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As Reformas Empreendidas ao Ensino Médio no Contexto da Modernização pelo viés do Capitalismo Industrial

2 AS POLÍTICAS EDUCACIONAIS DESTINADAS AO ENSINO MÉDIO NO BRASIL E A HISTÓRICA ATUAÇÃO DOS REPRESENTANTES DA BURGUESIA

2.2 As Reformas Empreendidas ao Ensino Médio no Contexto da Modernização pelo viés do Capitalismo Industrial

Ao processo de desenvolvimento do capitalismo industrial pelo qual já vinha passando as potências europeias, e a penetração das ideias liberais que de lá ressoam e aqui repercutem; o Brasil que adentra a década de 1930 é passível da convulsão capitalista tendo a Europa como epicentro (ROMANELLI, 2005). Tecendo uma análise sintética do período ao qual se faz referência Andreotti (2012, p. 18) explica que:

A década de 1930 representou um momento de definições sobre o encaminhamento do desenvolvimento capitalista industrial no país, protagonizando movimentos políticos tais como a Revolução de outubro de 1930, a Revolução Constitucionalista de 32 e o Estado Novo, em 1937 e suscitando inúmeras discussões, ainda presentes na historiografia, sobre quais forças políticas e interesses predominaram nas mudanças ocorridas no período considerado um marco da modernização brasileira.

O Brasil vivia uma efervescência pelas demandas do capital que já tinha formado uma burguesia industrial, desenhando a vida citadina caracterizada pelo processo de urbanização, em visível rompimento com uma economia de base rural, que perdurava na República através das oligarquias agrárias13 (ANDREOTTI, 2012). Com a dita necessidade de modernizar o país o governo provisório de Getúlio Vargas (1930-1934) – nomeado presidente logo após a Revolução de 1930 – empreendeu reformas consubstanciadas no capitalismo em ascensão.

O ensino secundário que na época já apresentava a dicotomia

propedêutico/profissionalizante precisou de igual modo, ser ajustado ao modelo de produção que se adotava no Brasil. Destarte, em 1931 passa por uma reforma estrutural organizada pelo então ministro da Educação e Saúde Pública, Francisco Campos.

De acordo com Dallabrida (2009, p.185) a Reforma Francisco Campos “estabeleceu oficialmente, em nível nacional, a modernização do ensino secundário brasileiro, conferindo organicidade à cultura escolar do ensino secundário por meio da fixação de uma série de medidas”. Dentre as principais medidas estava o aumento do número de anos nesta etapa de escolarização, que passou de 5 para 7 anos de duração, e sua divisão em dois ciclos: fundamental e complementar, sendo o primeiro ciclo de 5 anos, onde se tinha uma educação

13Durante o período da Primeira República (1889-1930) prevaleceu enquanto regime político e econômico a República dos coronéis, das elites agroexportadoras, evidenciada na política café com leite entre os produtores de café e cana de açúcar dos Estados de Minas Gerais e São Paulo, que alternavam-se na Presidência (DE VARES, 2012).

mais geral, o segundo permanecia com o caráter propedêutico ofertando determinada formação a aqueles que aspiravam ao ensino superior (DALLABRIDA, 2009).

O autor ressalta que o Brasil através da Reforma se alinhava a países ocidentais mais desenvolvidos, que já haviam efetivado suas reformas no ensino secundário, modernizando-o (leia-se, adequando-o à racionalidade do capital). Não obstante, o ensino secundário brasileiro assumia um caráter ainda mais elitista, evidenciado na formação propedêutica para qual sinalizava a reforma de Campos.

Otranto e Pamplona (2008, p. 09) avaliam que “a reforma dificultava a participação das classes mais baixas no ensino secundário” em detrimento da educação profissional, que aos menos favorecidos destinava-se, impossibilitando-os do acesso ao ensino superior.

