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3 O MODELO REGULATÓRIO BRASILEIRO: AGÊNCIAS REGULADORAS

3.4 Características das agências reguladoras independentes

3.4.2 Regime de Pessoal

Já foi exposto e repisado que característica básica da autonomia reforçada das agências reguladoras são as vedação à exoneração ad nutum e previsão da estabilidade temporária para os dirigentes. Os dispositivos que preveem tais disposições são as leis instituidoras e a lei da gestão de recursos humanos das agências. Importa analisar, então, a constitucionalidade dos dispositivos.

Alexandre Santos de Aragão (2004, p. 325 e ss.) esclarece que, inicialmente, para melhor compreensão do tema, é necessário distinguir a disciplina dada aos dirigentes das agências, daquela dada ao corpo técnico subalterno. Quanto aos primeiros, os artigos 4º a 10 da Lei nº 9.986/00 estabelecem a disciplina geral, dispondo que serão escolhidos dentre brasileiros de reputação ilibada, formação universitária e especializado conhecimento técnico na área a ser regulada; sendo nomeados pelo Presidente da República a desempenhar mandato por período certo, após aprovação pelo Senado Federal; vedando-se a exoneração ad nutum.

Celso Antônio Bandeira de Mello (2009, p. 175 e ss.) tece duras críticas à estabilidade provisória dos dirigentes e à vedação de exoneração quando outro Presidente assume o posto, postulando que tais medidas violariam as prerrogativas constitucionais do sucessor, in verbis:

Ora, é da essência da República a temporariedade dos mandatos, para que o povo, se o desejar, possa eleger novos governantes com orientações políticas e administrativas diversas [...]. Fora possível a um dado governante outorgar mandatos a pessoas de sua confiança garantindo-os por um período que ultrapassasse a duração de seu próprio mandato, estaria estendendo sua influência para além da época que lhe correspondia [...] e obstando a que o novo Presidente imprimisse, com a escolha de novos dirigentes, a orientação política e administrativa sufragada nas urnas. Em última instância, seria uma fraude contra o povo.

Para o célebre doutrinador, a garantia dos mandatos dos dirigentes das agências, assim, só se operaria dentro do período governamental em que foram nomeados. Findo este, independentemente do escoamento total do prazo do mandato, o novo governo poderia exonerá-los livremente.

Defendendo posição diametralmente oposta, está Floriano de Azevedo Marques Neto (2005, p. 97-103), que postula a constitucionalidade das garantias em comento. Para este doutrinador, a investidura do servidor público por prazo certo se coaduna perfeitamente com o regime de autonomia administrativa atribuído pelas leis instituidoras. A vedação de exoneração, quando da posse de novo Presidente, seria necessária para garantir o pluralismo político e a continuidade de orientação regulatória, protegendo os regulados e consumidores contra injunções políticas do momento.

Gustavo Binenbojm (2006, p. 270-271) destaca que o governo do Presidente Luís Inácio Lula da Silva “marcou, na história institucional do Brasil, o primeiro teste da estrutura regulatória independente face à sucessão democrática no âmbito federal. Antes disso, todos os dirigentes das agências tinham sido nomeados pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso”. O novo Presidente demonstrava publicamente a insatisfação com as prerrogativas concedidas aos dirigentes das agências, acusando-os de impedirem a adequada execução das novas políticas públicas de governo. O referido autor, defendendo as garantias dos dirigentes, aponta que tal cenário demonstra a preocupação do governo em exercício à época de impedir que as agências tomassem medidas impopulares, causando a perda de apoio popular.

Floriano de Azevedo (2005, p. 97-103), analisando os artigos 84, II e 37, II da Constituição Federal de 1988, conclui pela constitucionalidade das garantias em tela.

O primeiro estabelece o poder de direção do Presidente sobre a Administração central, e o segundo aborda as formas de investidura em cargos de natureza pública.

O artigo 37, II, CF/88 prevê duas espécies de cargo público. A primeira seria o efetivo, adquirido mediante aprovação em certame público e garantidor de estabilidade ao servidor, desde que respeitadas as normas do artigo 41 da Constituição. A segunda seria o cargo em comissão ou de confiança, que se baseia no livre provimento e na livre exoneração (art. 37, II, 2ª parte, CF/88), não se garantindo a estabilidade do artigo 41. O supracitado autor leciona que existiria uma terceira espécie de cargo público, na qual se inseriram os dirigentes das agências reguladoras independentes. Seriam cargos públicos com investidura por prazo certo e dotados de estabilidade temporária. Na verdade, mesclar-se-ia as regras das duas primeiras espécies. Esta nova espécie encontraria respaldo no fato de a lei prever processo complexo para a investidura dos dirigentes (artigo 5º da Lei nº 9.986/00), inclusive com aprovação pelo Senado, nos termos do artigo 57, III, “f”, CF/88.

Ademais, a estabilidade temporária para os cargos de investidura por prazo certo não feriria o disposto no artigo 84, II da Constituição, devido a já abordada limitação do poder de direção conferido ao Presidente, o qual não se confunde com poder de mando (MARQUES NETO, 2005, p. 98).

Em vias de conclusão do presente tópico, resta frisar o regime para os ocupantes de cargos técnicos subalternos aos dirigentes das agências reguladoras. O art. 1º da Lei nº 9.986/00 dispunham que deveriam ser regidos pela CLT, ou seja, pelo regime trabalhista comum, entretanto tal previsão comprometia o desempenho12 das atividades regulatórias (notadamente as de execução) (MELLO, 2009, p. 176-177).

Com o advento da Lei nº 10.871, de 20 de maio de 2004; o citado dispositivo fora revogado, vigendo no ordenamento jurídico pátrio o entendimento consolidado no julgamento da ADIN nº 2.310-1/DF, em que se definiu o regime do artigo 37, II da Constituição para os membros não-dirigentes das agências reguladoras.

12 No mesmo sentido, Brasilino Pereira (2001, p. 2): “o exercício de tais atividades por servidores celetistas é incompatível com nossa Constituição Federal, pois esta exige que funções tais como as de integrantes do Fisco Federal, da Carreira Diplomática, da Polícia Federal, de Fiscais de Contribuições Previdenciárias e outras de igual importância, não fiquem a cargo de servidores sem as mínimas garantias de segurança no exercício das elevadas missões, o que somente se garante se foram incumbidas a servidores efetivos, passíveis de adquirir estabilidade no serviço”.