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FINANCIAMENTO DO DESENVOLVIMENTO CAPITALISTA: CRESCIMENTO, CRISE E INSUSTENTABILIDADE.

4. O CONTEXTO POLÍTICO, ECONÔMICO E AMBIENTAL DA ELABORAÇÃO DO SISTEMA NACIONAL DE GERENCIAMENTO DE RECURSOS HÍDRICOS.

4.3 A Reforma do Estado

As políticas de águas adotadas durante a década de 1990 refletem o novo direcionamento do Estado brasileiro que buscou adaptar a partir do processo de globalização nos anos 1990 o receituário econômico neoliberal definido no Consenso de Washington. Mesmo que o Plano Diretor da Reforma do Estado elaborado pelo Ministro da Administração Federal e Reforma do Estado Bresser Pereira afirme que a proposta neoliberal é algo fora da

138 realidade, não há como não dizer que o teor das reformas que orientaram principalmente as políticas públicas e o papel do Estado não seguiram os preceitos neoliberais, pois na prática, favoreceram substancialmente o mercado financeiro e a iniciativa privada. De acordo com o Plano Diretor da Reforma do Estado elaborado por Bresser Pereira:

Dada a crise do Estado e o irrealismo da proposta neoliberal do Estado mínimo, é necessário reconstruir o Estado, de forma que ele não apenas garanta a propriedade e os contratos, mas também exerça seu papel complementar ao mercado na coordenação da economia e na busca da redução das desigualdades sociais. (BRESSER-PEREIRA, 1995, p 44)

Por mais que fosse mencionado que o ponto principal da Reforma do Estado fosse melhorar sua eficiência, a óptica que o Plano Diretor concebia tais objetivos passava antes de tudo por uma mudança da figura do Estado de fomentador para regulador dos serviços e do desenvolvimento. Um dos objetivos da Reforma do Estado era a importância dada à necessidade de implementação de leis que condicionasse, e viabilizasse, as políticas públicas. Nesse sentido, uma das questões que certamente influenciaram todo rumo das políticas públicas no Brasil a partir da Reforma do Estado, e que estava apontada pelo Plano Diretor, era que os serviços antes realizados essencialmente pelo Estado não teriam que obrigatoriamente serem repassados para iniciativa privada, pois considerava a participação de órgãos públicos sociais que não fossem ligados ao Estado. Conforme demonstramos anteriormente, não foi bem isso que ocorreu, dado que o setor privado abocanhou quase que a totalidade das empresas e bancos estatais. De acordo com o próprio Plano Diretor, as reformas institucionais significariam:

[...]tornar muito mais eficientes as atividades exclusivas de Estado, através da transformação das autarquias em “agências autônomas”, e tornar também muito mais eficientes os serviços sociais competitivos ao transformá-los em organizações públicas não-estatais de um tipo especial: as “organizações sociais””(BRESSER PEREIRA, 1995, p 44-45).

Embora a irrealidade descrita por Bresser Pereira no Plano Diretor acerca do projeto neoliberal deva estar condicionada a questão do Estado mínimo, considerado pelo mesmo como impossível de se concretizar, as demais propostas contidas iam diretamente ao encontro de políticas que privilegiavam o mercado e o viam como principal fomentador do desenvolvimento econômico e social.

139 Sinteticamente a reforma do Estado pode ser resumida nos seguintes tópicos: (a) Mudança do papel do Estado, a partir de privatização e terceirização de alguns tipos de serviços que o governo não reconhecia mais como tipicamente estatal; (b) Redefinição do papel regulador do poder público pela redução do grau de interferência estatal, principalmente no que diz respeito à atividade produtiva, criando condições para os mecanismos de mercado; (c) Recuperação da governança pelo aperfeiçoamento da capacidade de tornar efetivas as decisões do governo, transformando a administração burocrática em gerencial; (d) Aumento da governabilidade através do aperfeiçoamento da democracia representativa e do maior controle social do poder público; (e) Continuar o processo de privatização através do Conselho de Desestatização e implantar controle de gestão nas empresas que não puderem ser privatizadas (BRESSER PEREIRA, 1995).

