ficámos a conhecer um casal agrícola rústico de três compar- timentos, coberto apenas com telha de canudo e ocupado desde finais do séc. I até ao século IV-V, de forma continuada ou interrompida, em pleno vale do rio Côa, tornando-se numa referência para a compreensão do povoamento rural destas terras interiores da Lusitânia.

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