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2 SOBRE RESOLUÇÃO DE SITUAÇÕES-PROBLEMA NA MATEMÁTICA

4.2 Reflexões sobre língua de sinais

Na vida dos alunos surdos, as dificuldades são inúmeras. Uma de importante relevância é a comunicação. Por muito tempo, sua língua natural – a língua de sinais - não foi considerada, o que provavelmente interferiu no desenvolvimento da linguagem-pensamento desses alunos.

A partir de 1970, estudos mostram a importância da língua de sinais na educação da criança surda como elemento primordial. Há inúmeras investigações que avaliam a língua de sinais, uma delas está na obra “International Bibliography of Sign Language”, editada por Joachim e Prillwitz, em 1993, a qual reforça o status lingüísticos da língua de sinais como língua natural e faz distinções da língua oral em sua estrutura.

A língua de sinais constitui hoje uma disciplina da lingüística geral e possui objeto de estudo e um conjunto de métodos próprios, princípios de organização e propriedades formais

semelhantes das línguas orais 54. Além disso, “as línguas de sinais existem de forma natural em comunidades lingüísticas de pessoas surdas.” (KARNOPP, 2004, p. 103).

Em suas pesquisas, Skliar (1995, p.16) constata que “não é a natureza restrita da língua de sinais a causa das limitações dos surdos, senão as razões sócio-educativas que levaram os surdos a ter que usar sua língua somente de forma limitada e sob certas condições”.

Em 1983, a língua de sinais sueca foi oficializada, assegurando ao surdo o direito aos estudos em uma abordagem bilíngüe. Com o projeto bilíngüe sueco, as crianças mantêm contato com a comunidade surda e adquirem a língua de sinais (LS) além de estudarem com profissionais que usam a LS e, pelo menos, um surdo adulto é envolvido no processo. Já existem resultados desse projeto, pois segundo uma pesquisa realizada em 1991, a conclusão foi que: crianças expostas ao bilingüismo por 10 anos tinham conhecimento avançado da língua escrita e também tinham consciência de como se comportar diante de um problema novo e difícil para elas (SVARTHOLM, 1998).

Segundo Wrigley (apud KARNOPP, 2004, p.104), em 1984 a UNESCO declarou que “a língua de sinais deveria ser reconhecida como um sistema lingüístico legítimo e deveria merecer o mesmo status que os outros sistemas lingüísticos”.

O reconhecimento da língua brasileira de sinais em nível estadual ocorreu em Minas Gerais (91), Goiás (93), Espírito Santo (95), Alagoas (98), Ceará (99), Rio de Janeiro (99), Rio Grande do Sul (99), e foi reconhecida nos municípios de Recife, Caxias do Sul, Uberlândia, Porto Alegre, Santa Maria, Joinville, Fortaleza. No Brasil, a língua brasileira de sinais (LIBRAS), que é a língua materna dos surdos, foi reconhecida como meio legal de comunicação e expressão em 24 de abril de 2002, com a lei nº. 10.436, garantindo aos surdos não só o direito de adquirir a LS como primeira língua, mas também de ser utilizada nos diversos meios de comunicação.

Pode-se dizer que essa conquista, resultado da luta das comunidades de surdos, que se organizaram em associações, é de grande importância na formação escolar do sujeito surdo, uma vez que a linguagem, além da função comunicativa, exerce funções organizadoras e planejadoras. Essas funções, provavelmente, por resultados obtidos de pesquisas anteriores,

54 A língua oral e a língua de sinais constituem dois canais diferentes, mas igualmente eficientes para a

transmissão e a recepção da capacidade de linguagem; são, de fato, mecanismos semióticos equivalentes. Deste modo, a linguagem deve ser definida independentemente da modalidade na qual se expressa ou recebe (SKLIAR,1995, p.15).

alguns citados a seguir, são as principais ferramentas que o homem possui no seu ato de pensar.

Para crianças surdas que não têm acesso a uma língua estruturada, segundo Goldfeld (1997), as informações e assuntos desenvolvidos ficam aquém na qualidade e na quantidade em relação às crianças ouvintes. Além disso, os surdos, nestas condições, só conseguem expressar e compreender assuntos do aqui e agora. Além disso, a função planejadora da linguagem fica prejudicada quando o surdo possui atraso de linguagem.

Da mesma forma, segundo Goldfeld (1997), a fala interior é constituída de uma cadeia de significados, de generalizações, de conceitos. Com isso, nota-se que a criança surda pode ficar prejudicada no desenvolvimento das principais capacidades do pensamento como: organizar e planejar e o mesmo podendo ocorrer em funções mentais inferiores, tais como: percepção natural, atenção involuntária e memória natural que, na mediação da linguagem, transformam-se em percepção mediada, atenção voluntária e memória mediada, o que provoca um desenvolvimento cognitivo.

Algumas dificuldades de comunicação oral e escrita que estão presentes nas práticas escolares em matemática estão relacionadas com o que foi descrito acima. Além disso, há outros aspectos que são importantes nas atitudes dos alunos diante da LIBRAS e do Português escrito, as quais são relevantes para o processo de letramento escolar que foram constatados por Botelho (2002), em sua pesquisa, como o preconceito, estigma e formações imaginárias55, dos quais a autora destaca atitudes decorrentes, dentre elas estão: alienação e negação das dificuldades, familiaridade e certeza, preocupação com a aprovação e superinterpretação e sub-interpretação, que também foram percebidos nas aulas de matemática quando os alunos estão diante do português escrito. A intenção da exposição de tais atitudes pelos alunos surdos aqui não é rotular, nem julgar, mas tentar entender as mesmas, diagnosticar e deliberar ações que visam a superação de atitudes que dificultam o processo de letramento.