As reformas buscavam não diminuir o tamanho do Estado, mas sim diminuir sua responsabilidade no que tange a fomentação de serviços e do desenvolvimento. Embora o projeto e a ideologia neoliberal preguem a apologia ao Estado mínimo98, é nítido que a sua implantação depende de alterações constitucionais e institucionais na estrutura governamental para que suas diretrizes sejam postas em prática. A grande questão não é o tamanho do Estado, mas sim o redirecionamento de suas ações.

A mudança no papel do Estado, sendo reservado a ele apenas o papel de regulador de serviços, era justificada por Bresser Pereira (1995) como consequencia da crise do modelo de intervenção estatal e o esgotamento do modo protecionista de substituição de importações, que no seu entender demonstraram substancialmente o fracasso em se criar no Brasil um Estado de bem estar social.

O discurso de apontar os programas desenvolvimentistas com base na substituição de importações implantados nos países periféricos como vilões e culpados pela crise já era algo comum nos relatórios do Banco Mundial desde o final dos anos 1970. O argumento de

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O pensamento Neoliberal tem na obra O Caminho da Servidão de Friedrich Von Hayek sua referência. Hayek, economista austríaco radicado na Inglaterra tinha como alvo de crítica a social democracia européia, em particular, o Partido Trabalhista inglês que vencerá as eleições gerais de 1945. De acordo com Hayek (1990), o planejamento econômico a partir do Estado de Bem Estar Social não se configuraria como forma de se combater as crises do capitalismo e salvá-lo de regimes autoritários, mas sim, levaria a sociedade ocidental a um caminho de servidão aos moldes do nazismo e do stalinismo. Apontava também que o controle do mercado por parte do Estado significaria uma ameaça à liberdade política e econômica dos países. A ideologia neoliberal, de acordo com Hayek (1990), prega essencialmente a não intervenção do Estado na economia, enfatizando o mercado como promotor do desenvolvimento social através da livre concorrência e da inserção da iniciativa privada em setores que até então eram geridos pelo Estado. Dentre os adeptos dos ideais de Hayek se encontrava Milton Friedman, economista que reforçava a idéia de completo afastamento do Estado na economia e na assistência social. Na sua óptica o Estado deveria apenas se preocupar em garantir o direito à propriedade privada, o cumprimento dos contratos, a defesa nacional e a edificação de determinadas obras públicas que não fossem rentáveis para a iniciativa privada. Era totalmente contrário a qualquer tipo de imposto sobre sociedades anônimas, regulamentações médicas ou alimentar, e financiamento da educação pública e da previdência. Em linhas gerais, o Estado para Friedman (1985) deveria apenas legislar e manter a ordem pública, se atendo nos aspectos jurídicos, nos julgamentos de disputas, na viabilização dos meios de comunicação, na facilitação dos meios de transportes e na emissão e supervisão das moedas.

140 Bresser Pereira (1995) era justificado com base nos impactos das crises mundiais (juros e petróleo) de fins da década de 1970 que geraram perda do crédito público e poupança negativa ao Brasil.

O fato é que o governo Cardoso buscou através da Reforma do Estado, mudanças constitucionais, no intuito de abrir caminhos para que serviços até então geridos exclusivamente pelo Estado pudessem contar com a participação do setor privado e organizações sociais não ligadas ao Estado. A Constituição Federal, que não havia completado ainda nem uma década, passou a ser retalhada visando os interesses de um governo aparentemente comprometido com reformas que beneficiaram os setores financeiros.

Inclusive a Constituição de 1988 era colocada pelo Plano Diretor como ineficaz para se lidar com a crise do Estado, pois segundo Bresser Pereira (1995), ela impunha um modelo de administração pública centralizadora, mais preocupada com o controle do processo administrativo e não com os resultados, contrastando com os modelos de administração das empresas modernas pautadas na descentralização e focadas nos resultados e não nos processos.

Naquele momento, o objetivo era que o Estado perdesse o papel de empreendedor da infraestrutura no país passando a atuar mais incisivamente através das agências reguladoras, no intuito de fornecer apenas a base institucional para as atividades e serviços que passariam a não contar mais com a exclusividade do Estado. Para as agências reguladoras caberia o papel de criar regras, normas e realizar concessões e fiscalizações além de impor e julgar penalidades.