Em outras palavras, a reforma que veio estabelecer nova estruturação, rompendo com a “inorganização” até então vigente na República Velha, promoveu apenas o enriquecimento da formação endereçada às elites. Tratava-se da classe dominante conduzindo uma reforma para si mesma, conferindo sua manutenção no lugar privilegiado em uma sociedade que se originou em base escravocrata, e de lá se desenvolve com suas raízes fincadas.

Esse modelo organizacional conferido ao ensino secundário permaneceu até uma nova reforma ocorrida ainda na Era Vargas, especificamente em 1942 quando o Brasil estava sob o domínio do Estado Novo. As Leis Orgânicas do Ensino começaram a ser instituídas por Gustavo Capanema enquanto este era ministro da Educação e Saúde (1934-1945), finalizando em 1946 quando chegara ao fim o Estado Novo (ROMANELLI, 2005). Segundo a autora, a Reforma Capanema organizou através de Decretos-Lei os ensinos técnico-profissional e secundário. A continuidade da reforma se deu em 1946 no governo provisório de José Linhares, onde foram reformados sob a mesma base legal os ensinos normal e primário.

A Lei Orgânica do Ensino Secundário (Decreto-lei 4.244 de 9 de abril de 1942) trazia imersa em seu conteúdo a ideologia patriótica e nacionalista na qual se configurava a ditadura de Getúlio Vargas (ROMANELLI, 2005). Segundo Schwartzman, Bomeny e Costa (2000) foi dada prioridade à reforma do ensino secundário para se reafirmar a concepção educacional defendida por Capanema. Este enquanto ministro da educação idealizava um sistema educacional que correspondia “à divisão econômico-social do trabalho” (p.205).

Desta maneira, “a educação deveria servir ao desenvolvimento de habilidades e mentalidades de acordo com os diversos papéis atribuídos às diversas classes ou categorias sociais” (p. 205). Logo, os respectivos ensinos tinham públicos específicos assim organizados pelos autores: educação superior – destinada à elite da elite, educação secundária– para a elite urbana, educação primária e profissional– aos jovens que se tornariam os trabalhadores na

máquina produtiva do capital, e a educação feminina – às mulheres. Esta última justificada pelo posicionamento contrário de Capanema ao da coeducação, advogada pelos pioneiros da Escola Nova, à época.

Priorizando sistematicamente uma formação humanística, centrada na aquisição por parte do aluno de uma cultura geral, o ensino secundário da Reforma Capanema se apresentava elitista e preparatório ao ensino superior (SCHWARTZMAN, BOMENY e COSTA, 2000; ROMANELLI, 2005). A ênfase dada ao ensino de caráter humanístico em detrimento do ensino técnico-profissionalizante foi para Daros (2013) fruto da colaboração entre o Estado e a Igreja Católica, uma vez que nas décadas de 1930 e 1940 havia dois grupos que disputavam projetos educacionais antagônicos. Ao momento que os católicos defendiam uma educação pautada nos princípios religiosos, onde a doutrina católica assumia centralidade no processo educativo, os pioneiros argumentavam “pela efetivação de um sistema público de ensino, gratuito e laico [...]” (p. 263).

Das mudanças trazidas pela reforma, Romanelli (2005) destaca que o artigo 22 da Lei Orgânica reorganizava o ensino secundário em dois ciclos. O ciclo ginasial de 4 anos, e mais um ciclo de 3 anos, denominado colegial. Este último dividia-se em clássico e científico. Os currículos tanto do ginasial quanto do colegial eram igualmente engessados na perspectiva da educação de uma cultura geral.

Schwartzman, Bomeny e Costa (2000) relatam que a frequência obrigatória dos alunos nas escolas de ensino secundário anunciada na reforma, objetivava formatá-los nos princípios que subsidiavam a ditadura varguista. Com o tempo que os estudantes passavam na escola se efetivava a inculcação de uma cultura comum, um discurso tônico e unificado. Romanelli (2005, p.159) é enfática ao dizer “que o governo procurou, na época, criar no ensino um mecanismo capaz de formar “individualidades condutoras”, mecanismo este fundamentado numa ideologia política definida em termos do patriotismo e nacionalismo de caráter fascista”. Ou seja, a educação era de fato usada como objeto de doutrinação.