Segundo Botelho (2002), a alienação no sujeito surdo se dá quando o mesmo auto- orienta-se e crê que todas as percepções refletem a realidade, desprezando fatos que não estão de acordo com a idéia original. Neste caso, alienação está vinculada ao não perceber que não entendeu e, por isso, acreditar ter entendido. Assim, nega as dificuldades com essa atitude, não questiona, perde a oportunidade de refletir e aprofundar seu conhecimento, através de problematizações. Para Freire (2006), é esta prática problematizadora que dá

55Estigma, no sentido de impossibilidade do sujeito surdo ser incluído numa categoria “comum”, no caso ser

oportunidade ao homem de romper com a postura fatalista de sua situação e perceber-se como sujeito, fomentando, assim, um ciclo vicioso.

A familiaridade e certeza é uma atitude decorrente da alienação, pois, para Botelho (2002), quando uma pessoa não sabe que não sabe, confunde o que lhe é familiar com compreensão, portanto, ser familiar não é suficiente para a compreensão. Quando o aluno afirma que compreendeu porque algo lhe é familiar, essa atitude pode virar certeza e conclusão, impedindo os questionamentos, o aprofundamento e o esclarecimento de dúvidas, contribuindo com essa atitude a não problematização e a reflexão em torno do que está sendo tratado.

A preocupação com a aprovação provém da imagem que internalizaram do ouvinte (BOTELHO, 2002). Assim, os alunos surdos ficam vulneráveis e desconsideram suas próprias percepções. Comenta: bastava levantar uma dúvida qualquer para Ricardo56, e ele eliminava suas impressões a respeito do texto, e procurava a resposta que ele pensava ser certa, que ele supunha que eu esperava. Nesse modo de agir, o processo de compreensão fica exteriorizado, o aluno procura no outro e não reflete sobre o que conhece, o que percebeu e o que compreendeu, colocando-se inferiorizado e dependente das reações do professor e demonstrando não ter uma consciência crítica da realidade, mas consciência mágica57.

Segundo Botelho (2002, p. 43), quanto à superinterpretação e sub-interpretação, o surdo, por entender pouca coisa do texto, “considera o que entendeu nulo, e sente necessidade de acrescentar, por acreditar que deve haver muito mais, ou que deve ser diferente do que percebeu”. Estas atitudes “podem ser atribuídas, também, à inexistência, para o surdo, e um modelo consistente de linguagem e de língua.” (BOTELHO, 2002, p.44). Neste caso, o conhecimento e a valorização da Língua de Sinais são importantes para a aquisição do português escrito como segunda língua, sendo aquela uma base para a identidade, cultura e construção do conhecimento do sujeito surdo (KARNOPP, 2004).

Conclui-se que, ao longo do processo ensino-aprendizagem no ambiente escolar com alunos surdos, as diferenças na comunicação sejam respeitadas e, ao mesmo tempo, complementares na aprendizagem. Para isso, talvez o primeiro e difícil58 passo seria assumir

56Ricardo foi citado como aluno na pesquisa realizada por Botelho (2002, p. 38).

57A consciência crítica “é a representação das coisas e dos fatos como se dão na existência empírica. Nas suas

correlações causais e circunstanciais” ( FREIRE, 1983, p. 105).

A consciência mágica simplesmente capta os fatos, emprestando-lhes um poder superior, que a domina de fora e a que tem, por isso mesmo, de submeter-se com docilidade” (FREIRE, 1983, p. 105-106).

58Difícil porque, no subjetivo dos professores ouvintes, quando usamos material concreto como recurso de

aprendizagem, não pensamos ser este uma desvalorização da língua na qual estamos nos comunicando, pois no caso do ouvinte, o português é língua comum entre os pares. Portanto, entra neste contexto, o subjetivo do professor ouvinte, reforçando as palavras de Lodi et al. (2002) quando se refere à importância da postura dos

as palavras escritas por Lodi et al. (2002, p. 40): “que a LIBRAS, por si, pode assim como qualquer língua, ser suficiente para a compreensão e a aprendizagem das crianças, desde que tenhamos domínio dela”. É dela, através do diálogo em LIBRAS, que o mundo das palavras escritas deve fazer sentido para o aluno surdo.

As idéias aqui expostas, de algum modo, perpassam nas aulas de matemática quando os objetivos dessas são: resolver situações-problema para desenvolver o pensar, para dar sentido aos números, símbolos, expressões algébricas, conceitos. Sendo assim, não há como deixar de considerá-las, tendo em vista que são pontos importantes nesta pesquisa, onde o objetivo é aproximar os conhecimentos prático e escolar através de situações-problema com um meio de desenvolver conceitos matemáticos com mais sentido para o aluno surdo.

profissionais frente à língua e à surdez. E indo além, a importância do conhecimento que o professor tem dessa realidade.

5- DIÁRIO DAS PRÁTICAS

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