O modelo de Estado almejado pelo governo Cardoso e desenvolvido pelo então ministro Bresser Pereira já ficava bem claro no conteúdo do texto da proposta de emenda constitucional de agosto de 1995: “[...]O novo Estado que desejamos será orientado pelo modelo da Administração Gerencial, mais ágil, flexível, com ênfase na eficiência, redução de custos, gestão flexível, participação e controle sociais” (BRASIL, 1995, p 02).

Conforme destacamos, Bresser Pereira negava no documento Plano Diretor da Reforma do Estado que as reformas almejadas eram caracterizadas pelos moldes neoliberais, o qual considerava irreais, porém, parecia querer afirmar em todo o conteúdo do documento, ao citar questões como eficiência do Estado, redução de custos, gestão racional e participativa, entre outros, que tais parâmetros eram imbuídos de neutralidade, não pertencendo a nenhuma concepção ou projeto político definido como sendo de direita ou esquerda.

141 A questão da busca da eficiência do Estado era colocada como distante tanto de modelos liberais clássicos quanto de modelos socialistas e desenvolvimentistas com ação do Estado, chegando mesmo a dar a idéia de uma neutralidade dessas questões. A tentativa de impor um teor apenas tecnicista nas reformas, fez com que a população de certa forma entendesse as mudanças não como um projeto que buscava abandonar os ganhos sociais da constituição de 1988 para seguir em direção a um caminho que favorecia o mercado, reinserindo o Brasil de forma subordinada na economia mundial, mas, sobretudo, convencer a sociedade que a eficiência e a melhoria dos serviços públicos e das empresas estatais só seriam possíveis se reformas baseadas na redução fiscal, abertura de mercados e participação do setor privado em setores até então somente administrados pelo Estado fossem realizadas.

O texto das reformas destacava repetidamente que políticas públicas eficientes só seriam conquistadas a partir de políticas econômicas que ajustassem os problemas fiscais do estado:

Neste sentido, são inadiáveis: (1) o ajustamento fiscal duradouro; (2) reformas econômicas orientadas para o mercado, que, acompanhadas de uma política industrial e tecnológica, garantam a concorrência interna e criem as condições para o enfrentamento da competição internacional; (3) a reforma da previdência social; (4) a inovação dos instrumentos de política social, proporcionando maior abrangência e promovendo melhor qualidade para os serviços sociais; e (5) a reforma do aparelho do Estado, com vistas a aumentar sua “governança”, ou seja, a sua capacidade de implementar de forma eficiente políticas públicas. (BRESSER PEREIRA, 1995, p 11).

Sendo o ajuste fiscal uma obsessão do governo Cardoso e considerada condição necessária para a implantação de um Estado gerencial, a tentativa de imbuir neutralidade nos instrumentais técnicos demonstrava ser uma estratégia do projeto político neoliberal, que diante de sua impopularidade e conseqüências reais nada alentadoras para a grande massa dos países que a adotaram, procurou se utilizar de um discurso técnico e aparentemente isento de concepções políticas para ganhar a opinião pública. Além do mais, aspectos como participação do cidadão nas decisões acerca dos rumos do estado e a proposta de descentralização do poder público entre os diferentes níveis de governo foram instrumentos de grande destaque no texto da Reforma do Estado que buscaram acima de tudo adequar as reivindicações democráticas da sociedade no novo modelo de estado.

Conforme ocorreu no início das reformas neoliberais em finais dos anos 1970 nos EUA e na Inglaterra, a construção de um consentimento popular em torno de reformas nada

142 populares parece ter sido também uma das estratégias do governo Cardoso para convencer a população da necessidade das mudanças que buscava implantar. Era imprescindível a elaboração de um senso comum que tomasse como positivo as reformas voltadas para o mercado. Harvey, ao analisar o processo de instauração das políticas neoliberais nos governos Reagan e Thatcher, afirma que tais mudanças tinham que ser realizadas imbuídas de um aspecto democrático. Nas suas palavras:

[...]A ocorrência de uma mudança de tamanha magnitude exigia que se construísse antes o consentimento político num espectro suficientemente amplo da população para que se ganhassem as eleições (Ragan e Thatcher). Aquilo que Gramsci denomina “senso comum” (definido como “o sentido sustentado em comum”) tipicamente fundamenta o consentimento. O senso comum é construído com base em práticas de longa data de socialização cultural que costuma fincar profundas raízes em tradições nacionais ou regionais. Não é o mesmo que bom senso, que pode ser construído a partir do engajamento crítico com as questões do momento. Assim sendo, o senso comum pode ser profundamente enganoso, escamoteando ou obscurecendo problemas reais sob preconceitos culturais. Valores culturais e tradicionais [...] e temores [...] podem ser mobilizados para mascarar outras realidades.[...] (HARVEY, 2005, p 49).

No entanto, é visível no documento da Reforma do Estado que Bresser Pereira (1995) buscou de certa forma tentar diferenciar o modelo que propunha do estilo neoliberal clássico, principalmente quando cita que o novo Estado não deveria apenas zelar pelos contratos e pela propriedade, mas também garantir direitos e promover a competição no mercado. Por mais que tentasse distinguir a definição de seu modelo de Estado de um estado neoliberal, chegando até mesmo a caracterizar suas propostas de “Estado Social-liberal”, é inegável que o teor das reformas propostas atendia em grande medida as necessidades do mercado e do setor privado, e caminhava de certa forma em direção a ordem global, econômica e financeira que vinha tomando conta do cenário mundial desde a década de 1980.

O Estado ao estilo bem estar social conforme destacado na constituição de 1988, que teoricamente protegeria o cidadão garantindo direitos fundamentais, algo que, aliás, nunca foi levado ao extremo na prática, deixava de ser o objetivo principal do Estado. Seu principal objetivo a partir da adoção do modelo gerencial foi garantir a seguridade do mercado e da iniciativa privada.

O fato é que o governo Cardoso teve na verdade como preocupação fundamental a estabilidade macroeconômica na busca de manter a inflação sob controle, independente dos danos sociais e econômicos que isso pudesse trazer para o país, principalmente para a grande

143 massa da população. Os custos dessa política podem ser considerados até certo ponto desastrosos para o país. Conforme relata Paulino (2010), a busca incessante pelo controle da inflação fez com que ocorresse uma piora crescente das finanças públicas, que saltaram de pouco mais de 30%, em 1994, para 50,5% em 2002. Índices de desemprego chegaram estar acima dos 20%. O Produto Interno Bruto teve crescimentos pífios, 2,1% de 1995 à 1998, e 2,1% entre 1999 e 2002. A dívida externa brasileira obteve um aumento de 35% de 1994 à 2002, saltando de US$ 148,3 bilhões de dólares para US$ 227,7 bilhões.

As conseqüências destas políticas para o setor de águas foram evidentes conforme demonstraremos adiante. A queda de investimentos por parte do setor público afetou significativamente os déficits nos setores de saneamento e abastecimento, colaborando para os quadros alarmantes principalmente no que se refere ao esgotamento sanitário.

Neste cenário de mudança dos paradigmas que norteavam as políticas mundiais e afetavam diretamente o contexto local, foi elaborada e implantada a Política Nacional de Recursos Hídricos (PNRH). Certamente, a PNRH pode ser considerada como fruto das respostas do Brasil, principalmente durante o governo Cardoso, as questões não só macroeconômicas que dominavam a agenda do mundo globalizado, como também as crescentes preocupações ambientais que cada vez mais se faziam presentes. Assim, pode-se dizer que dois aspectos vão permear as concepções do governo brasileiro de Cardoso acerca do gerenciamento dos recursos hídricos, ou seja, a Reforma do Estado que buscou regulamentar e favorecer o mercado e a iniciativa privada; e as preocupações e inquietudes trazidas pela questão ambiental. Como veremos, a nova política de águas buscou acomodar esses dois aspectos, mesmo que as contradições suscitadas por eles denotem problemas persistentes até os dias atuais.

4.4 - Crise ambiental e os limites da economia neoclássica

Neste momento, antes de focarmos mais detidamente as políticas de águas no Brasil, é interessante salientarmos a pressão que a questão ambiental tem sobre o tema, dado a interligação obvia que há entre gestão hídrica e meio ambiente. O ideal de progresso e desenvolvimento pautados na economia de mercado e industrialização trouxe inúmeros danos ao meio ambiente comprometendo parte dos recursos hídricos, florestas e populações tradicionais. Tanta devastação e violência em nome de um modelo de Estado e de desenvolvimento que entrou em crise durante a década de 1970, não foi capaz de solucionar

