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A região colonial e o município de Ijuí

Considerando a divisão em distritos após a criação do município. Fonte: Gerhardt (2009, p. 41).

A figura anterior mostra o local onde se localizava a “Villa Ijuhy”, em uma região situada entre os rios Ijuí e Conceição, que junto com outros rios que não estão descritos acima, compõe a bacia do rio Iiuí.

O ano de 1890, para muitos, marca o início da história da cidade de Ijuí, com a chegada dos primeiros imigrantes europeus, que ao longo do tempo, foram considerados os responsáveis pela exploração das matas, desenvolvimento do comércio, da indústria e da agricultura da região. Porém, essa história começou bem antes disso, pois segundo Marcos Gerhardt, “a região em torno do lugar que depois se transformou na Colônia Ijuhy, já era conhecida e parcialmente habitada muito antes dos colonizadores de origem européia” (2009, p. 33). Em seu livro “História

ambiental da Colônia Ijuhy”, o autor escreve que

Na região havia núcleos urbanos pouco distantes uns dos outros: a oeste, a vila de Santo Ângelo e ruínas de outros povoados que integraram os Sete Povos das Missões, como São Miguel Arcanjo e São João Batista, os mais próximos; a nordeste, a vila de Palmeira, e no sudeste, a cidade de Cruz Alta. (GERHARDT, 2009, p. 33).

Nessa época essa região era apenas um distrito de Cruz Alta, e pelas suas características geográficas atraiu a atenção das autoridades municipais, que tinham interesse na fundação de uma colônia de imigrantes nestas terras. Em 17 de janeiro de 1850, uma carta foi envidada de Cruz Alta ao presidente da província, informando a existência de muitas terras devolutas na região:

Existe neste primeiro distrito uma mata quase toda devoluta acompanhando o rio Juhy pequeno e da Conceição desde o funda da fazenda do Cadeado até unir-se com a serra do Juhy Grande; cuja mata terá dez léguas de comprimento com três a cinco de largo, distanciando desta vila quatro a seis léguas. Existe mais neste mesmo distrito outra mata desde a Fazenda Dois Irmãos acompanhando o Jacuhy até a confluência deste rio com o Gahy, com oito a dez léguas de comprimento e duas a três de largo. Existem muitas posses cultivadas nestas matas; e o mais tudo devoluto Existe entre o 1º, 5º e 6º Distritos a mata intitulada a serra dos Juhys que se calcula ter mai sou menos cinqüenta léguas em circunferência, unido com a primeira mata nomeada, e é toda arrodiada de campos, correndo pelo meio do rio Juhy Grande e seus afluentes; [...]. (Paço da Câmara Municipal da Vila de Espírito Santo de Cruz Alta, 17 de janeiro de 1850. Ao presidente da Província, apud GERHARDT, 2009, p. 35

Na época, as autoridades cruzaltenses já sabiam da existência de posses cultivadas na região que eram, em sua maioria, terras próximas a ervais públicos, onde viviam camponeses nacionais trabalhando como ervateiros. Esses indivíduos

eram conhecidos na região como caboclos que, segundo Ivaldo Gehlen, é um termo que “designa o mestiço de índio com branco, de cabelo liso e pele morena. Por extensão, o termo abrange todos os que têm origem indígena ou que seguem um sistema de vida à semelhança dos indígenas” (apud LAZZAROTTO, 2002, p. 22), e “viviam na região muito antes de se iniciar a colonização; geralmente estavam vinculados às estâncias de criação de gado, como peões; outros viviam da agricultura, da caça, da pesca e do extrativismo de erva-mate” (GERHARDT, 2009, p. 17).

Como não obtiveram resposta do governo provincial, a Câmara Municipal de Cruz Alta enviou outra carta em 17 de maio de 1877, ainda desejosos de imigrantes para ocupar as matas do município. Nesta carta eles descreveram várias vantagens das terras que queriam que fossem colonizadas. Segue abaixo um trecho da referida carta:

A sete léguas de distância, ao Norte desta Vila, corre magnífico vale do Ijuí Grande, de sudeste a noroeste, o qual a uma distância de 25 léguas, pouco mais ou menos, de seu percurso é bordado de uma floresta virgem, de largura termo médio de cinco léguas, apresentando em vários lugares, grandes claros de ricos campestres próprios não só para lavouras de cereais, como também para a criação de gado de todas as espécies. Este rio recebe vários confluentes, entre eles, o Nossa Senhora e o Conceição que são navegáveis por canoas. [...] (Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul, apud LAZZAROTTO, 2002, p. 42).

