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Reforma Psiquiátrica Brasileira: outra forma de lidar com a saúde mental

3 DO CUIDADO QUE TUTELA A DESCONSTRUÇÃO DO MANICÔMIO:

3.2 Reforma Psiquiátrica Brasileira: outra forma de lidar com a saúde mental

As formas de cuidado desumanas agenciadas pela psiquiatria clássica promoveram no Brasil o envolvimento de profissionais de saúde, pacientes e familiares em movimentos sociais em favor da Reforma Psiquiátrica. Os movimentos sociais no país atrelados ao contexto de redemocratização no Brasil vieram a se tornar de suma importância para as mudanças nas políticas em saúde mental. Segundo Amarante (1995), no Brasil, a Reforma Psiquiátrica teve como princípio o Movimento dos Trabalhadores em Saúde Mental (MTSM), em 1978, o qual tinha como objetivo a mudança no modelo tradicional de cuidado, centrado na figura do médico e da doença. Segundo Foucault (1975), a transformação da loucura em doença se deu com o fortalecimento do capitalismo, onde os indivíduos que não fossem capazes de trabalhar e gerar lucro seriam vistos como loucos ou anormais.

Os movimentos sociais no país atrelados ao contexto de redemocratização no Brasil vieram a se tornar de suma importância para as mudanças nas políticas em saúde mental. Segundo Amarante (1995), no Rio de Janeiro o Movimento dos Trabalhadores em Saúde Mental (MTSM) veio a se tornar “o ator social estratégico pelas reformas no campo da saúde mental” (p.492). Neste sentido, o movimento pela Reforma Psiquiátrica não se deu apenas a partir de uma nova proposta teórica, mas também foi fruto de movimentos sociais de trabalhadores em saúde mental no País. Alguns movimentos como o Encontro de Trabalhadores em Saúde Mental de Bauru, em 1987, cujo lema foi “Por uma sociedade sem

manicômios”, a intervenção na Casa Anchieta, pela Prefeitura de Santos, em 1989, que deu início ao fechamento do hospício e a substituição do modelo assistencial vigente tornaram-se importantes ações dentro do processo da Reforma. Segundo Amarante (1995), a partir dessa época, foram elaboradas diversas atividades no caso do Movimento dos Trabalhadores em Saúde Mental de Bauru, como, também, no desenvolvimento do Projeto TAMTAM, que embutiam projetos culturais e artísticos voltados para o cuidado em saúde mental como recursos de mobilização política e social. As formas de cuidado decorrentes dessa perspectiva acabaram por estimular reflexões acerca das mesmas, gerando manifestos e práticas que deram corpo a Reforma Psiquiátrica no país (CEDRAZ; DIMENSTEIN, 2005).

Segundo Nabuco (2007), o Movimento Nacional de Luta Antimanicomial emerge no Brasil no final da década de 1970, no contexto da redemocratização brasileira e ao final da ditadura militar. Seguido da denúncia de três médicos residentes sobre as péssimas condições de atendimento no Centro Psiquiátrico Pedro II (atual Instituto Municipal Nise da Silveira) uma mobilização de grupos sociais em favor da luta antimanicomial difundiu nos estados do sudeste, em especial, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e São Paulo, de onde surgiu o movimento dos Trabalhadores de Saúde Mental (MTSM). Este movimento ficou conhecido como processo de Reforma Sanitária e desencadeou várias ações em 1986, na 8ª conferência Nacional de Saúde, quando o pesquisador Sérgio Arouca apresenta o projeto do Sistema Único de Saúde (SUS). Destarte, em 1987, o MSTM passa a incluir em suas discussões pessoas com transtorno mental e seus familiares, o que desencadeou na transformação do MTSM em Movimento Nacional de Luta Antimanicomial (MNLA), cujo lema era “Por uma sociedade sem manicômios”. Dessa forma, o MNLA passa a ser o principal protagonista na mudança das formas de cuidado no campo da saúde mental e teve como principal influência o processo de Reforma Psiquiátrica Italiana, iniciada por Franco Basaglia.

De acordo com Amarante (1995), a I Conferência Nacional de Saúde Mental veio a acontecer em 25 a 28 de junho de 1987, como resultado da 8ª Conferência Nacional de Saúde. Nesta primeira Conferência veio a participar delegados eleitos das pré-conferências, usuários dos serviços de saúde e demais segmentos da sociedade. Esta Conferência teve como pautas: economia, sociedade e Estado e seus impactos sobre a saúde e a doença mental; a Reforma Sanitária e a reorganização da assistência à saúde e Cidadania e doença mental e os direitos, deveres e a legislação concernente ao doente mental. Com a realização do II Congresso Nacional de Trabalhadores em Saúde Mental (conhecido como Congresso de Bauru) houve a criação do primeiro Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) em São Paulo e do primeiro

Núcleo de Atenção Psicossocial (NAPS) em Santos. Nesse contexto, apresentou-se características inovadoras como o surgimento de usuários e familiares em favor da Reforma Psiquiátrica. “Loucos pela Vida” foi uma das associações criadas em Juqueri por familiares, usuários e voluntários em favor da causa. O surgimento do CAPS Professor Luis da Rocha Cerqueira, em São Paulo, mencionado anteriormente, obteve grande repercussão e exerceu grande influência na criação e transformação dos serviços de saúde em todo país.

Pontes e Fraga (1997) relatam a implantação dos CAPS no Ceará referindo o impacto da Reforma Psiquiátrica no Estado, o qual ecoou na implantação do primeiro CAPS no interior do Estado, em Iguatu. Segundo as autoras, os CAPS, definidos através da portaria 224/92, configuram-se como serviços em saúde mental, regionalizados, cujo objetivo é prestar serviços intermediários entre o ambulatório e a internação. Eles devem estar integrados com a rede de cuidados em saúde mental, garantindo, assim, a referência e a contrarreferência. O CAPS deve prestar atendimento individual medicamentoso, psicoterapia, atendimentos grupais terapêuticos, visitas domiciliares tendo como foco a integração do usuário ao seu meio social. Os primeiros CAPS do Ceará foram implantados no interior do Estado devido, segundo Pontes e Fraga (1997), a resistência dos hospitais privados localizados na Capital do Estado.

Deste modo, é possível visualizar que a proposta de mudança no cuidado em saúde mental no país configurou-se como uma manifestação sócio-política de participação popular em diversos estados da União. A afinidade da referida proposta com os direitos humanos introduz na seara do trabalho em saúde mental a cultura e a política de participação popular, o exercício da cidadania. A criação dos CAPS e dos NAPS veio ratificar a importância de tal exercício na vida dos sujeitos, que passavam por um período de construção da democracia: a convivência social como direito e aprendizado de respeito às pessoas em sofrimento psíquico.

3.3 Desinstitucionalização e a proposta de cuidado segundo a Reforma Psiquiátrica