A estrutura que se desenhou no ensino secundário sob a concepção de educação do ministro Capanema, assim como a Reforma Francisco Campos esteve visivelmente alinhada aos interesses da classe dominante. Se por um lado dava continuidade ao processo de modernização iniciado por Campos, por outro se regulava um sistema pautado na desigualdade social, característica essa inerente as sociedades que se ergueram na lógica da produção capitalista.

As leis orgânicas instituídas pela Reforma Capanema vão orientar a organização geral do ensino no país até que se promulgue em 1961 a primeira Lei de Diretrizes e Bases da

Educação Nacional (NUNES, 2001). Com a renúncia de Getúlio Vargas em 1945, o país acena para um período democrático da história; mas a autora salienta que a redemocratização é um processo marcado pela ambiguidade política e “não só marcou o processo de elaboração da nova lei, desencadeado em 1947 no governo Dutra, mas também permitiu que permanecessem em vigor as concepções e o aparelho institucional montado para dirigir a educação nacional” (p. 113). Nestes termos, se expressa na sociedade um projeto de educação dual, nas palavras da autora “para o povo, uma educação destinada ao trabalho; para as elites, uma educação para usufruir da cultura e aprimorá-la no exercício da vida” (Idem).

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 4.024 de 20 de dezembro de 1961), prescrita na Constituição Federal de 1946, foi instituída depois de 13 anos de tramitação do projeto de lei no âmbito do Congresso Nacional (ROMANELLI, 2005; MONTALVÃO, 2010). O longo processo deflagrado até a aprovação da Lei atravessa exatos seis governos democráticos. Isto dentro de um período marcado pela crise política após o suicídio de Getúlio Vargas em 1954, que logrou renúncias recorrentes. Para Romanelli (2005) as lutas ideológicas que se dão em torno da LDB de 1961 ampliam-se dada a participação de novos atores sociais. A partir de agora estudantes, operários e intelectuais adentram a arena de disputa, e expressam as mudanças que têm se efetivado na sociedade brasileira.

A priori, as lutas ideológicas as quais a autora se refere, diz respeito à administração da educação nacional, se esta seria centralizada, como era no Estado Novo, – no grupo que defendia esta linha argumentativa, estava Gustavo Capanema –, ou federativo-descentralizada, inspirada já na Constituição democrática de 1946. Em um segundo momento, a disputa é deslocada à definição de uma escola pública ou privada. Esta última, protagonizada por conservadores pela escola privada e os intelectuais aqui representados pelos escolanovistas14 que em 1959 lançam o segundo Manifesto dos Pioneiros – mais uma vez convocados advogando pela escola pública, gratuita e laica.

É perceptível que a LDB de 1961 concentrou as discussões em aspectos mais gerais da educação. Quanto à última etapa da educação básica, ora objeto de análise, a Lei que instaurou um marco legal em âmbito nacional, ensaiando o federalismo, alterou apenas a sua nomenclatura. Antes ensino secundário passou a ser denominado ensino médio, mas manteve a mesma organicidade estabelecida pela Reforma Capanema. No período que o Brasil passava

14Cumpre esclarecer que os intelectuais orgânicos deste grupo por mais que apresentassem algumas ideias progressistas para o campo educacional, eram oriundos de seios familiares detentores de poder e capital, não por acaso, Anísio Teixeira havia sido aluno de Dewey nos EUA´s, um privilégio de classe.

pelo intenso processo de industrialização e urbanização, acentuada prioritariamente no Governo de Juscelino Kubitscheck (1956-1960), consolida-se a dualidade estrutural no ensino médio.

2.3 O Ensino Médio no Período da Ditadura Civil-militar e a Consolidação do Modo de