As autoridades municipais procuraram chamar a atenção para a existência de abundantes florestas, campos e rios, que poderiam fornecer muitas vantagens para futuros colonos que desejassem ali se instalar. Porém, a região também era abundante em erva-mate, produto este que atraía muitos brasileiros à região, a fim de trabalharem como ervateiros. Danilo Lazzarotto chama a atenção para um documento citado por Paulo Zarth, retirado do Memorial do engenheiro Francisco Nunes Miranda, de outubro de 1859, disponível no Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul, e transcrito em sua tese de mestrado, e que descreve os ervais que existiam na região:

O Herval do Ijuhy Grande começa na margem direita desse rio, ao norte de Santo Ângelo , no lugar denominado Santa Teresa, rodeia o pontão da serra pelo meio do qual corre o rio e vem terminar à foz e margem direita do Conceição. Seu comprimento compreendendo toda a volta pode elevar-se a 26 léguas e a espessura da mata de cada lado do rio, a três (léguas). Esse herval tem à sua margem direita os nomes de Santa Teresa, Fonseca ou

Galpão, do Faxinal ou Guarda-Mor e Ramada. Na margem esquerda, descendo os de Porongos, Rincão de Nossa Senhora e Conceição, possui esse herval quatro engenhos, o de Raymundo Nonato da Silva, perto de Santo Ângelo, o de Francisco Fonseca, nas Fonsecas, o de Carlos Riel, no Faxinal, e o de Francisco Antonio Carpes, no Rincão de Nossa Senhora. (apud LAZZAROTTO, 2002, p. 31).

Situando um pouco melhor o recorte espacial descrito acima, temos o “faxinal (clareira de uso comum) ficava na margem direita do Ijuí e a picada que para lá levava passava pelo atual município de Doutor Bozano” (LAZZAROTTO, 2002, p. 31) e o “Rincão de Nossa Senhora deve estar ligado ao rio Nossa Senhora (o atual Potiribu). Mais tarde se chamou Rincão Nossa Senhora o atual Rincão dos Gói” (LAZZAROTTO, 2002, p. 31).

Podemos tirar duas conclusões relevantes para o entendimento da ocupação do espaço regional antes da fundação da Colônia Ijuí. A primeira delas é o fato dessa ocupação ser bem mais antiga do que a presença dos primeiros imigrantes na região. Lazzaratto escreve em seu livro “História de Ijuí” que

em 1856, Custódio Antunes Cardias requeria a posse de dez milhões de metros quadrados de terras na região, onde hoje se localiza o Rincão dos Gói, alegando que estava ocupando a referida área desde 1835; em 1859 já havia quatro engenhos no Herval do Ijuhy Grande. (2002, p. 30).

Esses engenhos de que Lazzarotto se refere são os mesmos citados no documento apresentado por Paulo Zarth anteriormente. A segunda conclusão é que a presença desses ervais revela uma grande concentração de ervateiros na região, de maneira muito organizada. A Câmara Municipal de Cruz Alta, assim com outros municípios da região “criaram regulamento para disciplinar o extrativismo dos ervais públicos, com o objetivo de evitar a depredação das plantas, a falsificação do produto e manter sob controle a tributação” (ZARTH, 1997, p. 117). Nesse sentido, quem quisesse explorar um erval público tinha que fazer um requerimento, pedindo uma licença para extrair o mate. Ainda segundo Zarth,

Pela licença de que se trata o presente artigo, pagará o requerente dois mil réis. na ocasião, o requerente era obrigado a declarar no ato de tirar a licença o número de trabalhadores de que se compõem a comitiva com indicação do lugar onde tem de fabricar erva, sob pena de pagar multa de cinco mil réis. (1997, p. 117).

A existência de quatro engenhos de erva-mate na região significava que também deveriam haver muitos ervateiros trabalhando na extração, e posteriormente, no processamento da erva nesses mesmos locais. Podemos reforçar essa hipótese revelando uma informação presente no livro de Evaristo Afonso de Castro, comerciante de Cruz Alta, editado em 1887, intitulado Notícia Descritiva da Região Missioneira. Lazzarotto (2002) fez um levantamento da quantidade de produtos de regiões de mato, exportados em 1885, em Cruz Alta:

- erva-mate 40.000 arrobas (uma arroba equivale a 15 kgs); - fumo 4.500 arrobas;

- feijão 800 sacas; - milho 650 sacas;

- farinha de mandioca 300 sacas.

Pelo volume de mercadorias podemos confirmar que havia um intenso trabalho durante o ano todo na região, realizado por camponeses nacionais, tanto no que se refere à agricultura quanto na extração de erva-mate.

Figura 2 - Caboclo em frente a um barbaquá.

Jaunsem, Eduardo. Barbaquá. 1939. 1 fot. P&B: 18,5 x 30,5 cm. MADP Coleção Jaunsem 330042 a-b.

