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Reformas Psiquiátricas que Visam Superar o Espaço Asilar como Local de

2. Reforma Psiquiátrica percorrendo o caminho inverso: da

2.2. Reformas Psiquiátricas que Visam Superar o Espaço Asilar como Local de

Comunitária ou Preventiva (EUA) 2.2.1. Psiquiatria de Setor

Destaca, Oliveira (2002), que um outro movimento que surgiu na França após a Segunda Guerra Mundial foi a Psiquiatria de Setor. Apresentava-se como movimento de contestação da psiquiatria asilar francesa e teve como principal interlocutor um grupo de psiquiatras progressistas, liderados por Lucien Bonnafé, que reivindicaram a imediata transformação dos manicômios franceses. Seus defensores visavam desenvolver uma psiquiatria com vocação terapêutica, fora da instituição asilar, levando a psiquiatria à população. Procurava tratar o paciente segundo uma responsabilização regionalizada, ou seja, procurava tratar o doente na própria região em que vivia, sem afastá-lo do convívio social, ressocializando-o com um conjunto de modalidades multidisciplinares e multinstitucionais. De modo que a internação era considerada uma etapa do processo, mas transferia para a comunidade o dispositivo de atendimento aos doentes mentais.

A Psiquiatria de Setor, de acordo com Amarante (1995), foi adotada na França como política oficial de Saúde Mental, em 1960, dividindo aquele país em áreas geográficas (setores) com cerca de 70 mil habitantes, no interior das quais uma equipe médica social (psiquiatras, enfermeiros, psicólogos, assistentes sociais) e diversas instituições, tendo como objetivo trabalhar com a prevenção, o tratamento e a pós-cura dos doentes mentais. Assim, a proposta era tratá-los no seu contexto sociocultural antes ou depois da internação psiquiátrica.

Analisa, Oliveira (2002), que a proposta da Psiquiatria de Setor francesa não eliminou o uso da instituição psiquiátrica nem representou uma nova leitura frente

à concepção terapêutica tradicional, mas, de alguma forma, tentou diminuir as internações através de modalidades territoriais e assistenciais.

2.2.2. Psiquiatria Comunitária ou Preventiva

A Psiquiátrica Comunitária ou Preventiva surge no contexto da crise dos EUA, devido aos problemas oriundos da Guerra do Vietnã, como o consumo abusivo de álcool e drogas, o grande contingente de inválidos por problemas físicos ou psíquicos, entre outros. A Psiquiatria Preventiva surge com a proposta de ser a terceira revolução psiquiátrica pelo fato de ter ―descoberto‖ a estratégia de intervir nas causas/etiologia das doenças mentais, almejando, além da prevenção das doenças mentais, a promoção da saúde mental, afirma Amarante (1994).

Para Birman e Costa (1994), um conjunto de razões conduziu ao enfraquecimento dos movimentos de reforma hospitalar, com destaque para os de ordem econômica: o alto custo da ampliação da equipe psiquiátrica encareceu os custos do tratamento e interessou pouco aos órgãos assistenciais do Estado; as taxas de incidência dos distúrbios mentais continuavam a crescer em progressão geométrica; as cronificações se mantinham, e os custos que isso acarretava às famílias e ao Estado cresciam em igual velocidade. Necessário se fazia mudar os métodos, as estratégias e os espaços das novas intervenções. Em 1955, o Congresso Americano criou uma comissão de enfermidade e saúde mental, que tinha como objetivo fazer análise dos problemas humanos e econômicos criados pela enfermidade mental e dos recursos, dos métodos e das práticas utilizados para o diagnóstico e tratamento e a assistência e reabilitação do enfermo mental. Como fruto desses estudos e de outros realizados de 1955 a 1963, o Presidente Kennedy formula, em 1963, a nova política para lidar com

doenças mentais nos Estados Unidos, que se tornou referência para todo o mundo; anunciando o novo programa como de Saúde Mental.

