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Reflexividade como prática de investigação

Capítulo III Roteiros de Pesquisa

2. Reflexividade como prática de investigação

A reflexividade como prática da investigação qualitativa, ou seja, a capacidade de analisar a forma como lidamos com os elementos subjectivos da investigação, permitiu fazer uma análise mais aprofundada sobre as opções metodológicas. Considerando a tipologia defendida por Linda Finlay (2002) sobre a existência de cinco variáveis de reflexividade – introspecção, reflexão intersubjectiva, colaboração mútua, crítica social e desconstrução discursiva – foi possível analisar de forma mais clara a metodologia utilizada. É importante realçar que para esta autora, a proposta de cinco opções de reflexividade, é no sentido dos investigadores fazerem melhores opções no desenvolvimento do trabalho empírico que realizam.

A reflexividade como introspecção tem o seu ponto forte no valor do auto- diálogo e na descoberta, isto é, através da experiência do investigador o pensamento reflectivo e intuitivo é utilizado como a evidência primária (Moustakas, 1994 cit. Finlay, 2002). Segundo Finlay, a influência dos problemas pessoais na investigação poderá levar a uma reflexão mais próxima sobre o objecto de estudo, e de forma a examinar a experiência e o significado pessoal de cada um, as conclusões podem emergir da introspecção pessoal, as quais poderão ser a base de uma compreensão e interpretação mais generalizadas. Ao reflectir sobre o seu próprio comportamento, o investigador apercebe-se da sua necessidade de estar envolvido e de fazer algo, e “o desafio para os investigadores que utilizam a introspecção é usar a revelação pessoal, não como um fim em si mesmo, mas como um trampolim para interpretações e conclusões mais gerais” (Finlay, 2002: 215).

A exploração dos significados emergentes da relação estabelecida na investigação traduz a reflexividade como reflexão intersubjectiva e aqui o processo “envolve mais do que reflexão – em vez disso, é solicitada uma consciência radical auto-reflexiva (Sartre, 1969) quando o auto-em-relação-a-outros se torna o objectivo e o objecto em foco” (Finlay, 2002: 216). Um processo inconsciente é gerado nos participantes, por exemplo, se o investigador for visto pelo participante como um profissional com alguma autoridade e influência, existirá um impacto nas interacções subsequentes, e se existirem aspectos em comum o diálogo será facilitado

A colaboração mútua significa que na investigação os participantes tenham o papel de co-investigadores, uma vez que têm a capacidade de serem seres reflexivos o que poderá levá-los a um envolvimento num diálogo reflexivo durante a recolha de dados. Na opinião de Finlay (2002), estas abordagens co-operativas implicam uma reflexividade mais completa uma vez que os “investigadores, simultaneamente participantes na sua investigação, participam em ciclos de reflexão e experiência mútuas” (2002: 218). Os investigadores colaborativos defendem-se de críticas sobre o compromisso e negociação necessários neste tipo de reflexividade, argumentando que o diálogo com um grupo permite aos seus membros irem para além de teorias pré- concebidas, e procurarem diferentes visões. No fundo, são tidas em conta diversas opiniões e posições que podem ser conflituosas.

Gerir o desequilíbrio de poder entre o investigador e participante, é a maior preocupação para os investigadores que utilizam a reflexividade como crítica social, uma vez que criam alguma tensão quando abordam temas como o género, raça e classe (2002). Por um lado, o investigador deve estar atento à desconstrução da sua autoridade, e por outro lado, também deve ter um conhecimento profundo sobre as questões de poder. Uma das grandes vantagens desta abordagem reflexiva, segundo Finlay, é a oportunidade de reconhecer uma série de posições dos participantes.

Por último, a reflexividade como uma desconstrução do discurso tem como foco a ambiguidade dos significados da linguagem usada e de que forma isso poderá ter impacto nos modos de apresentação. Os investigadores que utilizam este modo de reflexividade, ao expor a desconstrução de um texto, têm a oportunidade de serem criativos e poderosamente provocadores se não perderem todo o significado do mesmo (2002).

A reflexividade pode ser vista como uma abordagem metodológica que permite múltiplos caminhos de acordo com os objectivos da investigação. Na perspectiva de

Finlay, a reflexividade tem o potencial de ser uma ferramenta valiosa para: “examinar o impacto da posição, perspectiva e presença do investigador; promover conhecimento rico através da análise de respostas pessoais e dinâmicas interpessoais; abrir as motivações inconscientes e os preconceitos implícitos na abordagem do investigador; avaliar o processo de investigação, métodos e resultados; permitir o escrutínio público da integridade da investigação através da oferta de um registo metodológico das decisões do investigador” (Finlay, 2002 cit Finlay, 2002).

A partir da tipologia apresentada, tornou-se deste modo, importante reflectir sobre a metodologia utilizada e sobre o papel do investigador num contexto que lhe é familiar, uma vez que, enquanto mulher e mãe, foi um desafio utilizar a reflexividade enquanto um instrumento de controlo e monitorização do trabalho empírico. Os elementos subjectivos que foram encontrados durante a investigação demonstraram que o processo de reflexividade é repleto de ambiguidade e de múltiplos caminhos que, tivemos de optar, num conjunto interminável de auto-análises, auto-revelações e desconstruções durante as entrevistas (e até mesmo durante as conversas posteriores à gravação das entrevistas).

O facto de ser mulher e mãe influenciou o papel da investigadora no contacto tido com as mulheres-mães entrevistadas, no sentido de avaliar de forma reflexiva os aspectos subjectivos à volta do tema em estudo. Em todas as situações experienciadas, houve uma percepção próxima e algo intimista, o que permitiu de certa forma “conquistar” o grupo de trabalho analisado. Verificou-se que este processo de reflexividade, de controlo e monitorização do trabalho realizado, não foi fácil de concretizar e procuramos estar atentas aos elementos de intersubjectividade que poderiam ter impacto na investigação, em busca do máximo de transparência, fidelidade e responsabilidade na realização das entrevistas.

A reflexividade como prática de investigação nesta dissertação sobre o corpo da mulher-mãe foi, por um lado, numa linha de introspecção, tendo em consideração as características pessoais da investigadora: ser mulher, ser mãe e o facto de ter uma idade dentro da mesma faixa etária das entrevistadas. Esta situação permitiu, como já referido, uma maior aproximação das mulheres-mães, não no sentido de partilhar a situação pessoal, mas sim de forma a reflectir sobre as respostas e reacções numa perspectiva de compreensão e até de alguma empatia. As mulheres-mães revelaram, à medida que o seu discurso se desenvolvia, uma maior abertura com a investigadora, o que permitiu uma recolha de informação mais profunda, traduzindo-se num diálogo “quase livre”.

Por outro lado, numa linha próxima de desconstrução discursiva, não no sentido de desmontar a linguagem, foi possível analisar as narrativas construídas através das respostas e comentários feitos pelas mulheres-mães, dando voz às suas histórias pessoais.