Esta fotografia faz parte da Coleção Eduardo Jaunsem5, do acervo do Museu

Antropológico Diretor Pestana. Nela aparece um homem, que na descrição da imagem é caracterizado como um caboclo, cortando lenha em frente a um barbaquá, instrumento utilizado na época para secar a erva-mate. O local onde a fotografia foi tirada é desconhecido. Datada de 1937 esta imagem nos mostra que a forma de trabalho dos ervateiros nacionais pouco havia mudado desde a fundação da Colônia Ijuhy, em 1890. À direita podem-se perceber feixes de erva-mate por secar, e atrás deles alguns cestos, também cheios de erva. Ao fundo, atrás do barbaquá, à esquerda, está um homem, com um cesto, parecendo recolher algo. Ao fundo, à direita, pouco perceptível, atrás dos cestos está outro homem, também envolvido com o trabalho. O local de trabalho destes indivíduos é bem rústico, funcionando provavelmente no meio do mato.

Eduardo Jaunsem se considerava além de fotógrafo, um artista. Para André Rouillé,

os fotógrafos-artistas entendem a fotografia como o lugar onde são exercidos, ao mesmo tempo, seu oficio e sua arte. [...] Alguns fotógrafos- artistas também procuram a legitimação por intermédio dos gestos singulares, muitas vezes, até intervindo diretamente com a mão sobre a imagem; alguns destes seguidores do movimento “pictorialista” do final do século XIX, raspam, retocam ou até mesmo acrescentam cores, utilizando- se de tintas ou crayon; transferem imagens para telas ou as sobrepõem. (apud CANABARRO, 2011, p. 157).

Jaunsem gostava de fotografar ambientes naturais da região de Ijuí, por isso praticamente não tinham um estúdio, sendo um tipo de artista itinerante. Ele fazia parte de um movimento chamado pictorialismo6, o que influenciou em muito seu

trabalho. Segundo Canabarro, “também gostava de retratar as atividades cotidianas dos colonos, mostrando o homem transformando a natureza, o que para muitos parecia ser simbólico, mas para o fotógrafo significava uma expressão artística”

5Ivo dos Santos Canabarro, em seu livro “Dimensões da Cultura Fotográfica no Sul do Brasil, de

2011, escreve que o fotógrafo Eduardo Jaunsem nasceu na Letônia em 11 de fevereiro de 1896. Sua família veio para o Brasil em 1914, vindo a comprar um lote de terras na Linha 11 leste, em Ijuí. Segundo o autor, após a morte do pai “Eduardo ficou com a responsabilidade de manter a unidade produtiva, o cultivo da terra, a criação de animais e o trabalho como fotógrafo” (2011, p. 154). Jaunsem atuava com fotógrafo amador, tendo como “o cotidiano dos imigrantes rurais, a produção agrícola, a criação de animais, as festas, os encontros com os amigos e as demais atividades sociais” (2011, p.155), como o centro de sua atividade como fotógrafo.

6 Para Maria Teresa V. B. de Mello, os pictorialistas tinham interesse em mostrar cenas do mundo

rural, os camponeses trabalhando, as pessoas atuando no cotidiano, o mundo urbano e demais situações que não poderiam ser observadas nas imagens feitas dentro dos estúdios. (apud CANABARRO, 2011, p. 159)

(2011, p. 160). Por este motivo, a grande maioria das fotografias mostradas neste trabalho foram feitas em ambientes externos, normalmente situações em que os indivíduos estavam em seus locais de trabalho.

Figura 3 – Moradia de Caboclos.

Jaunsem, Eduardo. Caboclos – Moradia. 1939. 1 fot. P&B: 18,5 x 30,5 cm. MADP Coleção Jaunsem 440010.

Segundo a descrição da fotografia, esta seria a moradia dos homens que aparecem trabalhando na imagem anterior. A localização exata é desconhecida, porém ficava em algum lugar da cidade de Ijuí, na zona rural. Como podemos perceber, são casas construídas com paredes de madeira, escoradas com estacas, cobertas de capim, em meio a vegetação nativa, revelando o caráter simples e utilitário da cultura camponesa da região. Mais adiante, vamos perceber que este

modelo de habitação também foi utilizado pelos imigrantes europeus, nos primeiros anos da fundação da Colônia Ijuhy.

Além da existência dos ervais e de ervateiros nacionais atuando na região, temos também informações a respeito de “obras de infraestrutura” realizadas por eles com o objetivo de, talvez, facilitar o deslocamento entre os municípios existentes na época, diminuindo a distância entre eles, pois, por meio delas, se cortava caminho pelo interior das matas, sem precisar contorná-las, o que tomaria muito tempo. As obras neste caso eram as chamadas “picadas”.

Evaristo A. de Castro faz uma menção a elas quando escreve que “nas margens do Ijuhy nas picadas Faxinal e Conceição... há abundante erva-mate de excelente qualidade” (apud LAZZAROTTO, 2002, p. 28). Uma dessas picadas ficava nas terras que “José Gabriel da Silva Lima havia comprado, em 1848, e que havia feito passar pelo meio delas a Picada Conceição que construíra por ordem do governo Imperial, [...]” (LAZZAROTTO, 2002, p. 44-45).

Mapa 4 - Uma picada na Colônia Cadeado - Final do século 19.

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