144 problemas sociais que se arrastam no Brasil desde que os portugueses aqui pisaram. Carlos Walter Porto Gonçalves ilustra bem a situação:

[...]Será justamente sob a égide do capital internacional que o Brasil alcançará o maior desenvolvimento industrial de sua história. Esse desenvolvimento se fazia ainda num país onde as elites dominantes não tinham por tradição respeito seja pela natureza, seja pelos que trabalham. A herança escravocrata da elite brasileira se manifestava numa visão extremamente preconceituosa em relação ao povo, que seria “despreparado”. Quanto ao latifúndio, bastava o desmatamento e a ampliação da área cultivada para se obter o aumento da produção e isto nos levou a uma tradição de pouco respeito pela conservação dos recursos naturais, a não ser nas letras dos hinos e nos símbolos da nacionalidade. A distância entre o discurso e a prática é gritante: o próprio nome do país, Brasil, é o de uma madeira que não se encontra mais, a não ser em museus e jardins botânicos e a nossa bandeira cada vez mais corresponde menos ao verde de nossas matas ou ao amarelo de nosso ouro. O azul de nosso céu é cada vez menos nítido, seja pelas queimadas que impedem que aviões levantem vôo dos aeroportos, seja pela poluição de nossos centros industriais. E o branco, bem... a cor da paz só se compreende como piada diante de uma realidade de conflitos entre a UDR e os camponeses ou da presença de militares no poder quando chegaram no ponto de prender líderes sindicais, em nome da “segurança nacional”, porque estes faziam manifestações contra as empresas multinacionais aqui instaladas para gerar o nosso desenvolvimento. (PORTO-GONÇALVES, 1996, p. 14).

O modelo de desenvolvimento difundido principalmente no pós Segunda Guerra ao invés de levar a prosperidade aos países considerados subdesenvolvidos levou problemas e destruiu em grande parte a forma particular de cultura que existia em cada lugar. De acordo com Kurz (1992), a maior parte da sociedade foi modernizada no sentido negativo, ou seja, destruíram as estruturas tradicionais sem que nada fosse colocado em seu lugar. Exemplos para isso não faltam, sendo a própria questão indígena e ambiental na Amazônia um exemplo próximo dessa destruição apontada por Kurz (1992).

Ao passo que uma parcela da sociedade é beneficiada pelo desenvolvimento industrial e econômico, outra parcela, que configura maioria, sofre com os impactos socioambientais trazidos pelo modelo de desenvolvimento adotado, tornando-se vítimas da falta de políticas públicas adequadas que de conta de atender a todos. Mauro Leonel (1995; 1998) aponta de forma detalhada e oportuna as contradições presentes na sociedade trazidas pela ocupação predatória na Amazônia nas décadas de 1970 e 1980. O trecho a seguir configura um pequeno exemplo da exploração mineral de grupos privados em terras indígenas e o obstáculo que estes habitantes locais representam para os interesses do capital:

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O fato é que foi em áreas outrora indígenas que se consolidou o oligopólio da cassiterita em Rondônia, sem que seus habitantes ganhassem com isso. Em 1984 a contribuição desta região foi de 50,32% do total de cassiterita extraída do país. A extração cresce a uma taxa média de 13% ao ano, ao ponto de ameaçar as reservas de Rondônia de esgotamento, pelo menos as reservas expostas, de extração mais barata, por não exigir muita maquinaria, nem profunda escavação. As áreas indígenas são, assim, o obstáculo que as grandes empresas do estanho tudo farão para ultrapassar. [...] (LEONEL, 1995, p 164).

Contudo, observando as políticas ambientais como vem sendo delineadas por agências multilaterais e acatadas por grande parte dos países, verificamos que a lógica de direitos de propriedade de Coase e o Principio Poluidor Pagador de Pigou, conforme exploramos em capítulo anterior, demonstram ser o paradigma que norteia a maior parte das ações oficiais no que se refere ao trato com a questão ambiental. Ou seja, a visão que parte de órgãos como o Banco Mundial e o FMI, e que exercem grande influência sobre a maioria dos Estados, aparenta não dar outro caminho a não ser esse, no caso, um desenvolvimento sustentável adaptado as leis do livre mercado e que não altere as relações sociais do modo de produção capitalista.

Fica a questão da eficácia dessas políticas para a solução dos problemas que afetam o