De acordo com Giovanella e Amarante (1994), quando se está falando em estratégias para o planejamento em Saúde Mental, é imprescindível refletir sobre a natureza e o processo de constituição histórica do saber psiquiátrico e de sua relação com a instituição asilar. Isso porque, ao se propor um planejamento de ações e políticas de Saúde Mental, é preciso considerar com que saberes, com que serviços ou com que técnicas as ações de saúde vão operar no território; não bastando as medidas racionalizadoras, de princípios de boa gestão administrativa, de diagnóstico comunitário, de descentralização de serviços, de sistema de referência e contra- referência, etc. Deve-se operar mudanças na natureza do saber que se exercita no que se está conceituando como ato de saúde.

Instaura-se, então, a crença de que todas as doenças mentais podem ser prevenidas, senão detectadas precocemente, e que se pode erradicar os males da sociedade, afirmando-se que as pessoas só procuram os serviços de saúde quando doentes e defendendo que se faz necessário sair às ruas, entrar nas casas, conhecer os hábitos, identificar os vícios e mapear as doenças genéticas e sociais. Acreditando que, com essa intervenção (com enfoque na prevenção primária e secundária), será minada a demanda dos hospitais psiquiátricos.

Assim, a Psiquiatria Preventiva tem como novo objeto: a saúde mental; novo objetivo: a prevenção da doença mental; um novo sujeito de tratamento: a coletividade; um novo agente profissional: as equipes comunitárias; um novo espaço de tratamento: a comunidade; e uma nova concepção de personalidade: a unidade biopsicossocial (Amarante, 1995, p.39).

Abandona-se a reforma do hospital psiquiátrico como ação preferencial e

toma-se o espaço social mais amplo, a ―comunidade‖, como espaço de ação da

psiquiatria. A nova estratégia é de promoção da saúde mental como abordagem preventiva da enfermidade mental, incorporando novos conceitos como as intervenções primária, secundária e terciária. Prevenir é promover a saúde, sendo

saúde compreendida de modo amplo como bem-estar biopsicossocial. As ações saem

do sujeito e abarcam a comunidade; a terapêutica já não é mais circunscrita, mas ampla, na qual não só o psiquiatra, mas qualquer um pode ser ―técnico em saúde mental‖.

A Psiquiatria Comunitária admite que os recursos institucionais e humanos da comunidade podem somar-se ao esforço da psiquiatria em prevenir, curar e reabilitar os pacientes psiquiátricos. A Psiquiatria Comunitária apóia-se na visão ―cooperativa‖ e ―terapêutica‖ da comunidade, mas uma ―comunidade‖ com tais características é mais um desejo que uma realidade, afirmam Birman e Costa (1994).

A população, segundo definição de Luz (1994), não é um conjunto, uma ―comunidade‖, mas um composto social diversificado de classes e camadas sociais, em que as necessidades e os interesses econômicos, políticos e sociais são diversos.

Com essa visão, a reforma preventiva confluiu para a desinstitucionalização e criou uma rede difusa de serviços extra-hospitalares que objetivou reduzir a demanda de pacientes aos hospitais psiquiátricos, além disso aumentou o número de altas hospitalares e diminuiu o tempo de permanência dos pacientes nas instituições asilares.

No campo psiquiátrico, afirma Barros (1994), a desinstitucionalização norte-americana constituiu-se num processo de desospitalização e de racionalização de recursos, criando uma rede de serviços de pequenas dimensões na comunidade, ou

de transinstitucionalização de recursos, com transferência de pessoas (principalmente os crônicos) para instituições não-psiquiátricas e menores. A desmontagem recaiu sobre as grandes estruturas hospitalares, e resultou, desse processo, a constituição de uma população que passa a girar de uma instituição a outra (revolving door) e onde nenhum serviço assume a assistência global das necessidades do paciente.

2.3. Reformas que Rompem com os Movimentos Anteriores: